Gestão e Qualidade | 7 de abril de 2017

Experiências colocam o design a serviço da saúde

Como o design pode desenvolver melhor os cuidados em saúde e o engajamento do paciente
Experiências colocam o design a serviço da saúde

Em artigo escrito para o portal NEJM Catalyst, da New England Journal of Medicine, o diretor executivo do Design Institute for Health (Universidade do Texas, EUA), Stacey Chang, explica como os conceitos do design podem contribuir para a inovação em saúde. A publicação Health Care — A Final Frontier for Design demonstra que a saúde possui uma grande fonte para inspiração, pois é constituída por uma mão de obra com profissionais altamente especializados. Esta força de trabalho “criativa” – com background acadêmico considerável – precisa ser incentiva e ter acesso a ferramentas apropriadas para transformar o sistema de saúde. No texto, Chang apresenta dois exemplos – um em pequena e outro, em larga escala -, e fala sobre a iniciativa que une estudantes, comunidade e mercado nos campos do design e da saúde.

Saúde, a fronteira final do design

Quando falamos sobre “design”, muitas vezes imaginamos aquele artista excêntrico criando um vestido, ou o interior de casa moderna, e até mesmo um smartphone. Mas o design pode – e deve – ir muito além de objetos individuais, ambientes e organizações para criar sistemas complexos que promovam um impacto em larga escala, como está acontecendo nos cuidados em saúde e no engajamento do paciente. Podemos falar de duas iniciativas, a Your Journey Home, da Kaiser Permanente – em menor escala; e da thinkEAST, iniciativa do Design Institute for Health – que pretende revitalizar uma área na cidade de Boston e aplicar o Design Thinking para a saúde numa comunidade.

“Sua Jornada para Casa”

“Após dar a luz, a nova mamãe espera ansiosamente para retornar à sua casa com o bebê, receber a alta. Ao mesmo tempo, as enfermeiras que cuidam dela precisam de uma maneira eficiente de comunicar o progresso tanto da mãe como do bebê entre si, especialmente entre as trocas de turnos”. A Kaiser Permanente – empresa americana de cuidados em saúde – projetou uma solução de baixa tecnologia para ambas as questões. Em cada sala de recuperação existe um quadro simples de avisos, intitulado “Your Journey Home” (Sua Jornada para Casa, em português), que possui uma dúzia de ganchos em que cartões são pendurados. As cartas descrevem as tarefas que precisam ser concluídas antes de a mãe e a criança poderem deixar o hospital, como, por exemplo, vacinas, triagem, certidão de nascimento e consultas de acompanhamento. Quando cada tarefa é finalizada, o cartão é virado em seu gancho.

Com esse método, a mãe pode ver claramente o que está por vir. Nas trocas de turno, a conversa entre enfermeiros acontece na frente do quadro, o que permite que a mãe também participe, e cria um entendimento comum sobre os próximos passos. O sucesso dessa ideia fez com que ela fosse a base de um programa que estende a alta a uma plataforma eletrônica que permite acompanhamento de tomadas de decisões compartilhadas após a internação hospitalar.

Mesmo sendo um ótimo exemplo do uso do design nos cuidados de saúde, a iniciativa da Kaiser está restrita, porém, somente ao ambiente hospitalar, numa escala micro. Como a Your Journey Home, as intervenções de design nos cuidados de saúde tendem a ser fragmentadas. Eles abordam aspectos específicos do ecossistema – experiências clínicas mais amigáveis, dispositivos médicos mais fáceis de usar, melhora na adesão à medicação, protocolos de atendimento mais eficazes -, mas não conseguem a transformação em larga escala que o design ativou em outras indústrias. O Design Institute for Health aspira estabelecer formas de alcançar tal transformação através de um novo tipo de colaboração.

Kaiser

 

O novo paradigma

A disfunção de nosso moderno sistema de saúde não é sobre o fracasso da intenção, mas sim a busca de prioridades às vezes conflitantes. As necessidades de clínicos nem sempre estão alinhadas com as necessidades dos pacientes, e ambos estão sujeitos às exigências de sociedade e dos reguladores, e também às limitações financeiras e na estratégia de negócios da prestadora. Quando cada parte manipula e se adapta para atender suas próprias necessidades, sem levar em conta as necessidades dos outros, cria-se uma “bagunça” incoerente no “sistema” de saúde.

Os profissionais médicos estão presos no fee-for-service (pagamento por serviço), que define o valor pela produtividade em vez de impacto na saúde do paciente. Os pacientes estão presos na visita de 10 minutos – ou menos – ao consultório, nos formulários, pré-autorizações e limites arbitrários sobre sessões de fisioterapia ou psicoterapia que ignoram suas necessidades e sua taxa de progresso. Com isso, os pacientes acabam indo para as farmácias ou simplesmente não se incomodam até que estejam realmente doentes. Ambos, médicos e pacientes, se perdem regularmente nos sistemas que os rodeiam, sejam em registros eletrônicos – que priorizam contabilidade -, seja em campi hospitalares que adicionam a esmo espaços para acomodar novos serviços.

A reforma da forma de remuneração é um catalisador para redesenhar os cuidados de saúde. A realidade é cada vez mais, os provedores serem recompensados por seus resultados.  Será fornecida alguma medida de flexibilidade para que eles possam chegar a esses resultados, o que permitirá a melhor exploração de locais de cuidados mais significativos fora dos hospitais e clínicas, onde as pessoas passam a maior parte de suas vidas – em casa, no trabalho e em suas comunidades, por exemplo.

O projeto

Chang explica o modelo proposto por sua equipe: “Para capitalizar este novo paradigma, o Design Institute for Health foi fundado em 2015 na Universidade do Texas em Austin, como uma colaboração entre a sua faculdade de medicina, a Dell Medical School, e sua faculdade de artes, a College of Fine Arts. A Dell é a primeira nova escola de medicina em quase 50 anos no topo na área de pesquisa nos Estados Unidos, e o Design Institute é conduzido por dois antigos líderes sênior da IDEO, uma empresa de design internacional que aplica abordagens de design para resolver desafios sistêmicos. Ao tocar em todos os aspectos de um sistema de saúde operacional, bem como educação médica e formação, o Institute cria soluções centradas na pessoa, tanto em ambientes clínicos e comunitários, de uma forma que evolui o papel típico do design”.

Experiências colocam o design a serviço da saúde

 

Novo bairro

O Design Institute está trabalhando com uma comunidade carente de serviços em Austin e um desenvolvedor imobiliário para planejar um novo bairro na cidade, onde intervenções amplas de saúde se tornam um componente incorporado, e principalmente imperceptível da vida diária. O objetivo não é estabelecer uma clínica usual de atendimento, com pessoal de fora, mas criar novos recursos que abordem os determinantes sociais da saúde. O projeto, chamado thinkEAST, usará 24 hectares de espaço desocupado de uma antiga instalação de armazenamento de combustível para construir 300 unidades de habitação a preços acessíveis, que podem acomodar mais de mil moradores. Além disso, o thinkEAST inclui:

Fornecer cobertura Wi-Fi ao bairro: A maioria dos moradores vai possuir um smartphone. Com isso, as pessoas não irão precisar pagar os planos de dados, e o projeto oferecerá aos residentes a opção de optar por um programa que reúne um conjunto de dados para revelar os padrões da vida diária – quando as pessoas estão ativas, onde se conectam socialmente, etc. O Institute alimentará esses dados em ferramentas de visualização que ajudam a comunidade a identificar as lacunas de saúde e decidem onde concentrar a energia no desenvolvimento de soluções.

O estabelecimento de um café central, que abordará os desafios do acesso aos alimentos e criará oportunidades de emprego para desenvolvimento de carreira e independência econômica.

Oferecendo habitação a preços acessíveis para estagiários em saúde e outras áreas – uma oportunidade de viver, trabalhar e aprender nas comunidades que acabará por servir.

Todos esses esforços são projetados para construir uma rede de reforço de saúde e serviços sociais com feedback que faz da saúde um foco central.

Como a Dell Medical School não tem um histórico de fee-for-service para perpetuar, ela pode projetar seus serviços clínicos a partir do zero com uma abordagem baseada em valores. Com isso:

Rápidas visitas individuais a médicos são substituídas por conversas mais aprofundadas entre vários profissionais através de uma unidade de prática integrada. Por exemplo, um paciente com dor nas articulações pode ter tido que fazer várias consultas sob o modelo antigo, para ver um médico, um cirurgião, um radiologista e um fisioterapeuta. Sob o novo modelo, os serviços são consolidados numa única consulta, e os profissionais podem interagir uns com os outros conforme necessário.

Os papéis fraccionados que priorizam o rendimento mais rápido (pré-operatório, operação e enfermeiros de recuperação) são combinados em um único papel. Uma enfermeira acompanha o paciente durante toda a experiência cirúrgica, permitindo melhores relações com o paciente e maior responsabilidade por eventuais resultados.

Os espaços clínicos são projetados para criar uma propriedade do paciente, para dar a aparência de controle a ele. O envolvimento das famílias é ativamente incentivado, incluindo os familiares nas salas de procedimento para que eles possam adquirir os conhecimentos e habilidades para serem cuidadores informais em casa.

A sala de espera tradicional foi eliminada, e os pacientes terão este tempo utilizado para serem educados sobre condições de saúde que ajudem a tomada de decisão.

Os registros de saúde eletrônicos passam de plataformas de faturamento para verdadeiras ferramentas de suporte à decisão, o que necessita o desenvolvimento constante de novas ferramentas de software.

O princípio que governa é que as experiências do paciente e dos profissionais são projetadas para produzir uma responsabilidade compartilhada no resultado final, em um modelo que continuamente aprende e evolui.

Para isso, estudantes de medicina e de outras profissões de saúde precisam de treinamento diferente. Na Dell Medical School, por exemplo, os alunos terão uma transição mais cedo do que o habitual, da sala de aula de aprendizagem para a rotina clínica. Assim, os alunos aprenderão a conduzir inquéritos etnográficos para aprender sobre as necessidades, dificuldades e motivações dos profissionais de serviços clínicos e sociais na comunidade. Eles aplicam essas habilidades identificando problemas de saúde sistêmica na comunidade, realizando pesquisas não convencionais, e depois desenvolvem novas soluções. Os esforços mais convincentes são então incorporados ao trabalho estratégico da escola de medicina, transformando os alunos em aliados da mudança, em vez de apenas os destinatários de um currículo tradicional.

Incursões nos fronts da comunidade, clínico e da educação são feitos para criar resultados de saúde individuais melhores, mas mais fundamentalmente, criar as plataformas novas para a mudança. O papel do design é, então, moldar essas plataformas para desenvolver um sistema que possa se comportar de forma diferente e continuar a se adaptar ao futuro incerto que se desenrola.

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