Jurídico | 31 de março de 2014

FEHOSUL busca consensos na Judicialização da Saúde

Mais de 100 operadores do Direito e especialistas da saúde participaram de evento
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Ao longo de todo o dia 28 de março, o Hotel Continental sediou o 2º Seminário Gaúcho de Auditoria em Saúde, cujo tema central esteve orientado para a Judicialização em Saúde. Promovido pela FEHOSUL, o evento reuniu mais de uma centena de operadores do direito (juízes, promotores, defensores públicos e advogados) e especialistas da saúde, interessados em debater sem preconceitos o tema e identificar consensos na busca de soluções mais harmoniosas nesta questão que envolve usuários, SUS, operadoras de planos de saúde, prestadores de serviços e médicos.

Logo na abertura, o mediador do encontro e coordenador do pós-graduação MBA Auditoria em Saúde, do IAHCS, Dr. Eduardo Dias Lopes, frisou a importância do debate. “Esse seminário apresenta uma visão que visa mudar a situação em que nos encontramos. Muitos questionam a atuação do auditor e o que mais tentamos transmitir é que esse profissional atua na regulação do mercado para diminuir conflitos”.

Na primeira palestra, o auditor-médico da Unimed e Cassi, Dr. Antônio Gilberto Cardoso, com mais 27 anos de experiência na área, tratou do tema Decisões Judiciais sob a Ótica do Auditor em Saúde. “Quando comecei, trabalhávamos com contratos restritivos, genéricos e inconsistentes, com aumentos abusivos, mas valia para o Poder Judiciário, embora fossem chamados de ‘contratos leoninos’. Até que, em 1998, veio a Lei 9656, que por muitos anos foi o nosso norte. Mas acima disso, há o Código de Defesa do Consumidor (CDC )”, destacou.

Eduardo Dias Lopes ressaltou que o objetivo desse amplo debate é fugir da imagem do auditor como atividade empírica. “As pessoas começaram a atuar na auditoria quando era mais uma revisão de contas. Agora não, cresce a necessidade da formação especializada multi-profissional”, destacou. Citando medidas que devem servir de guia, como o Rol de Procedimentos da ANS que deve servir como base (e não o teto) das obrigações das operadoras, Antônio Gilberto alertou para a banalização das ações judiciais em relação à negativas de atendimento. “Virou a indústria do Dano Moral. Uma pessoa tem negada uma prótese e pede R$ 50 mil de dano moral”.

O especialista lembra que as decisões devem ser bem embasadas. “É preciso conversar. Vale a pena negar o procedimento e depois ter que pagar um stent, mais dano moral de R$ 30 mil, R$ 50 mil? As coisas devem estar claras para o Juiz. O que e por que negamos? É preciso, sempre, se basear tecnicamente”, concluiu.

Na segunda palestra da manhã, o Dr. Paulo Soares, diretor de provimento de saúde da Unimed Porto Alegre falou de Liminares Judiciais e a Visão das Operadoras de Planos de Saúde. Segundo ele, a classe médica acabou assumindo muita responsabilidade. “A saúde teve seu conceito construído por médicos, originando um ‘poder médico’. Hoje, os médicos dizem o que é bom ou não, o que o paciente pode fazer ou não. Esse poder nem sempre é usado da melhor forma e toma uma parcela significativa nos julgamentos da ações judiciais. Isso porque, na maioria das vezes, os magistrados não contrariam o parecer técnico, seja ele fundamentado ou não”. A ética dos médicos, ou a falta dela, também é algo que influencia esta relação, segundo dr. Paulo Soares.

Ao apresentar alguns dados, Dr. Paulo Soares revelou que a sua Unimed conta com 6276 cooperados, 1597 colaboradores e cuida de 604 mil vidas através de 29 hospitais e 395 serviços credenciados. “Os números dão uma ideia do volume que movimentamos de autorização, solicitação e consequentemente o universo que estamos sujeitos a questões judiciais”.

Ele considera o sistema de Segunda Opinião Médica um auxílio que pode trazer mais complicações. “Temos uma experiência não muito positiva. Muitas vezes, ela gera mais duvidas do que respostas. Além de não querer se envolver, de evitar um desacordo com o colega, a segunda opinião nem sempre traz resultado proveitoso”.

No final da manhã, o seminário teve sequência com a palestra Responsabilidade Civil dos Hospitais, Médicos, Clínicas e Laboratórios, ministrada pelos advogados Paulo Leitão e Mônica Bernal, membros da Assessoria Jurídica da FEHOSUL. “A Assistência Judicial Gratuita (AJG) é uma ação na área médica em crescimento e temos que nos preparar para esse problema”, disse o Dr. Leitão. “A lei permite que uma pessoa pobre tenha acesso, visa justiça social. A questão é que isso virou um negócio, se nota um abuso nesse direito”, argumentou, lembrando que é preciso buscar comprovações concretas (como um contracheque) de que o paciente tem, de fato, dificuldades financeiras.

“Nos últimos anos, tem se dado ênfase à informações para o paciente ou familiar. Existem julgados em que não houve prova de culpa pelo médico, nem responsabilidade objetiva, mas com condenação em função de que todas as informações que o paciente deveria receber não foram prestadas. Se a explicação não for documentada, pode haver a condenação”, explicou a Dra. Mônica. O paciente deve ter o máximo de informação, sempre documentada.

A advogada diferenciou casos de médicos empregados pela instituição (caracterizada a culpa, gera responsabilidade ao hospital) e os autônomos (não implica responsabilidade porque pode escolher a instituição em que vai encaminhar o paciente). “Direito é prova. Se não tivermos laudos corretamente preenchidos, fica difícil obter uma solução positiva. É importante a questão do desenvolvimento de práticas junto aos empregados, a forma cordial de atendimento ao público – do ingresso ao estabelecimento até a alta. Atendimento é fundamental, mas questões administrativas são muito prementes”, frisou.

Para concluir, Mônica Bernal tratou da importância de ter cuidado com ações de Dano Moral. “É uma reprimenda para não incidir no mesmo erro. Temos que considerar a condição financeira de ambos ( autor e demandado ) para não haver enriquecimento ilícito. A Assistência Judicial Gratuita está criando uma despersonalização das relações. O paciente vai consultar e o profissional já o vê, defensivamente, como possível autor de nova ação”, comentou, em tom descontraído.

A parte final do evento, no período da tarde, foi constituído por um painel com diversos especialistas: Ney Wiedermann Neto, desembargador da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RS; Fabiane Monte, defensora pública federal; Caio Múcio Torino, consultor jurídico da GoldenCross; Antônio Gilberto Cardoso, auditor-médico ; e Alceu Alves da Silva, superintendente executivo do Sistema de Saúde Mãe de Deus.

“Os dois aspectos mais relevantes desse assunto são as liminares em ações relacionadas à operadoras, e a responsabilidade civil dos médicos e hospitais no descumprimento do dever de informação” reiterou o desembargador Weidemann. “A maior parte das negativas por parte dos planos permite antecipação de tutela, sendo que o magistrado não possui conhecimento técnico suficiente para analisar o pedido. Ele analisa a questão no viés Vida X Dinheiro. “É um dilema de dois lados. Do autor, pois não queremos que ele morra ou tenha sequelas pela demora, e do lado oposto vem o argumento de quem fornece, quem paga a conta, é que o custo pode ser muito elevado, ou indevido”.

A defensora pública da União, dra. Fabiano Monte, destaca que ir para o Tribunal não deve ser a primeira opção. “Nossa busca pela solução extrajudicial tem previsão na lei orgânica da defensoria publica. Há áreas em que acaba não tendo espaço negocial para alternativas e a judicialização é a única forma”. Fabiane Monte também abordou a questão do SUS. “As conhecidas dificuldades administrativas e financeiras, o sucateamento dos hospitais públicos, e o pequeno número de profissionais, afeta demasiadamente o sistema público. Isso leva a necessidade de judicialização. Grande parte dos medicamentos pleiteados na assistência oncológica é inviável até para os mais abastados, que não conseguem garantir o tratamento mais adequado”, salientou.

Na visão do Dr. Caio Torino, as operadoras vivem um momento de exaustão. “Toda a carga que se transfere para a iniciativa privada, deixando o setor público de cumprir suas obrigações, faz com que operadoras de planos de saúde não se mantenham porque elas não conseguem, na relação receita-beneficio, se manter no mercado. Ao longo dos anos diminuímos o numero de operadoras, ficando apenas as auto-gestões e as grandes operadoras”, alertou.

“Desde o advento da Lei 9656, que regulou a questão da legislação do plano de saúde privado, o que vemos desde então é que, ano a ano, a ANS edita normas obrigatórias, criou o rol de procedimentos, que tem sido ampliado, e estabelece o ajuste anual de planos individuais. O que vemos é a transferência massiva da responsabilidade do Estado de garantir atendimento. A iniciativa privada é um complemento. É preciso um debate mais amplo do tipo de saúde que queremos para o País”, completou.

O superintendente executivo do Sistema de Saúde Mãe de Deus, adm. Alceu Alves da Silva, ressaltou a importância de encontros como o seminário da FEHOSUL para a busca de melhorias. “No meu entendimento, o grande problema é que não temos a capacidade de juntar toda a cadeia para achar a solução. Cada um olha na sua ótica, e assim não vamos conseguir encontrar a solução”, considerou. “O processo expõe o paciente a grandes riscos. O poder judiciário concede o direito de fazer uma cirurgia contra-indicada, mas bem argumentada. O médico e o hospital garantem o direito e acabamos prejudicando o paciente”. Alceu exemplificou que, em alguns casos, o Mãe de Deus se nega a fazer um procedimento determinado pela justiça,  quando há claro risco ao paciente. A conduta do Hospital é buscar um entendimento junto ao judiciário, levando elementos e informações concisas para a decisão judicial.

“Nosso sistema é falho e as partes não tomam as medidas necessárias. Precisamos rever o processo”. Dr. Alceu descontraiu os participantes falando sobre a fábula do “porco assado”, na qual um povo fictício, por acidente, descobriu que comer carne assada é muito melhor do que crua, após um incêndio na floresta onde porcos foram queimados. A anedota indica que não é necessário fazer novas queimadas na floresta para aparecerem carnes assadas, mas sim simplificar, bastando caçar os porcos e assar numa fogueira. Para a saúde, vale a mesma ideia de simplificação, mas para isto, dr. Alceu entende que os agentes devem integrar esforços e informações para que o sistema se direcione para a segurança do paciente, com maior assertividade e agilidade.

Ao final a FEHOSUL sorteou entre os participantes 5 kits contendo as publicações “Coletânea Direito e Saúde”, dos anos de 2012 e 2013, editadas pelo IAHCS para a Confederação Nacional de Saúde (CNS).

O coordenador do evento, médico Eduardo Lopes, presidente da Sociedade dos Auditores em Saúde do Rio Grande do Sul (SAUDS) anunciou a realização da próxima edição do evento, a terceira, para o segundo semestre, tendo como tema central “Os Protocolos e a prática assistencial”.

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