Gestão e Qualidade | 11 de setembro de 2014

Falta de médicos patologistas e remuneração inadequada pode gerar cenário de caos na saúde

Especialista Maria Francisca Torres Lopes faz alerta
Falta de médicos patologistas e remuneração inadequada pode gerar cenário de caos na saúde

A médica patologista Maria Francisca Torres Lopes, diretora do laboratório Anatpat e membro do Grupo de Patologia da FEHOSUL e do Movimento Médicos Patologistas do Rio Grande do Sul falou dos riscos de “extinção” da profissão em um cenário bem próximo. Segundo ela, a falta de valorização da especialidade pode gerar escassez de profissionais para a área.

“Novos médicos não estão se interessando pela nossa especialidade, é um sinal de alerta. No futuro, poderemos ter um problema de falta do profissional patologista. E os diagnósticos, como ficam? Não existe oncologista sem patologista. Muitas especialidades contam conosco como uma atividade complementar e fundamental, mas o grande público desconhece porque nosso trabalho é feito nos bastidores, muitas vezes, sem o contato direto com o paciente”.

Mais exames, menos profissionais

Estima-se que haverá um aumento de 38% no número de casos de câncer no Brasil até o ano de 2020, passando dos 366 mil casos diagnosticados em 2009 para mais de 500 mil novos casos, segundo artigo publicado em 2009 na Lancet Oncology, revista especializada sobre oncologia. Porém para os laboratórios, esta demanda não significa necessariamente uma solução, já que a estratégia ou situação de “ganho de escala” não se aplica ao negócio dos laboratórios de patologia. “Os exames não podem ser apressados, demandam tempo para obter qualidade e precisão, e com poucos profissionais, o caos facilmente pode se instaurar”, reforça Maria Francisca, acrescentando ainda uma estimativa assustadora: “são 3 vagas no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, 3 no Hospital Conceição e 3 na Santa Casa, e destas, 9 vagas tem em média 5 pessoas que entram e ainda algumas trocam de especialidade no decorrer do processo. Somos poucos e cada vez menos”.

Hoje, existem cerca de 40 laboratórios no Estado, responsáveis pela totalidade dos diferentes exames de características anatomopatológicas, como o largamente solicitado Papanicolaou, e as biópsias para rastreamento de canceres (veja onde estão localizados os laboratórios).

Encontros para discussão e mobilização

Os patologistas gaúchos estão, desde 2013, empenhados em chamar a atenção da população para a questão. “No ano passado organizamos um grupo dos patologistas do RS, o pessoal do interior aderiu, vieram para reuniões. Fizemos um mapa, junto com a FEHOSUL, da patologia do Estado. É importante para mostrar quem somos, onde estamos, como vivemos, como recebemos e como gastamos. Percebemos que, no interior, a situação é mais dramática. Eles recebem tabelas mais baixas e têm os mesmos insumos”.

O objetivo do grupo de acordo com a patologista é mostrar as dificuldades enfrentadas pelo setor e, ao mesmo tempo, contar com o apoio da sociedade. “Estamos em um processo de conscientização interna e externa. Externa através do site e da mídia. Interna, com a possibilidade de o patologista pensar na importância do seu trabalho e como ele deve ser feito, não se submetendo a uma remuneração estática, aceitando certas negociações que são inviáveis”, ponderou.

Os médicos patologistas desenvolvem alguns de seus encontros na sede da FEHOSUL, entidade que tem buscado auxiliar os laboratórios a se organizarem para reivindicar uma melhor remuneração dos serviços e procedimentos. “Aos poucos o Grupo foi conquistando o seu espaço, e hoje, é um dos mais atuantes, com participação direta nos encontros e roda de negociação com operadoras e principalmente com o Ipe-Saúde, porém ainda há um longo caminho para que os laboratórios de patologia voltem a conquistar uma valorização”, destaca Cláudio Allgayer, ouvido pela reportagem.

“O aumento dos casos de câncer por si só, já causa extrema preocupação a todos, e aliado ao alerta da especialista gaúcha, temos como obrigação institucional alertar autoridades, lideranças e sociedade sobre os perigos da falta de um maior entendimento sobre a importância de valorização deste profissional, que é essencialmente empreendedor e emprega grande esforço para abrir e manter economicamente viável o seu laboratório. Operadoras de Planos de Saúde, Ipe-Saúde, universidades, governo e entidades de classe devem discutir esta questão, pois se uma região do interior perder um estabelecimento deste tipo, já se sentirá um grande reflexo na agilidade e na segurança dos laudos, que são determinantes para o sucesso do tratamento”, finaliza Allgayer.

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