Estatísticas e Análises, Mundo | 8 de setembro de 2015

O álcool realmente faz mal?

A complexidade da discussão sobre o consumo de bebidas alcoólicas  
O álcool realmente faz mal

Não são poucos os estudos sobre os efeitos da bebida alcoólica na saúde. Igualmente, muitos estudos científicos sugerem que uma ou duas doses ocasionais são saudáveis, o que entusiasma os apreciadores de uma boa bebida. Determinar se o álcool consumido em moderação traz, de fato, benefícios, é algo complexo.

Em busca de desmitificar o assunto, o portal BBC Future fez um apanhado de pesquisas que analisam a questão, para gerar um cenário mais completo, através de dados concretos apresentados na reportagem “O álcool realmente faz mal?”.

Segundo levantamento da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), de cada 100 mil mortes no Brasil, 12,2 poderiam ser evitadas se não houvesse consumo de álcool. O consumo de bebidas alcoólicas é a causa de morte de 80 mil pessoas nas Américas. O Brasil apresenta a quinta maior taxa, sendo a mais alta a de El Salvador (27,4/100 mil mortes) e a mais baixa, a da Colômbia (1,8/100 mil mortes). O estudo foi realizado entre 2007 e 2009 e os resultados foram publicados na revista Addiction em janeiro de 2014. Os dados focavam casos em que o álcool foi especificamente mencionado na causa de morte, como doenças do fígado vinculadas ao álcool.

Uma das primeiras pesquisas a relacionar o consumo de álcool e a saúde foi realizada pelo escocês Archie Cochrane, um dos pioneiros da medicina baseada em evidências. Em 1979, ele conduziu uma pesquisa para entender o que gerava as disparidades nas taxas de mortalidade por doenças cardíacas em 18 países desenvolvidos – entre eles EUA, Grã-Bretanha e Austrália –. O trabalho mostrou uma ligação clara e significativa entre o aumento do consumo de álcool (principalmente vinho) e a queda na incidência da doença arterial coronariana. Estudos anteriores ao de Cochrane já haviam encontrado relação entre álcool e uma menor taxa de morte por enfarte. O pesquisador escocês sugeriu que a aromaticidade e certos compostos da bebida (possivelmente antioxidantes, como polifenóis) seriam os responsáveis pelos benefícios.

Já em 1986, pesquisadores investigaram os hábitos alimentares, a história médica e o estado de saúde de um grupo de mais de 50 mil médicos homens. Após dois anos de acompanhamento, foi possível ver que – independente da dieta seguida – quanto mais álcool os entrevistados tomavam, menores eram as chances de desenvolver a doença arterial coronariana. Outro estudo feito com médicos homens, e publicado em 2000, descobriu que os indivíduos que bebiam uma dose normal diária, tinham menos chances de morrer durante os cinco anos de duração da pesquisa do que aqueles que bebiam menos de uma vez por semana, ou que bebiam mais de uma vez por dia.

Todos os resultados indicam que existe um “ponto certo” para o consumo de álcool. Sem exagero ou abstenção, é possível consumir regularmente e de forma saudável. Isso porque os benefícios para a saúde cardiovascular compensam os riscos de morte por outras causas.

Em contrapartida, uma pesquisa divulgada em 2005 acompanhou profissionais da área médica (32 mil mulheres e 18 mil homens) para esclarecer a relação da bebida alcoólica e os efeitos fisiológicos. O objetivo era entender se o álcool em si traz benefícios, ou é apenas um aspecto inserido em um comportamento saudável, pois as pessoas que bebem com moderação podem ser as mesmas que mantêm uma alimentação equilibrada e praticam atividades físicas.

Pessoas que bebiam uma ou duas doses de álcool, de três a quatro vezes por semana, tinham menor risco de enfarte. Os pesquisadores atribuíram isso aos efeitos benéficos da bebida sobre o chamado bom colesterol, sobre a hemoglobina A1c (marcador do risco de diabetes) e sobre a proteína que atua na coagulação (fibrinogênio). Tais fatores têm um papel fundamental na “síndrome metabólica”, conjunto de anormalidades que normalmente indicam diabetes e doenças cardiovasculares.

Este não foi o único estudo a encontrar indícios de que o álcool pode melhorar a saúde em relação a risco de problemas graves, como AVC e até mesmo morte. Porém, não gostar de bebidas alcoólicas não é um comportamento prejudicial. Em 2006, pesquisadores observaram a metodologia de todos os estudos anteriormente citados. A conclusão foi de que houve um grande erro de comparação: a maioria dos abstêmios eram pessoas que tinham parado de beber devido a alguma doença ou pela idade avançada. Assim, esses indivíduos eram percebidos estatisticamente como um grupo menos saudável.

Outros estudos, que não cometeram esse erro, não encontraram uma redução no risco de doenças cardíacas entre os consumidores moderados de álcool, em relação aos abstêmios. Pessoas que não bebem por alguma patologia – quando o organismo não consegue processar bem o álcool – apresentaram melhor saúde cardiovascular, assim como tinham menores riscos do que aquelas sem esse traço genético.

Nem tudo, porém, é motivo para se comemorar abrindo um espumante. O levantamento da BBC, feito pela jornalista Bianca Nogrady, ressalta, no entanto, que a substância pode causar morte prematura de várias outras maneiras. “Um relatório feito pela Organização Mundial de Saúde no ano passado concluiu que a bebida aumenta o risco de desenvolver depressão, ansiedade, cirrose hepática e pancreatite e potencializa as chances de suicídio, acidentes e envolvimento em situações violentas”.

O álcool também está relacionado a diversos tipos de câncer (boca, nariz, laringe, esôfago, cólon, fígado e, nas mulheres, o de mama). Em torno de 4% a 30% das mortes por câncer em todo o mundo podem ter alguma relação ao consumo de álcool. Mesmo a ingestão moderada apresenta riscos. Uma dose por dia aumenta as chances de câncer de mama em 4%; já o consumo exagerado pode aumentar esse risco em até 50%. A alta ingestão enfraquece o sistema imunológico e está associada a doenças como pneumonia e tuberculose.

Outros fatores prejudiciais, embora indiretos, são um pouco mais conhecidos. A bebida incentiva um comportamento sexual arriscado, aumentando as chances de contrair doenças sexualmente transmissíveis. Beber durante a gravidez também pode prejudicar o feto. Mais de 200 doenças e lesões podem ser relacionadas ao consumo de álcool.

Uma recente análise crítica, publicada em 2013 pelo psiquiatra norueguês e especialista em alcoolismo, Hans Olav Fekjaer, afirma que, enquanto as evidências sobre os prejuízos causados pelo álcool são sólidas, há vários motivos para ser cético em relação aos estudos que atestam benefícios.

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