Estatísticas e Análises | 4 de novembro de 2016

Perda de peso após cirurgia bariátrica pouco se deve à restrição na ingestão de alimentos

Redução do estômago tem impacto em processos metabólicos, imunológicos e até neurológicos
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Atualmente, um método muito usado para combater a obesidade é a cirurgia bariátrica (gastroplastia), a famosa redução do estômago. É uma cirurgia eficiente, voltada para pacientes cujo atividades físicas e reeducação alimentar são pouco possíveis, sendo a intervenção necessária para uma melhor qualidade de vida.

 A cirurgia bariátrica, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) é indicada para pacientes cujo Índice de Massa Corporal (IMC) está acima dos 40 kg/m² ou que esteja 45 kg acima do peso ideal. A idade para a realização da cirurgia varia entre 16 e 60 anos. Igualmente importante é a análise do histórico do paciente. Caso a pessoa tenha muita dificuldade para perder peso, serão indicados uma série de exames pré-operatórios, destinados ao conhecimento da situação real daquele paciente, se há alguma restrição para a realização da cirurgia.

Quando se fala em cirurgia bariátrica, a perda de peso é o principal indicador de sucesso, permitindo verificar uma melhora nas condições clínicas em pessoas que apresentam alguma comorbidade e também na qualidade de vida. De forma geral, espera-se que o paciente perca em média 40% de seu peso inicial e o mantenha com o passar do tempo.

Existem três tipos básicos de cirurgias bariátricas. As que apenas diminuem o tamanho do estômago são chamadas restritivas (Banda Gástrica Ajustável, Gastroplastia vertical com bandagem ou cirurgia de Mason e a gastroplastia vertical em sleeve). A perda de peso se faz pela redução da ingestão de alimentos. Existem, ainda, as cirurgias mistas, nas quais ocorre a redução do tamanho do estômago e também um desvio do trânsito intestinal, havendo, além da redução da ingestão, diminuição da absorção dos alimentos. As cirurgias mistas podem ser predominantemente restritivas (derivação Gástrica com e sem anel) e predominantemente disabsortivas (derivações bileopancreáticas).

No que se refere a nutrição, os pacientes submetidos à cirurgia bariátrica deverão ser acompanhados por longo tempo, com objetivo de receberem orientações específicas para elaboração de uma dieta qualitativamente adequada. Quanto mais disabsortiva for a cirurgia (ou seja, dificulta a absorção dos nutrientes), maior a chance de complicações nutricionais, como anemias por deficiência de ferro, de vitamina B12 e/ou ácido fólico, deficiência de vitamina D e cálcio e até mesmo desnutrição, nas cirurgias mais radicais. Reposições vitamínicas são feitas após a cirurgia e mantidas por tempo indeterminado.

Mas a perda de peso após a redução de estômago não é tão determinada pela restrição da ingestão de alimentos. As consequências da cirurgia vão muito além da perda ponderal, tendo impacto em diversos processos metabólicos, imunológicos e até neurológicos do organismo humano. Essa relação foi um dos temas discutidos no XXI Congresso Mundial da Federação Internacional de Cirurgia da Obesidade e Transtornos Metabólicos (IFSO) 2016, realizado no fim de setembro, no Rio de Janeiro.

Como relata o portal Medscape, a bióloga e nutricionista Adaliene Versiane, pesquisadora e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), falou sobre a relação entre obesidade, inflamação e imunoativação. “Adaliene, que atualmente tem como focos de estudo os metabolismos intermediário e endócrino, composições dietéticas e imunometabolismo, lembrou que a inflamação do tecido adiposo é característica da obesidade, sendo as células imunológicas inatas, como os macrófagos, componentes essenciais do processo inflamatório do tecido adiposo”.

Ela explica que a infiltração de células imunes adaptativas precede a acumulação de macrófagos no tecido adiposo inflamado, e as citocinas liberadas de células TH1 e TH2 têm um papel na inflamação e no recrutamento de macrófagos.

Dessa forma, “o material antigênico absorvido pelo intestino pode contribuir para a ativação de células T dentro do tecido adiposo visceral na obesidade, ligando nutrição com inflamação do tecido adiposo, e as citocinas liberadas das células do sistema imune adaptativo contribuem para a resistência à insulina, o que também está associado à obesidade”.

O tecido adiposo, comparado a outros, é o que armazena a maior quantidade de energia e também é o único com capacidade ilimitada de se expandir a um estado indiferenciado. “A expansão adequada, no entanto, necessita uma resposta coordenada entre diferentes tipos de células, o que inclui células precursoras do endotélio, células imunes e preadipócitos”, declarou a pesquisadora. Ela acrescenta que essa expansão adiposa tem similaridades com o crescimento de tumores sólidos. Esse, como salienta o artigo, é “um fenômeno intrigante, já que intervenções farmacológicas que interferem com a adaptação do tecido adiposo podem facilitar o crescimento de tumores”.

O crescimento saudável de tecido adiposo ocorre através do recrutamento de células precursoras adipogênicas com resposta angiogênica adequada e remodelação apropriada da matriz extracelular, e existem diferenças individuais marcantes com relação à capacidade do tecido adiposo de se expandir.

Por outro lado, “a expansão patológica consiste em um grande aumento dos adipócitos já existentes, angiogênese limitada e consequente hipóxia. Como resultado, há indução de HIF-1α, o que por sua vez pode induzir fibrose”. Adaliene Versiane diz que, em ultima análise, “prevalecem macrófagos em estágio M1, o que leva a um fenótipo inflamatório que está associado a forte resistência sistêmica à insulina”.

Dr. Lee Kaplan, médico dos departamentos de Medicina Interna e de Gastroenterologia no Hospital Geral de Massachusetts (EUA), apresentou no IFSO 2016, um trabalho focado nas modificações do funcionamento do lúmen intestinal, secundárias às alterações físicas dos intestinos proximal, médio e distal à cirurgia bariátrica, mediadas pelos sistemas neurológico, endócrino e imune, especificamente no que diz respeito à dinâmica de carboidratos, lipídios, proteínas e aminoácidos, enzimas pancreáticas e, principalmente, ácidos biliares e microbiota e seus produtos metabólicos”.

“Para ele, o procedimento cirúrgico deve ser considerado o método mais eficaz para o tratamento da obesidade e suas comorbidades como o diabetes 2, sendo que a descoberta dos mecanismos moleculares relativos a estas modificações pode indicar novos alvos para intervenções terapêuticas específicas”. Dados de pesquisas mostram que a perda de peso não deve ser vinculada principalmente à diminuição de ingestão ligada à redução gástrica, mas sim ao aumento da circulação de ácidos biliares junto com as modificações que ocorrem nas populações da microbiota intestinal e que interferem no metabolismo dos ácidos graxos. Dr. Lee Kaplan explicou que os ácidos biliares regulam o metabolismo pela ligação aos receptores nucleares FXRs (também conhecidos como NR1H4), que são codificados pelos genes FXRα e FXRβ.

Em ratos, na ausência do FXRs, a capacidade da cirurgia bariátrica de reduzir peso e aumentar a tolerância à glicose torna-se reduzida. “O transplante da microbiota de ratos obesos para ratos livres de germes está associado a ganho de peso, ao contrário, o transplante da microbiota de ratos submetidos à bariátrica para ratos sem microbiota incide em perda de peso”, explicou o Dr. Kaplan, acrescentando que esses resultados indicam que os efeitos da modificação da microbiota intestinal – alterando a modulação dos ácidos graxos de cadeia curta – implicam em perda de peso.

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