Jurídico, Mundo | 15 de março de 2016

Morte assistida gera intenso debate no Canadá

Novas diretrizes devem permitir que pacientes com doenças mentais, incluindo menores de idade, solicitem eutanásia
Morte assistida gera intenso debate no Canadá

Leis que abordam a morte assistida, o denominado óbito com dignidade, estão sendo tratadas em diversos países. Novas recomendações para médicos sobre o tema que incluem disposições controversas sobre a doença mental e “menores maduros”, como diz o portal Medscape Medical News (dirigido a médicos) pode virar lei federal no Canadá.

No início de 2015, o Supremo Tribunal do Canadá derrubou a proibição nacional sobre a morte assistida por médico, dando ao parlamento canadense um ano para promulgar novas leis, prazo que foi posteriormente prorrogado até o próximo mês de Junho de 2016. As novas recomendações, apresentadas em fevereiro, em um relatório do Comitê Especial Misto sobre Morte Assistida por Médico (Special Joint Committee on Physician-Assisted Dying) aos legisladores, permitiria o acompanhamento profissional “em casos de sofrimento intolerável devido à doença física, bem como doença psiquiátrica, como é atualmente permitido em alguns países europeus, e acabaria por estender esses direitos aos menores competentes” – pacientes menores de 18 anos.

O relatório afirma que a recomendação sobre os jovens está de acordo com o argumento do Supremo Tribunal do Canadá de que “os menores têm direito a um grau de autonomia de decisão que é o reflexo da sua inteligência em evolução e compreensão”. Embora a Sociedade Canadense de Pediatria se oponha firmemente, a comissão argumenta que os menores não devem ter negados os direitos concedidos aos adultos.

“Tendo em vista as práticas existentes no que diz respeito ao amadurecimento dos jovens em cuidados de saúde e do fato óbvio de que os menores podem sofrer tanto como qualquer adulto, o Comitê considera que é difícil justificar uma proibição total sobre o acesso à assistência médica em morte para menores”, afirma o relatório. O documento também destaca que “o Comitê reconhece que haverá desafios únicos na aplicação dos critérios de elegibilidade para assistência médica para a morte, onde o paciente tem uma doença mental, especialmente quando tal doença é a condição subjacente ao pedido”. No entanto, “quando uma pessoa é competente e se ajusta aos outros critérios estabelecidos por lei, a comissão não vê como a essa pessoa pode ser negado o direito reconhecido com base na sua condição de saúde mental”.

Desafios Significativos

O diretor de psiquiatria geriátrica no Centro de Dependência e Saúde Mental (CAMH) de Toronto, Dr. Tarek Rajji, afirmou ao comitê, que a doença mental pode ser “grave” para um indivíduo e que os sintomas podem causar, em longo prazo, sofrimento físico e psicológico. O especialista concorda com a comissão de que tais casos sejam desafios significativos. Para ele, a recomendação “é radical, como as questões em torno da capacidade do paciente são muito complexas na doença mental e precisam de consideração muito cuidadosa. Esta população é particularmente vulnerável”, diz o Dr. Rajji. “No CAMH, não nos opomos à inclusão da doença mental, com base na não-discriminação, mas essa não é a única consideração que precisamos pensar em relação à doença mental”.

“As críticas na avaliação de um pedido de morte assistida incluem fatores como a capacidade do paciente para tomar a decisão, o sofrimento de uma doença grave e irremediável, o sofrimento intolerável causado pela doença, e uma falta de resposta a um tratamento que é aceitável para a pessoa”, explica o Dr. Rajji. Ele lembra que, apesar de apoiar o direito fundamental de incluir a doença mental, casos que cumpram esses critérios podem ser incomuns. “Dado que a doença mental geralmente não é terminal e com uma abordagem baseada na recuperação e no tratamento centrado no paciente, temos dificuldade de reconhecer uma situação em que uma pessoa com doença mental iria cumprir o critério de sofrer de uma doença irremediável”, argumenta.

Conforme relatado pela Medscape Medical News, a inclusão de “sofrimento psíquico” em leis para a morte assistida em países europeus (como a Bélgica) tem suscitado debates significativos, particularmente com uma pesquisa mostrando que muitas pessoas que têm um histórico de tentativas de suicídio mais tarde se arrependem de tal ação. “A maioria das pessoas que considera ou tenta o suicídio nunca morre por suicídio”, afirmou o especialista em ética médica, Dr. Paul S. Applebaum, professor de psiquiatria, medicina e direito da Divisão de Direito, Ética e Psiquiatria na Columbia University, em Nova York. “A convicção de que não há alternativa senão a de acabar com a vida, muitas vezes é uma crise aguda”, completa.

“Ao facilitar a opção pelo suicídio, ou seja, uma morte certamente indolor com assistência médica, as leis podem incentivar muitas pessoas, especialmente mulheres”, a darem fim às suas vidas, argumenta o Dr. Applebaum.

Outra recomendação controversa permitiria aos indivíduos que enfrentam uma diminuição significativa da capacidade mental ou física, devido a condições médicas, solicitarem morte assistida com antecedência. Em tais casos, a morte seria realizada quando o paciente se tornasse incompetente para tomar a decisão, ou antes de os sintomas se desenvolverem a tal ponto, após o diagnóstico confirmado.

A recomendação canadense sugere que “Os pedidos antecipados de morte assistida serão permitidos a qualquer momento após um diagnostico de uma condição que é razoavelmente provável causadora da perda de competência, ou depois de um diagnóstico de uma doença grave ou irremediável, mas antes do sofrimento tornar-se intolerável”. A recomendação foi fortemente apoiada pelo grupo que defende a eutanásia no Canadá, o Dying With Dignity (Morrendo com dignidade, em tradução livre), que recentemente publicou uma pesquisa que indica que até 80% dos canadenses e 88% das pessoas na comunidade de deficientes, concorda que os indivíduos com uma doença grave devam ser capazes de fazer pedidos antecipados para morte assistida.

No documento, a CEO do Dying with Dignity, Wanda Morris, ressaltou o fato de que a medida representa uma consideração compassiva para as necessidades destes pacientes. “Em sua decisão, os juízes do Supremo Tribunal escreveram que forçar alguém a escolher entre passar por uma prematura, e talvez violenta morte, com sofrimento prolongado, é uma escolha cruel”, disse ela. Um exemplo de tal sofrimento é um paciente com demência relacionada com o desenvolvimento do Alzheimer, que é incurável.

Recomendações “radicais” e “perigosas”

Dr. Rajji observou que, como acontece com doenças psiquiátricas, casos relativos a um pedido prévio de morte assistida também seria um desafio. “A questão da solicitação prévia ainda requer uma nova consulta, uma vez que não apenas a capacidade (do paciente) muda ao longo do tempo com uma doença neurodegenerativa, mas o estado de espírito e a experiência subjetiva do sofrimento podem mudar”, considera o médico.

Outras recomendações do relatório incluem a exigência de uma aprovação de dois médicos independentes, para conceder pedidos; que um pedido de morte assistida deve ser por feita por escrito e testemunhada por dois outros indivíduos que não tenham conflitos de interesses; que médicos, enfermeiros, farmacêuticos e outros profissionais de saúde sejam isentos de disposições do código penal; e que um processo seja estabelecido para proteger a liberdade de consciência dos prestadores de serviços de saúde.

A repercussão referente ao relatório se dividiu em linhas políticas, com conservadores emitindo um relatório dissidente em oposição, chamando as recomendações “radicais e perigosas”, particularmente a recomendação para inclusão da doença psiquiátrica. “Se um indivíduo com uma doença mental não tem capacidade nem de comprar um telefone celular, como poderia ter capacidade de solicitar permissão para terminar com a sua vida prematuramente?” questionou o membro conservador do Parlamento, Mark Warawa, em uma conferência de imprensa sobre o relatório.

Legisladores canadenses têm até 6 de junho para elaborar uma nova norma para regular a morte assistida por médicos. “Caso contrário, o direito estabelecido na decisão da Suprema Corte vai permanecer.

Igreja Católica é contra a morte assistida

Invocando o preceito contido no juramento de Hipócrates, que todos os médicos fazem, ao se formarem, “mesmo que me peçam, não darei droga mortífera nem a aconselharei . . . ” o Cardeal Thomas Collins, Arcebispo de Toronto, divulgou carta distribuída em todas as igrejas de sua diocese, esclarecendo a posição da fé católica no sentido “que é perfeitamente compreensível que pacientes optem por recusar tratamentos severos e por vezes desmedidos, que servem apenas para prolongar o processo inevitável de morrer. Agradecemos aos médicos e enfermeiros que oferecem assistência médica a estes pacientes que estão prestes a falecer, mas matar um deles nunca é justificável”, afirmou a maior autoridade católica do país. Segundo o cardeal Collins “cuidados de fim-de-vida (cuidados paliativos) estão disponíveis a apenas 30% dos canadenses, constituindo uma tragédia inaceitável. Em vez de fornecer formas de acelerar a morte, devemos fazer com que a rede de cuidados paliativos chegue a cada canadense, oferecendo alternativas mais humanas e misericordiosas”, finalizou o purpurado canadense, inserindo a Igreja Católica na intensa discussão que se desenvolve atualmente no país.

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