Estatísticas e Análises | 24 de novembro de 2015

Hospital Mãe de Deus reúne profissionais da comunicação para debate sobre oncologia

4º Encontro de Jornalismo aborda o cenário dos tratamentos contra o câncer
Hospital Mãe de Deus reúne profissionais da comunicação para debate sobre oncologia

O Instituto do Câncer Mãe de Deus realizou, dia 20 de novembro, a 4ª edição do Encontro de Jornalismo. A atividade, que reuniu mais de 30 jornalistas de todo o Brasil, serviu de treinamento e ampliação dos conhecimentos em oncologia para estes profissionais, responsáveis pela comunicação e disseminação dos avanços nesta área. A atividade, realizada no Mãe de Deus Center, durou o dia inteiro e foi dividida em uma série de palestras.

Na primeira, Dr. André Fay (foto acima) falou da Base Científica para Avanços da Oncologia. Além de conceitos básicos, o especialista também abordou o que é o como se faz uma pesquisa na área.

“O câncer é um problema global e muito importante. Quando olhamos os números de novos casos, vemos um aumento, a estimativa é que a gente dobre os casos até 2030. A mortalidade também está aumentando. Temos que estar preparados para enfrentar essa doença de diferentes formas. Com novos tratamentos, cuidando dos pacientes, divulgando informações”. Segundo Dr. Fay, até 2030 a estimativa é de que 80 milhões de pessoas serão sobreviventes do câncer ou estarão em tratamento, convivendo com a doença.

Conforme dados do INCA, há um aumento da mortalidade, e a incidência traz também um paradoxo. “Provavelmente os pacientes chegam em estágios mais avançados, quando não dá para reverter o quadro, além da falta de acesso de tratamentos que existem em países desenvolvidos”. O especialista diz que, embora muito lentamente, “de uma forma geral, estamos vencendo o câncer”, afirmou.

Ao explicar que o tumor é resultado de uma célula que foge do controle do sistema imunológico, ele destaca que “ temos que entender cada peça desse processo para desenvolver terapias”. Cada tipo de câncer tem seus genes específicos, que regulam o processo. “São doenças muito heterogêneas, biologicamente complexas. Cada gene alterado que possa regular esse processo, são de alguma forma alvos que podemos atacar para fazer com que os processos voltem ao normal”.

Com diferentes mutações e doenças heterogêneas, como tratar todas as lesões? Dr. André Fay ressalta que existem três conceitos. “Um é identificar as mutações precoces, porque todas tem e é ali que temos que atacar. Temos o conceito de alterações passageiras, que ocorrem em determinados cenários, mas que eventualmente podem controlar a doença. Ou então, podemos atuar em vias complexas, que pode inativar aquela via, mesmo atuando em genes diferentes. Talvez se eu tirar ou colocar uma peça nessa “orquestra”, se eu mexo no ambiente onde o tumor está crescendo, eventualmente posso controlar a doença. Aqui entra o conceito do sistema imunológico, da vasculatura que está ao redor levando suprimento de sangue”.

De 2010 a 2014, conforme dados apresentados pelo oncologista, foram aprovadas 45 novas drogas pelo órgão regulador norte-americano (FDA), para 53 indicações diferentes em oncologia. “É um processo muito rápido. As pesquisas acontecem de forma veloz e isso tem impacto significativo para os pacientes, mas é um processo muito custoso e não tem como fugir dele”.

Tal processo passa por várias fases. “A primeira é a de pré-descoberta. Criamos hipóteses, pensamos racionalmente que tipo dealteração pode acontecer no tumor e eventualmente justifique o estudo de uma molécula ou via de desenvolvimento. Depois de ter a hipótese, tem o desenvolvimento dessa molécula. Como produzir em laboratório, a formação, e então começo os estudos pré-clínicos (com animais, in vitro), onde testamos medicações, a velocidade de multiplicação da célula, e isso tudo nos dá uma ideia de dose de medicação, se ela é efetiva em parar a multiplicação. Então, vamos progredir e testar em animais. Passada esta parte, começamos com os estudos clínicos, os primeiros com humanos. É onde há uma preocupação muito grande de ver se aquilo que se viu nos animais, vai se reproduzir no homem”.

Todo o ciclo das pesquisas pode levar até duas décadas, e precisa chegar ao final comprovando que o novo tratamento seja melhor do que os já disponíveis.

“A pergunta que precisamos fazer é se estamos trazendo alguma inovação nessas pesquisas. Gastamos bilhões no desenvolvimentode novas drogas, vemos que as principais indústrias farmacêuticas gastam uma quantidade enorme de dinheiro em repetições do que está sendo feito. Não precisamos de cinco imunoterapias que atuem no mesmo processo. Precisa que atuem de formas diferentes, em cenários diferentes, com benefícios diferentes. Temos drogas muito semelhantes, com custos muito elevados. Isso é um problema que vai impactar o custo da saúde pública, privada e a prática clínica dos médicos que estão no consultório”, alertou.

Ao final, o palestrante frisou que inovação em pesquisa precisa visar uma “melhora significativa, para darmos um passo à frente com novos tratamentos”.

O que tivemos e o que esperamos para a oncologia?

Na segunda palestra, o Dr. Stephen Stefani analisou o que mudou no último ano na oncologia. “Frequentemente temos avanços na medicina que empolgam, todos têm vontade de mergulhar nela. Mas vamos pensar de forma crítica, como isso vai entrar na vida do paciente?”, questionou.

Ele declara que há um aumento na incidência e prevalência da doença, com novos casos e mais pacientes que desenvolvem tumores e seguem com uma sobrevida relativamente longa. “O esforço para ter o avanço não é simples”, resumiu.

Dados da Lancet Oncology, apresentados pelo oncologista, mostram o seguinte cenário global:

Incidência do câncer

América Latina – 163 casos para cada 100.000 pessoas

Europa – 264 casos para cada 100.000 pessoas

EUA – 300 casos para cada 100.000 pessoas

Mortalidade

América Latina – 13 mortes para cada 22 casos de câncer

Europa – 13 mortes para cada 30 casos de câncer

EUA – 13 mortes para cada 37 casos de câncer

Estima‐se, para 2030, que 1,7 milhões de casos de câncer sejam diagnosticados na América Latina e Caribe, por ano. “A leitura decasos novos para o número de mortes, é muito ruim. Por vários motivos: acesso ao tratamento necessário; pacientes chegam tarde ao diagnóstico da doença. Existe diferença de desfecho clínico entre aquele paciente com acesso à medicina  rápida e sofisticada, e aquele que depende de um sistema que ainda é muito moroso e ainda incompleto. Esse é um ponto que temos obrigação deconsertar”, sublinhou Dr. Stefani.

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Dr. Stephen Stefani analisou o que mudou no último ano na oncologia

 

Sobre a imunoterapia, o especialista destacou que não se trata de um conceito novo. “Conhecemos há décadas, mas até agora os remédios tinham sido tóxicos e pouco efetivos. Ela reinaugurou-se nos últimos dois anos. Conceitualmente, é elegante: já que não posso mudar o tumor, mudo o ambiente. Garanto que o sistema imunológico fique inquieto para poder mudar”. No entanto, “temos que garantir que isso vai fazer as pessoas viverem mais e melhor”.

O medicamento mais impactante na última década na oncologia, diz Stephen Stefani, “foi o ipilumimab, junto com outras drogas para o melanoma”. Ele diz, contudo, que “a imuno-oncologia não abandonou outros tratamentos. A grande maioria dos estudos usa a imuno-oncologia associada a quimioterapia,  radioterapia ou terapia de precisão. Se tenho mais de uma possibilidade de matar o tumor, vamos usar todas as armas. Só precisamos ver como podemos fazer isso”.

Ao analisar os avanços de pesquisas e tratamentos, o oncologista diz que “precisamos parar de falar do custo do remédio e falar no valor dele. Eles são absolutamente elevados para a nossa realidade, mas preciso enxergar o valor. Um remédio é US$ 10 mil por mês, mas tenho um medicamento que dá resultados melhores e custa a mesma coisa. O preço deveria estar relacionado ao valor para o paciente”. Atualmente, a construção deste meio é baseado em preços. “O apelo é para que a gente passe a olhar para o valor de cada intervenção”, diz. Embora a decisão de onde investir é complexa. “Temos um consenso, que é diminuir desperdício e fazer o sistema mais eficiente”, acrescentou.

Para chegar a um denominador comum, Dr. Stephen Stefani cita um recente estudo publicado no New England Journal of Medicine, que aponta seis tópicos para avaliar os cuidados do câncer baseados em valor:

Segurança – “Qual é o valor dela? Se não é segura, não vale nada”, diz Dr. Stefani.

Efetividade – “O quanto ela faz, efetivamente? Reduz tumor, aumenta a sobrevida, diminui sintomas?”

Centrado no paciente – “Dá para fazer o tratamento em casa?”

Tempo – “Preciso me deslocar da minha cidade?”

Eficiência – “Cai cabelo? Na prática, ela funciona? Afinal, precisa de um ambiente controlado”.

Equidade – “Consigo oferecer isso para todos? Se eu gastar todo o meu investimento no primeiro paciente, quem paga o do segundo?”

“Uma maneira de conseguir melhores resultados é evitar gastos onde não se deve. Há uma lista com uma série de coisas que os médicos fazem que não deveriam, porque não adianta nada”, comentou. A melhor maneira de tomar a decisão certa, lembra o especialista, é saber onde elas estão embarcando.

Ele dá o exemplo de câncer de pulmão ou intestino disseminado (casos sem chance de cura) e analisa quais as metas e expectativas do paciente. “Cerca de 75% dos pacientes com câncer de pulmão, e 81% do intestino, achavam que era para ficar curado. Ou porque o médico não explicava bem, ou porque o paciente não entendia, ou ambos. Isso mostra que nem tudo o que você diz é entendido”.

Nesse sentido, é fundamental que o paciente, precisa ter clareza e tempo, para conversar com o médico, saber o que é prometido e o que é possível esperar. “Se não for assim, é impossível tomar uma decisão. Não é fácil dar essa informação sem destruir o paciente. Mas de uma forma ou outra, temos que abordar de alguma maneira benéfica, para diminuir o índice de mortalidade”.

Ao final da palestra, Stephen Stefani tratou dos atuais índices de mortalidade por frequência do câncer em países desenvolvidos (46,3%) e em países com baixa renda (74,5%). “Se morre muito de câncer que potencialmente não precisariam acontecer. Mas isso mostra que temos espaço para melhorar”, destacou.

Sobre o investimento nacional, o especialista lembra que 9,5% do PIB brasileiro é voltado para a saúde. “Isso inclui todo mundo. Desse número, metade do que se gasta no país, é com 25% das pessoas que tem plano de saúde. A outra metade é distribuída por todo mundo. Sendo assim, o que acontece quando os preços começam a se tornar inatingíveis? Não há mágica. Isso aumenta o prêmio de contribuição e com isso, aumenta o número de excluídos no sistema. O que essa pessoa faz? Vai para o sistema público”, resumiu.

Ao final do Encontro de Jornalismo, foi realizado um Painel Interdisciplinar, que apresentou a “linha de frente da equipe do ICMD”, composta por Carmela Nicolini (pesquisa clínica), Carolina Maciel (farmácia), Cristina Arioli (terapia ocupacional), Letícia Ribeiro (enfermagem), Marcelo Lemos (psicologia) e Maíra Perez (nutrição). Cada profissional fez um rápido resumo de sua atividade no tratamento dos pacientes oncológicos.

Cristina Arioli – Terapia Ocupacional  

Na Terapia Ocupacional, em qualquer área, pensamos em realizar coisas “apesar de tudo”. Mesmo com dor, amputação, sofrimento, o meu foco é na hospitalização e internação, que com os pacientes oncológicos pode ser longa e frequente. O hospital entra na rotina das pessoas e a rotina do hospital sobrepõe a realidade da pessoa, com medicamentos e coisas que ele não faria se pudesse. Um bom exemplo foi a licenciatura de música, em que fizemos uma oficina de educação musical. Não é apenas instrução, é ensinar a tocar, como uma forma de socializar, descontrair e aprender.

Carmela Nicolini – Pesquisa Clínica

No Centro de Pesquisa Clínica, presente há 15 anos no Mãe de Deus, já desenvolvemos mais de 60 protocolos clínicos, e 22 estão em andamento. Muitos pacientes passaram por essa alternativa de tratamento. Nossos pacientes sempre vêm referenciados dos médicos assistentes. Quando eles chegam, têm muitas dúvidas e receio de participar de algo que chamam de cobaia. Também há incertezas quanto à eficiência. Como não são tratamentos aprovados, se questionam que efeitos pode ter. No entanto, depois que ele se identifica com a equipe, perde esse receio, porque sabe que não é uma cobaia.

Letícia Ribeiro – Enfermagem

A enfermagem desempenha o papel mais importante da equipe, porque acolhe o paciente desde o primeiro momento. É na enfermagem que se dá o início do processo de cuidado do paciente. É feita a coleta de dados através de uma longa conversa, e nesse momento conhecemos o paciente, a doença, as doenças pregressas, e a partir disso avaliamos e cuidamos do tratamento do paciente. Então encaminhamos para outros profissionais. Essa consulta de enfermagem percebo que ele necessita de psicologia, nutricionista, que vá para a oncologia, ou que receba atenção farmacêutica.

Maíra Perez – Nutrição

A nutrição é uma grande dúvida dos pacientes. Temos um papel fundamental no início do tratamento, porque o tratamento gera sintomas, náuseas, vômito, constipação. Temos que fazer uma adequação para minimizar os sintomas. A doença faz com que os pacientes emagreçam muito. Pode chegar a 60%, em alguns tumores. Eles querem saber o que comer e como fazer isso. Essa angústia passa para o familiar, que vê o paciente emagrecendo, sofrendo. Junto a isso, surge uma série de receitas de revistas que falam da cura o câncer, de uma alimentação especial. Da mesma forma que temos que cuidar os remédios, temos que cuidar o que receitar para o paciente, que está esperando um suco milagroso, ou algo assim. Acolhemos essas angústias e ainda damos um suporte nutricional.

Marcelo Lemos – Psicologia

A psicologia tem um papel importante a partir do momento do diagnóstico. A frente de trabalho é essencial nas medidas deenfrentamento do paciente em relação à doença. Temos que desmitificar fantasias, medos e receios. A conversa inicial é importante para a questão interdisciplinar. Consigo evidenciar questões nutricionais, ocupacionais. O paciente sempre vem com um pensamento diferente. Cada paciente e cada doença são únicos. Através da psicologia, avançamos no sentido mais primitivo, que é trazer o ser humano para o lado mortal. É a principal concepção que a psicologia abrange nesse campo de discussão.

Carolina Maciel – Farmácia

Antes, o farmacêutico ficava nos bastidores. Era o responsável pela monitoração das medicações, não tinha tanto contato com o paciente, mas mais com os médicos, na avaliação de prescrição. Desde 2013, o contato tem aumentado. Não apenas dispensamos medicamentos, mas também avaliamos alimentação. Parece simples, afinal é só um comprimido, mas tem riscos, reações adversas, e muitos pacientes não chegam só com o câncer, mas com outras doenças e outras medicações. Temos que ver se há alteração, se uma droga altera a absorção de outra.

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Participantes da 4ª edição do Encontro de Jornalismo contou com profissionais oriundos dos principais veículos de comunicação do Brasil

 

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