Jurídico | 31 de outubro de 2012

Pacientes poderão registrar em prontuário quais procedimentos querem ser submetidos

Resolução do Conselho Federal de Medicina estabelece os critérios para que qualquer pessoa possa definir junto ao seu médico quais os limites terapêuticos na fase terminal
Pacientes poderão registrar em prontuário quais procedimentos querem ser submetidos

Desde o final de agosto, pacientes e médicos contam com regras que estabelecem os critérios sobre o uso de tratamentos considerados invasivos ou dolorosos em casos clínicos nos quais não exista qualquer possibilidade de recuperação. Sob o nome formal de diretiva antecipada de vontade, mas já conhecido como testamento vital, trata-se do registro do desejo expresso do paciente em documento, o que permitirá que a equipe que o atende tenha o suporte legal e ético para cumprir essa orientação.

A regra consta da Resolução 1.995, aprovada pelo plenário do Conselho Federal de Medicina (CFM). Assim, o paciente que optar pelo registro de sua diretiva antecipada de vontade poderá definir, com a ajuda de seu médico, os procedimentos considerados pertinentes e aqueles aos quais não quer ser submetido em caso de terminalidade da vida, por doença crônico-degenerativa.

Deste modo, poderá, por exemplo, expressar se não quer procedimentos de ventilação mecânica (uso de respirador artificial), tratamentos (medicamentoso ou cirúrgico) dolorosos ou extenuantes ou mesmo a reanimação na ocorrência de parada cardiorrespiratória.  Esses detalhes serão estabelecidos na relação médico-paciente, com registro formal em prontuário. O testamento vital é facultativo, poderá ser feito em qualquer momento da vida (mesmo por aqueles que gozam de perfeita saúde) e pode ser modificado ou revogado a qualquer momento.

Qualquer pessoa com mais de 18 anos ou que esteja emancipado judicialmente pode expressar sua diretiva antecipada de vontade. Crianças e adolescentes não estão autorizados e nem seus pais podem fazê-lo em nome de seus filhos. Nestes casos, a vida e o bem estar deles permanecem sob a responsabilidade do Estado.

Pela Resolução, o registro da diretiva antecipada de vontade pode ser feita pelo médico assistente em sua ficha médica ou no prontuário do paciente, desde que expressamente autorizado por ele. No texto, o objetivo deverá ser mencionado pelo médico que o paciente está lúcido, plenamente consciente de seus atos e compreende a decisão tomada. Também dará o limite da ação terapêutica estabelecido pelo paciente. Neste registro, se considerar necessário, o paciente poderá nomear um representante legal para garantir o cumprimento de seu desejo.

Para o presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica (SBCM), Dr. Antonio Carlos Lopes, a decisão do CFM é fruto de uma forte mudança de comportamento e cultura no Brasil. “Não falo de eutanásia que, além de crime, é uma conduta que abre perigosos precedentes. Discorro, sim, sobre a ortotanásia, pautada no direito fundamental à morte digna, ou ‘morte na hora certa’. Compreende o não prolongamento artificial da vida, possibilitando ao paciente em estado terminal e irreversível morrer sem ter sua dor perpetuada por aparelhos que arrastam suas funções vitais”, defende o médico em artigo publicado recentemente.

Porém o presidente da SBCM faz um alerta sobre a judicialização que determinação do CFM pode acarretar aos médicos e profissionais da saúde. Para ele, é necessário que a Justiça e também o Conselho Federal de Medicina se manifestem em esclarecimentos definitivos. “Em 2006, o Conselho também permitiu aos profissionais de medicina a ortotanásia, por intermédio da Resolução 1.805. Entretanto, o Ministério Público Federal entrou com ação de inconstitucionalidade e conseguiu cassá-la por liminar. Em 2010 a Justiça liberou os médicos para a prática da ortotanásia, depois do CFM publicar nova resolução explicando com mais clareza as diferenças em relação à eutanásia. Mas muita insegurança ainda permaneceu no ar.”


Experiência mundial

A possibilidade de registro e obediência às diretivas antecipadas de vontade já existem em vários países, como Espanha  e Holanda. Em Portugal, uma lei federal entrou em vigor recentemente autorizando o que chamam de “morte digna”. Na Argentina, lei que trata desse tema existe há três anos.

Nos Estados Unidos esse documento tem valor legal, tendo surgido com o Natural Death Act, no Estado da Califórnia, em 1970. Exige-se que seja assinado por pessoa maior e capaz, na presença de duas testemunhas, sendo que a produção de seus efeitos se inicia após 14 dias da sua lavratura. É revogável a qualquer tempo, e possui uma validade limitada no tempo (cerca de 5 anos), devendo o estado terminal ser atestado por dois médicos.

 

 

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