Estudo aponta que milhões são gastos em exames e consultas pré-operatórios desnecessários que não melhoram desfecho
A pesquisadora Josiane França John afirma: “Esses dados reforçam que os exames solicitados não agregaram valor à segurança dos pacientes, mas contribuíram para sobrecarregar um sistema que já convive com filas e escassez”.
Dois estudos inéditos conduzidos por pesquisadores do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e da UFRGS revelaram um problema silencioso, porém significativo, no sistema de saúde brasileiro: o uso excessivo de exames e consultas no período pré-operatório de cirurgias de baixo risco. A pesquisa analisou mais de 38 mil procedimentos realizados entre 2015 e 2023, tanto na rede pública quanto na saúde suplementar, e demonstrou que a maior parte dos pacientes foi submetida a cuidados que não são recomendados por diretrizes clínicas baseadas em evidências e que consomem milhões de reais.
Em situações em que o paciente está bem, nem sempre é necessário fazer exames antes de uma cirurgia de baixo risco, como catarata, vasectomia ou reparo de hérnia abdominal por exemplo. Os exames pré-operatórios, sem indicação, além de não trazerem benefício real, podem atrasar as cirurgias, prolongar o tempo na fila de espera, expor o paciente a riscos e gerar uma cascata de mais exames, sofrimento e custos. Isso é o que é considerado cuidado de baixo valor.
Na saúde suplementar, foram analisados 27.678 procedimentos de baixo risco cardiovascular. Desses, 57,5% tiveram pelo menos um exame pré-operatório, sendo 95,3% deles laboratoriais. Os mais de 209 mil testes e 87 mil consultas, geraram um custo total de R$ 10,88 milhões. No SUS, a análise de 10.711 procedimentos revelou padrão semelhante: 61 mil testes e 33 mil consultas antes das cirurgias, com resultados igualmente seguros.
A pesquisadora Josiane França John afirma: “Esses dados reforçam que os exames solicitados não agregaram valor à segurança dos pacientes, mas contribuíram para sobrecarregar um sistema que já convive com filas e escassez”.
Economia
Os estudos estimam que uma redução de 50% nos serviços pré-operatórios desnecessários, apenas no conjunto estudado, equivaleria ao valor de *reembolso de mais de 511 cirurgias de catarata no SUS e mais de 2 mil vasectomias no sistema de saúde suplementar*. “O custo de manter práticas de baixo valor não é apenas financeiro — é também oportunidade perdida de atender outros pacientes”, adverte Josiane.
Os estudos são oriundos da tese de doutorado da médica e pesquisadora Josiane França John, sob orientação das professoras Carisi Anne Polanczyk e Ana Paula Etges. Os autores identificam que a qualificação do cuidado cirúrgico, além de ações pontuais, necessita de intervenções a nível individual – pacientes e equipes assistenciais – e nível institucional. Ainda, o pré-operatório não deve ser tratado como a única oportunidade para realizar exames, consultas e cuidados que deveriam ter ocorrido anteriormente ao longo da linha de cuidado.