Mundo | 8 de setembro de 2017

Farmacêutica Gilead investe quase US$ 12 bilhões em terapia de câncer inovadora

Aquisição, porém, pode levar a novos debates sobre os preços dos tratamentos
Farmacêutica Gilead investe quase US$ 12 bilhões em terapia de câncer inovadora

A Gilead Sciences – empresa multinacional do ramo da biofarmacologia – encerrou um longo suspense sobre o que faria com alguns dos bilhões de dólares acumulados pela venda de medicamentos eficazes, porém caros, de hepatite C. A resposta: “comprar uma terapia de câncer inovadora”.

A Gilead, que passou recentemente por uma investigação do Congresso dos Estados Unidos por ter fixado valor de 84 mil dólares como preço para a sua droga contra hepatite C, anunciou no dia 28 de agosto que desembolsará US$ 11,9 bilhões para adquirir a Kite Pharma, com sede na Califórnia. A aquisição pode agitar um novo debate sobre os preços dos medicamentos, segundo o jornal americano The Washington Post.

Kite foi um dos pequenos grupos de empresas na vanguarda de uma nova fronteira em terapêutica contra o câncer chamada CAR-T Cells. A terapia é nova, personalizada e intensiva: as células imunes são colhidas de um paciente, geneticamente programadas para combater seu câncer e depois reintroduzidas no paciente.

A versão da terapia da Kite – para certas formas do câncer de sangue, linfoma – é extremamente emocionante do ponto de vista médico – segundo o Washington Post -, mas também é extremamente provável que seja excessivamente dispendioso – como a droga para hepatite C, chamada SOVALDI® (sofosbuvir). As drogas contra o câncer já são rotineiramente avaliadas em mais de 10 mil dólares por mês, e essa nova abordagem – um tratamento único – provocou esperança de uma terapêutica totalmente nova e personalizada para combater o câncer. Porém, pode também precisar de um novo modelo de preços.

A Gilead se recusou a comentar sobre um possível preço para a droga, já que o acordo com a Kite Pharma não deverá ser fechado até o fim de 2017. As empresas esperam uma decisão dos reguladores federais em novembro. Em agosto de 2017, pela primeira vez um medicamento CAR-T – produzido pela Novartis para um câncer pediátrico – foi aprovado pelo órgão regulador americano FDA.

“O que precisamos é um equilíbrio que recompense o investimento que foi feito – que é considerável – para fabricar essas células para cada paciente, contra a espera dos pacientes que necessitam desesperadamente desses tratamentos”, afirmou ao Washington Post, Kenneth Anderson, presidente da Sociedade Americana de Hematologia.

Persuadir compradores

A Gilead passou anos tentando persuadir as operadoras e companhias de seguros de saúde , os diretores estaduais do Medicaid (programa estatal de saúde norte-americano direcionado a populações de baixa renda) e o público em geral de que seus medicamentos contra a hepatite C – tratamentos de curto prazo com efeitos a longo prazo – possuíam um bom custo. Argumento semelhante sobre uma nova droga será utilizado, provavelmente.

Brad Loncar, executivo-chefe de um fundo de investimento que se concentra na imunoterapia contra câncer, estimou que os preços dos tratamentos CAR-T podem variar de US$ 300 mil a US$ 500 mil – mas argumentou que esta classe de drogas é o tipo que cientificamente vale o preço.

A terapia “não vai ser cara porque as companhias farmacêuticas seriam gananciosas, o CAR-T vai ser caro porque está na vanguarda da medicina e da ciência”, disse Loncar.

Steve Pearson, presidente do Institute for Clinical and Economic Review, que avalia a relação custo-eficácia dos medicamentos, disse que seu grupo está trabalhando em uma avaliação das terapias CAR-T, que deverá estar concluída no próximo ano. Ele apontou que as drogas que as pessoas consomem em um curto prazo, e que têm um efeito duradouro, podem ser muito mais valiosas do que drogas crônicas, que devem ser tomadas ao longo dos anos para gerenciar uma doença, sem cessar o principal. Avaliar esse valor é importante, mas outra questão é garantir que o custo de uma droga não sobrecarregue o sistema de cuidados de saúde.

“Com uma droga promissora como essa, esperamos recompensar a inovação e o benefício significativo para o paciente”, disse Pearson. “É só perceber que isso significa que existe uma maneira de dimensionar o preço para esse benefício adicional, que não vai custar 10 milhões de dólares por mês e não custará também 10 dólares”, explicou.

O desembolso que a Gilead está fazendo para comprar a Kite Pharma é semelhante ao investimento que a empresa fez para adquirir a Pharmasset, a empresa que iniciou sua franquia de hepatite C. Isso também significa que a Gilead precisará responder às expectativas dos investidores ao avaliar as terapias. Devido ao seu enorme sucesso na hepatite C – US$ 14,8 bilhões em vendas em 2016 – precisa de algo para substituir esse fluxo de renda à medida que as vendas caem conforme a concorrência aumenta e os pacientes existentes são tratados com sucesso.

Os investidores estão à “caça” da Gilead para preencher essa lacuna e estão propensos a dispender o seu dinheiro para adquirir novos medicamentos. As expectativas são igualmente altas para as vendas de seu novo medicamento contra o câncer.

“É o ‘monstro’ que continua precisando ser alimentado”, disse Peter Bach, diretor do Center for Health Policy Outcomes do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, considerado o principal centro de câncer dos EUA. “Eles estão atentos às expectativas de crescimento… o próximo medicamento tem que entregar ainda mais. Seu sucesso com a solução para hepatite C vai realmente se refletir no aumento dos preços a serem praticados para o novo tratamento do câncer”.

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