Estatísticas e Análises | 22 de março de 2018

O custo do tratamento do câncer no Brasil

Economista do Banco Mundial, André Medici, analisa práticas para aprimorar o tratamento, utilizar melhores tecnologias e reduzir custos
O custo do tratamento do câncer no Brasil

No Brasil, o câncer é a segunda maior causa de morte. Em 2015, foram 223 mil mortes no país, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Em recente artigo, André Cezar Medici, economista Sênior em Saúde do Banco Mundial e editor do blog Monitor de Saúde, apresenta os números e analisa custos, volume, taxa de mortalidade e as tecnologias que estão sendo empregadas em relação ao tratamento do câncer no Brasil. No texto, Medici aborda a relação entre o aumento nos custos no tratamento ao longo dos anos com o uso cada vez maior de tecnologias disponíveis, indicando também práticas de prevenção eficazes.

O crescimento do número de mortalidade por câncer não ocorre somente no Brasil, mas sim ao nível global. De acordo com a Sociedade Norte-Americana de Câncer (American Cancer Society), o número de novos casos, no mundo, passará de 14,6 para 20,2 milhões por ano, entre 2010 e 2030, e a maioria deles ocorrerá nos países em desenvolvimento como o Brasil, onde os fatores de risco e os processos de promoção e prevenção tem tido menor controle por parte das autoridades sanitárias.

Figura_1_Medici_Casos_Novos_Cancer_SUS

Custos de tratamento elevados

Em relação ao câncer, entre 1999 e 2015, os gastos no Brasil somente com tratamento (excluindo promoção e prevenção) aumentaram de R$ 470 milhões para R$ 3,3 bilhões [1], ou seja, um crescimento de sete vezes num período de 16 anos. Cerca de dois terços (2/3) destes gastos estão relacionados somente à quimioterapia.

Medici avalia que as descobertas de novos medicamentos, equipamentos, tratamentos e terapias têm aumentado as chances de cura do câncer, mas também trazem muitas discussões. “Muitos argumentam que estas inovações agregam custos crescentes impossíveis de serem financiados pelos sistemas públicos de saúde”, aponta o articulista.

O economista explica que, atualmente, os custos do tratamento do câncer aumentam por ocorrerem em idades relativamente jovens, serem detectados tardiamente e necessitarem de medicamentos e tecnologias caras. “Muitos dos gastos estão associados a tratamentos paliativos, onde as chances de cura em estágios avançados da doença já são muito remotas”, explica.

O artigo afirma que boa parte do aumento destes gastos se justifica pelos custos associados ao tratamento em estágios mais avançados da doença. “No Brasil, dado que a maioria dos casos é detectada nestes estágios avançados e as estratégias de prevenção do câncer ainda têm uma cobertura muito baixa, o número de pessoas que necessita de medicamentos e terapias (mesmo as novas e mais caras) tende a ser proporcionalmente elevado. Portanto, no ritmo atual de crescimento da doença, as necessidades de financiamento ficarão sempre aquém das possibilidades de atender a todos os casos”, explica Medici.

Estágios do câncer e custos a cada etapa

Os estágios (ou estadiamentos) do câncer são definidos em função da gravidade da progressão da doença. Em geral, os custos diretos do câncer são crescentes de acordo com sua gravidade, exigindo maior intensidade no tratamento e portanto custos mais elevados. Estes estágios podem ser resumidos como:

Estágio 0: Carcinoma em situ, ou seja, restrito a área inicial onde aparece.

Estágio 1: Início de tumor na área inicial mas sem comprometimento linfático.

Estágio 2: Espalhando-se no tecido inicial ou em mais de um tecido com comprometimento do sistema linfático.

Estágio 3: Localmente avançado, espalhado por mais de um tecido e causando comprometimento linfático.

Estágio 4: Metástase a distância, ou seja, espalhando para outros órgãos ou todo o corpo.

Estágio 5: Fase terminal.

No Brasil, segundo pesquisa financiada pelo Tribunal de Contas da União em 2010, 60,5% dos casos de câncer são diagnosticados nos estágios 3 e 4. Nestes estágios, os custos de tratamento costumam ser entre 60% e 80% maiores que nos estágios 1 e 2, com possibilidades de cura sensivelmente menores.

“Embora a incorporação de tecnologia de novos medicamentos tenda a ocorrer em todos os estágios do câncer, o custo das novas tecnologias tenderá a ser menor nos estágios iniciais do que nos avançados, minimizando o impacto financeiro da incorporação tecnológica”, avalia.

Medici aponta que um modo de reduzir os custos é diagnosticar a doença nos estágios iniciais de tratamento e aumentar os esforços de prevenção de fatores de risco do câncer, com medidas como a vacinação contra agentes patogênicos que podem levar ao desenvolvimento do câncer. “Por exemplo, a vacinação contra a hepatite B poderá ser um fator importante de prevenção contra o câncer do fígado, que se desenvolve com maior probabilidade entre as pessoas que tiveram esta doença. Da mesma forma, a vacina contra o HPV entre meninas adolescentes é um grande fator de prevenção do câncer cérvico-uterino”, pontua.

Estudos realizados pela Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale) sobre alguns tipos de câncer, usando dados do DATASUS, revelam diferenças substanciais no custo de tratamento destes distintos estágios para alguns tipos de câncer no Brasil, como pode ser visto nos gráficos que se seguem, que analisam os custos em diferentes estágios de desenvolvimento, dos cânceres de reto, cólon, mama pré-menopausa e mama pós-menopausa.

Figura_2_Medici_Custos_Tratar_Cancer_SUS

Os gastos do SUS nos estágios 2 e 3 são bem maiores que no estágio 1 para os casos de câncer de reto, cólon e mama. No caso do câncer de mama pré-menopausa, por exemplo, o custo no estágio 3 por paciente era seis vezes (6x) maior: R$ 65 mil, comparado com R$ 11 mil no estágio 1. “Investir em diagnóstico precoce do câncer, além de aumentar as possibilidades de cura, poderá trazer muitas economias ao SUS, principalmente por evitar gastos, muitas vezes paliativos, elevados com pacientes em estágios mais avançados da doença”, frisa Medici.

A melhor maneira de investir para financiar o tratamento de câncer no Brasil

O autor do artigo defende maior investimento em promoção e prevenção, principalmente nas ações que minoram ou evitam os fatores de risco do câncer, além de investimento maior também em diagnóstico precoce para o câncer, “porque permite salvar vidas e gastar menos com tratamento e porque se detectada a doença, estará em estágios preliminares de seu desenvolvimento, fazendo com que os custos de seu tratamento sejam muito menores”, explica.

O tratamento do câncer em estágios mais avançados é mais complexo, incerto e caro, trazendo gastos mais elevados com medicamentos, terapias e hospitalização. Um estudo realizado pela UNIMED de Belo Horizonte em 447 pacientes com câncer detectados em estágio avançado e em estágio inicial, entre 2008-2010, revelou que o custo de tratamento dos pacientes em estágio avançado, acumulado em 35 milhões de dólares, seria de apenas 5 milhões de dólares caso a doença fosse detectada na fase inicial.

Medici também aponta que um terço das mortes por câncer poderiam ser evitadas se os casos fossem detectados precocemente e tratados nos estágios iniciais, e um terço de casos adicionais poderiam ser evitados com a modificação de exposição aos fatores de risco já conhecidos, como o tabaco, o álcool, dietas inadequadas, falta de atividade física, exposição à poluição ambiental e a ambientes de trabalho insalubres, além de outros.

O economista, especializado na área da Saúde, finaliza afirmando que não é adequado culpar as inovações tecnológicas pelos altos custos do tratamento do câncer. “Os medicamentos biológicos, a imunoterapia e outras inovações, apesar de seu custo, são uma importante promessa para avançar na cura de determinados tipos de câncer (incluindo em estágios mais avançados), a um custo que, embora mais elevado, deverá ser pago quando não há alternativas”, aborda. Porém, Medici enfatiza que se o número de casos que necessitam destes tipos de tratamento diminuírem, em função da prevenção e diagnóstico precoce, os custos do tratamento com estas inovações poderão ser financiados para quem precisa.

Estudos recentes realizados pela terceira edição do Programa de Controle de Doenças Prioritárias (DCP3) publicaram, no volume relacionado ao câncer [2], um conjunto de medidas que teriam grande efeito na redução dos casos de câncer. Estas medidas incluem ações como a taxação do tabaco, a eliminação da propaganda, a proibição do uso do tabaco em locais públicos, a vacinação obrigatória contra o HPV (escolas) e hepatite B (incluindo dose ao nascer); exames e tratamento de lesões pre-cancerígenas de câncer cervical e tratamento precoce quando identificado; cirurgias desobstrutivas e tratamento precoce de câncer colo-retal; identificação e tratamento curativo contra câncer de mama em estágio precoce e identificação e tratamento precoce de alguns tipos de câncer infantil. O custo per-capita anual destas medidas seria estimado em US$ 5,72 em países de renda média como o Brasil, que já avançou significativamente em áreas como a taxação, eliminação da propaganda e proibição do tabaco em locais públicos e a vacinação contra a hepatite B e o HPV. Mas o grande investimento estaria realmente em aumentar a capacidade de nossa rede pública para fazer diagnóstico precoce de câncer e em regular a exposição da população a fatores de risco, incorporando para aqueles que precisam, o tratamento através de novas tecnologias e medicamentos de comprovada eficácia.

1 [ Informação extraída da apresentação do do Dr. Luiz Fernando Bouzas, ex-Diretor Geral do Instituto Nacional do Câncer (INCA/MS), no 3º Congresso Brasileiro “Todos Juntos contra o Câncer”, ABRALE, São Paulo, 2016]

2 [ Gelband, G. et al. Cancer, Ed DCP3, Report No. 3, 2016 ]

 

Com informações do Blog Monitor de Saúde. Edição do Setor Saúde. Imagem GloboNews web

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