PEC 241: desvinculação traz à tona a discussão do limite nos gastos
Mudanças necessárias para alguns e calamidade para outrosO governo de Michel Temer decidiu que a chave que “virará a economia” passa pela aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, dentre outras reformas – como a previdenciária e a trabalhista. O conteúdo da emenda ainda deverá passar por uma nova e segunda votação na Câmara. E após, por mais duas análises no Senado.
A PEC 241 limita por 20 anos (no 10º ano as regras poderão ser modificadas) o aumento do gasto público à inflação dos últimos doze meses, com base no Índice de Preços ao Consumidor, o IPCA. Ou seja, impõe restrições ao gasto, conforme se comporta a economia. O governo passará a gastar o mesmo valor que foi gasto no ano anterior, corrigido pela inflação. Hoje, a Constituição determina um percentual mínimo da arrecadação da União para destinar valores para os setores.
O presidente Michel Temer procurou garantir em diferentes ocasiões que os investimentos em saúde e educação serão mantidos. “É um teto global, quando for formalizar qualquer proposta talvez tenhamos que tirar de obras públicas ou de alguns outros setores para compensar sempre a saúde e a educação”, explicou.
“Ao invés de as despesas crescerem sem limites, vamos passar a moderá-las”, disse o Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, em evento na cidade de São Paulo, recentemente.
O Brasil no “vermelho”
Para a equipe econômica de Temer, o gasto público – no sentido de sua contenção – passa a ser crucial para que o Brasil volte a crescer após 13 anos de governo petista. Com inúmeras promessas e garantias que não se concretizaram após as últimas eleições, Dilma Rousseff deixou a presidência “rejeitada” pela população, pelo mercado financeiro e pela classe política. Rombo fiscal alarmante, ocasionado pelo crescimento constante dos gastos e grande regressão dos avanços econômicos e sociais, minaram a sua trajetória.
Acrescenta-se a tudo isto a operação Lava-Jato, e a expansão, na sociedade, dos valores de defesa da ética, “banida” pelo partido que dominou a cena da política nacional. Outra bandeira do partido petista, que defendia gastos públicos crescentes, se desvaneceu com a derrocada econômica. A crise atingiu fortemente 12 milhões de pessoas, que desempregadas e sem perspectivas, sentem na pele a falácia do Estado que quer fazer “tudo pelo social.”
O slogan publicitário utilizado pela equipe de Temer para defender as medidas é emblemático: “vamos tirar o Brasil do vermelho”. É uma mensagem de duplo sentido que sugere que aquele Brasil populista, gastador e de poucos resultados sustentáveis ao longo prazo, ficou para trás. A ordem é equilibrar as contas públicas, e recuperar a confiança do mercado através do ajuste fiscal.
Em material publicado no site InfoMoney, o banco Itaú destacou que se a PEC 241 não for aprovada, a trajetória da dívida pública se torna “insustentável”, e gerará forte aumento da inflação. No material publicado, cita o exemplo da Grécia e as fortes medidas que tiveram que ser adotadas decorrente da demora no ajuste dos gastos, ocasionando impacto extremamente negativo para a população. A dívida pública brasileira, projeta o Banco, estabilizará em 2023, desde que seja aprovada a PEC 241 juntamente com outras medidas.
Segundo o economista Felipe Salto, professor de macroeconomia no Master in Business Economics, na FGV/EESPA, a “PEC 241 é o começo do começo da mudança. Todos sabemos: não há bala de prata em política econômica. A proposta precisará ser complementada pela reforma da Previdência, por um efetivo choque de gestão e por maior controle do gasto público, buscando-se maior eficiência também do lado tributário. O essencial é que, após anos de insensatez, há um firme compromisso do governo Michel Temer em recolocar ordem na casa. O país acordou para a urgência de mudar e recomeçou a remar, unido, na direção certa”, escreveu em seu Blog.
Felipe Salto também crítica alguns pontos, que devem ser revistos no texto apresentado: ” Claro que é possível discutir pontos do texto aprovado na Câmara. O desenho da PEC do Teto tem problemas, mas a medida é essencial para recobrar o equilíbrio fiscal. Reduzir o prazo ou permitir revisões a cada mandato, desde o início, seria um complemento importante. Equacionar melhor a questão das vinculações e indexações, bem como direcionar o ajuste para os gastos com pessoal são aperfeiçoamentos que não devem sair do radar. Mas só a irresponsabilidade, de quem pôs o Brasil à beira da falência, explica as falácias contra uma medida tão fundamental. Aperfeiçoar, sim; rejeitar, de forma alguma.”
A Saúde
“Economia em frangalhos, níveis de desemprego jamais vistos, e brutal recessão econômica constituem a herança, certamente ´maldita´, deixada pelos sucessivos governos do PT, nos últimos quase 14 anos”, resume o presidente da Federação dos Hospitais do RS (Fehosul) e vice-presidente da Confederação Nacional de Saúde (CNS), Cláudio Allgayer.
Para Allgayer, as tentativas gestadas pelo atual governo no sentido de estancar a derrocada econômica e lançar as bases de um processo gradual de retomada do crescimento, “passam pela aprovação da PEC 241, cujo grande mérito é por um termo aos gastos públicos desenfreados, que minam a confiança da sociedade e dos mercados. O setor saúde, juntamente com o da Educação, terão um tratamento diferenciado, permitindo o crescimento dos gastos em 2017 acima do limite estabelecido para todos os outros setores da economia. ” Para Allgayer, é necessária maior qualidade na alocação destes gastos. “De forma que a prevenção, o diagnóstico e o tratamento, voltado ao cidadão e ao paciente necessitado, atinjam os resultados realmente esperados”, defende.
Cenário
Alarmistas dizem que a PEC 241 será o “fim” da saúde no Brasil e do Sistema Único de Saúde. O SUS, apesar do nome, nunca foi único, sempre coexistiu o setor público com o privado, formado por hospitais, clínicas, laboratórios e demais estabelecimentos de assistência em saúde.
Os políticos (como Dilma, Lula, Aécio, Serra e Temer), intelectuais mais conhecidos (como Chico Buarque) e as classes sociais mais bem estabelecidas se tratam em hospitais de referência como Sírio-Libanês e Einstein – dentre tantos outros. Não buscam o atendimento em unidades públicas, salvo em raras exceções.
Desde 2000, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) arrecadou e repassou ao Fundo Nacional de Saúde (FNS) cerca de R$ 1,2 bilhão. O ressarcimento ocorre sempre que beneficiários de planos de saúde são atendidos na rede pública para realizar procedimentos que estão previstos nos contratos ou no rol de procedimentos editado pela ANS e nos termos do que foi contratado, como abrangência geográfica, período de carência, etc.
Calamidade
Em entrevista ao UOL, Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e vice-presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), considera que a redução dos recursos públicos em saúde será uma calamidade. ”Nos próximos 20 anos, o sistema de saúde precisaria é de novos aportes de recursos, não de retração, pois a população idosa vai dobrar nesse período, chegar a 35 milhões de brasileiros em 2035. O SUS vai gastar cada vez mais com doenças crônicas, degenerativas, do coração, com os vários tipos de câncer. ”
Com 206,08 milhões de habitantes, a população brasileira terá acréscimo de 17 milhões de pessoas (até o final destes 20 anos de congelamento).
Crítica desonesta
Porém Felipe Salto explica que os argumentos dos críticos da PEC 241 surgem com viés puramente político: “A crítica desonesta, que vem do PT e dos que ainda orbitam em torno dele, quer espalhar o terror. Dizem, sem o menor pudor, que a saúde será congelada, que os professores vão ficar à míngua e coisas correlatas. Vamos aos fatos? A regra prevista pela PEC para a Educação garante 18% do volume de impostos líquido de transferências a estados e municípios para o item “manutenção e desenvolvimento do ensino” em 2017, despesa que fica hoje ao redor de 50-60 bilhões de reais. A partir de 2018, sobre o montante de 2017, será aplicada a inflação, como regra geral, para fixação do valor mínimo, isto é, do piso para esta área. Vejam, então, que interessante: no caso da educação, haverá um valor mínimo sempre garantido. Não há teto específico para esta área. Quem disse isso não leu o texto da PEC ou insiste em falácias por razões outras que não a de promover o bom debate. É claro que, sendo um componente do gasto primário total, a educação estará sujeita ao limite global. Mas, por exemplo, se o governo ou o Congresso quiserem fixar valores superiores ao piso, eles poderão. Isso exigirá, no entanto, que despesas com funcionalismo, previdência, custeio da máquina ou outras sejam cortadas para dar lugar a esse incremento. É aritmética. Tira daqui, põe acolá, mantém-se o teto. No caso da saúde, a mesma coisa. A diferença é que, aqui, está-se garantindo um valor maior para 2017 do que na ausência da PEC. Inicialmente, a regra atual, aprovada no ano passado, mandava fixar 13,65% da receita corrente líquida (o que é diferente da regra da educação, onde apenas impostos entram). Com a PEC, esse percentual subiu para 15% e, a partir de 2018, valem as mesmas observações que fiz acima para a educação. ‘É simples. Pior cego é o que não quer enxergar”.
Alternativas e a “Dama de Ferro”
No dia 5 de agosto, foi criado um grupo de trabalho incumbido de desenvolver o projeto base para lançar um modelo de plano de saúde acessível. Segundo o ministro da Saúde, Ricardo Barros, a ideia é que parte dos atendimentos sejam feitos na rede privada, e outros em estabelecimentos públicos.
A criação de um plano de saúde com custos menores poderia aliviar os gastos com o financiamento do SUS, segundo o ministro. “Se tivermos planos acessíveis com modelos de que a sociedade deseje participar, teremos R$ 20 ou R$ 30 bilhões a mais de recursos” disse recentemente. E acrescentou: “Quando estivermos gastando bem o que temos quem sabe teremos moral para pedir mais recursos. ”
Após a experiência socialista “à brasileira”, o novo governo dá sinais de comprometimento com a austeridade, o controle das finanças públicas, e a redução do papel do Estado e incentivo ao livre mercado. Porém, parece que falta mais.
“A classe política poderia ir ainda mais além, e dar exemplos concretos do seu engajamento no controle econômico. Há ainda excesso de funcionários e mordomias que não mais são aceitas pela sociedade, que mantém uma descrença grande no ente público. E os bancos deveriam ter um compromisso maior com o desenvolvimento das empresas brasileiras, cobrando juros mais acessíveis para setores importantes com o da saúde”, defende Allgayer.
A “dama de ferro” Margaret Thatcher, ex-primeira dama do Reino Unido, que promoveu fortes mudanças estruturais, como controlar à risca os gastos, privatizar empresas supérfluas e sem resultados para a sociedade, disse em certa feita, antes mesmo dos governos do PSDB ou do PT: “Parece-me bem claro que o Brasil não teve ainda um bom governo, capaz de atuar com base em princípios, na defesa da liberdade, sob o império da lei e com uma administração profissional. Defendo um Estado pequeno e forte e o que me parece é que o que vocês têm no Brasil é exatamente o inverso, ou seja, um Estado grande e fraco”.
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