Mundo, Política | 29 de outubro de 2015

Para reduzir custos de medicamentos, olhe para a Europa e Canadá

Estudiosos da economia de saúde nos Estados Unidos propõem precificação de medicamentos em linha com a inovação farmacêutica
Para reduzir custos de medicamentos, olhe para a Europa e Canadá

Quando políticos propõem reduzir os preços dos medicamentos sujeitos a receita médica – como Hillary Clinton e Bernie Sanders, pré-candidatos democratas a presidência dos EUA, recentemente fizeram – a crítica ouvida com mais freqüência é que isso pode sufocar a inovação. Mas nem toda a inovação farmacêutica é valiosa. Apesar de algumas drogas serem descobertas, algumas oferecem apenas benefícios marginais a um custo exorbitante.

Existe uma maneira de manter os preços baixos e o incentivo para que as empresas farmacêuticas inovem: veja a Europa e outros lugares, onde os preços dos medicamentos são uma parcela do que é nos EUA. Alemanha, Espanha, Itália, Canadá e uma série de outros países têm forçado a redução dos preços dos medicamentos com um sistema chamado de preço de referência.

Isso levou a uma diminuição dos preços de medicamentos e economias significativas na província canadense de British Columbia, assim como na Alemanha, Itália, Noruega, Espanha e Suécia. Um estudo publicado no American Journal of Managed Care (ler aqui, em inglês) constatou que as reduções de preços variaram de 7% para 24%.

Eis como funciona: as drogas são agrupadas em classes em que todas têm efeitos terapêuticos idênticos ou semelhantes. Por exemplo, todas as marcas de ibuprofeno estariam na mesma classe, porque todas contêm o mesmo agente ativo. A classe pode incluir outros agentes anti-inflamatórios não esteróides como a aspirina e naproxeno, porque são terapeuticamente semelhantes. A seguradora paga apenas um valor, chamado preço de referência, para qualquer droga em uma classe. A empresa fabricante pode definir o preço de sua droga mais elevado, e se um consumidor optar por usá-la, ele ou ela paga a diferença.

Definir o preço de referência suficientemente baixo coloca uma pressão considerável sobre os fabricantes de medicamentos, para que reduzam os preços de remédios para os quais há bons substitutos. Se não fizerem isso, os consumidores vão mudar para produtos de menor custo. Em British Columbia ( Canadá) e na Itália, o preço de referência é definido pela droga com preço mais baixo na classe; a Alemanha utiliza um preço médio de todas as drogas; a Espanha também utiliza uma média, mas apenas dos produtos de preço mais baixo que representam pelo menos 20% do mercado da classe (saiba mais aqui). Iniciativas governamentais de somente pagar por um determinado preço de referência que não guarda relação com classes de medicamentos definidas farmacologicamente, constituem ultraje ao direito assistencial do paciente de ter acesso, por preço justo, ao melhor medicamento de uma determinada referência farmacológica.

Ao forçar os valores para baixo, o preço de referência que guarda relação com uma classe farmacológica não suprime a inovação e pode incentivar uma forma diferente de custo. O mercado ainda premia a invenção de um medicamento de última geração com efeitos terapêuticos. Tal droga pode ser colocada em uma nova classe e, portanto, poderia ter fixado o seu preço em patamar mais elevado. Mas, dentro das classes, o mercado também premia inovações que levam a medicamentos com preços mais baixos, porque os consumidores migram para o uso destes produtos para evitar custos excessivos. Nestes aspectos, os preços de referência promovem relação custo-eficiência.

Considere, por exemplo, o preço das novas drogas anti-colesterol conhecidas como inibidores da PCSK9: cerca de US$ 14 mil por ano. Um relatório recente do Institute for Clinical and Economic Review – ICER recebeu atenção considerável quando alegou que as drogas tinham um preço muito alto para o valor que ofereceram aos pacientes. Reduzindo os preços para fechar em US$ 2 mil seria torná-los rentáveis e ajudaria a manter os gastos com a saúde americana abaixo de uma meta de crescimento amplamente aceita, de acordo com a análise do ICER.

O preço de referência pode ajudar a reduzir os preços dos inibidores de PCSK9 se eles forem colocados na mesma classe terapêutica de outras drogas  para o colesterol, mais baratas, como as estatinas. Se isso acontecer, os fabricantes de PCSK9 – Amgen e Regeneron Pharmaceuticals – enfrentariam fortes incentivos para reduzir seus preços.

No entanto, algumas pessoas podem argumentar, com razão, que os inibidores da PCSK9 são superiores às estatinas e, portanto, não devem ser agrupados com eles. Por serem baseados no custo-eficiência, o preço da ICER incorpora tais diferenças de desempenho por recomendar um preço mais elevado para drogas mais eficazes – embora no caso específico das PCSK9, este preço possa ser mais baixo do que os fabricantes podem querer.

A promessa de preços de referência vai além de medicamentos prescritos. Em um artigo apresentado na Brookings (organização filantrópica dos EUA dedicada a analisar questões de políticas públicas, o economista de Harvard, Amitabh Chandra, o professor de direito da Universidade de Michigan Nicholas Bagley e o economista de saúde Austin Frakt propuseram que se estendesse a abordagem a uma ampla gama de tecnologias médicas.

Pesquisadores e cientistas têm sugerido que o Medicare (plano de saúde do governo norte-americano para maiores de 65 anos) deva pagar mais por uma nova terapia para uma determinada condição, apenas se a nova terapia for melhor do que as terapias existentes (Em 2010, David Leonhardt escreveu sobre uma ideia semelhante publicada no NYT. Em nenhum caso, o Medicare deveria pagar mais por uma terapia do que um padrão de custo-efetividade geralmente aceito. Se os pacientes quiserem terapias com custo-ineficiência, eles poderiam pagar a diferença do próprio bolso, um afastamento da política atual do Medicare.

Tal como está, outros países estão muito à frente dos EUA na precificação de medicamentos para promover a inovação farmacêutica rentável. Mas o interesse está crescendo em novas abordagens. Peter B. Bach, um médico do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, propôs recentemente uma variação dos preços de referência, que considera como a relação custo-eficiência de uma droga para câncer varia de acordo com o que é usado para tratar a doença. Ele observou que a droga Tarceva custa o mesmo se é usada para tratar pacientes com um tipo de câncer de pulmão ou pacientes com câncer de pâncreas. Mas os resultados são totalmente diferentes. Em média, a Tarceva prolonga a vida de um paciente de câncer de pulmão por pouco mais de três meses; e estende a vida de um típico paciente com câncer do pâncreas por apenas uma semana e meia.

A visão do Dr. Bach é a de que deveríamos estar pagando por aquilo que nos preocupamos – ganhar sobrevida – e não pela droga em si. Portanto, ele propôs que o preço do Tarceva seja drasticamente reduzido para pacientes com câncer pancreático, para gerar o custo de acordo com a sobrevida ganha, como a de pacientes com câncer de pulmão.

Os críticos da ideia do Dr. Bach, e da abordagem da ICER, reivindicam que isso iria restringir a inovação que poderia beneficiar pacientes. No entanto, elas são concebidas especificamente para recompensar a inovação de forma mais inteligente, que é precisamente o que o sistema de saúde precisa. De qualquer forma, os pacientes deveriam ser livres para optarem por medicamentos de custo mais elevado, mas nestes casos suportariam eles próprios os custos eventualmente mais elevados dos medicamentos prescritos e aceitos pelos pacientes.

Austin Frakt, autor do artigo original publicado no The New York Times, é economista de saúde com diversas filiações governamentais e acadêmicas. Ele é blogueiro no The Incidental Economist.

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