Gestão e Qualidade | 10 de maio de 2020

Estratégias para proteger o caixa na cadeia da saúde em tempos de Covid-19

Fernanto Torelly, Magali Leite e Ruy Baumer debateram o tema em webinar do CBEXs
Estratégias para proteger o caixa na cadeia da saúde em tempos de Covid-19

O Colégio Brasileiro de Executivos da Saúde (CBEXs) promoveu, na quarta-feira (6), a Webinar Conexão CBEXs Nacional, com o tema Como lidar com a inadimplência e a gestão de caixa em tempos de Covid-19. Com mediação do fundador e presidente do CBEXs, Francisco Balestrin, a conferência online contou com a participação do superintendente corporativo (CEO) do Hospital do Coração (HCor), Fernando Torelly; da diretora-executiva de Finanças da Beneficência Portuguesa de São Paulo, Magali Leite; e do diretor do Comitê da Cadeia Produtiva da Saúde e Biotecnologia da Fiesp (ComSaúde/Fiesp), Ruy Baumer.

Os executivos destacaram suas estratégias para enfrentar a diminuição do caixa e o aumento de custos durante a epidemia. Confira o que foi abordado pelos três convidados especiais.

Fernando Torelly

O CEO do HCor explicou como foi feita a definição do enfrentamento à pandemia da Covid-19 (doença causada pelo novo coronavírus) pela instituição, que conta com 256 leitos. No dia 16 de março, foram definidas as primeiras estratégias. “Na data, não sabíamos quantos leitos iríamos precisar. Mas iniciamos uma conduta: nós abriríamos leitos e, à medida que chegássemos a 70% de ocupação, abriríamos mais uma unidade destinada à Covid-19, criando fluxos bem diferentes, para que os pacientes com Covid fiquem em um prédio, e os demais em outros prédios do HCor”, explicou. Atualmente, dos 256 leitos do HCor, 124 são destinados exclusivamente para a Covid-19. “Hoje (06/05) tivemos o maior pico de pacientes Covid-19 em nosso hospital, com 84 pacientes.”

Sobre as cirurgias eletivas, Torelly ressaltou que há uma demanda reprimida, e que é preciso começar a reverter este quadro, não somente para equilibrar a situação dos hospitais, mas para impedir que problemas de saúde acabem se agravando pela demora na realização das cirurgias. “As pessoas, não só aqui, mas no mundo todo começaram a desmarcar as cirurgias e consultas não urgentes”. Na visão de Torelly, “há um problema semântico na palavra eletiva, ou seja, ela induz ao entendimento que este tipo de cirurgia pode ser agendada a qualquer momento, dentro de seis meses ou daqui um ano, como se não fizesse diferença. Mas a verdade é que há pacientes piorando muito a sua situação de saúde por retardar demais a sua cirurgia”, disse.

Torelly

De acordo com Torelly, atualmente o HCor está com 50% de ocupação. “Um hospital que tem o custo fixo da folha de pagamento com menos de 75% de ocupação, não consegue pagar os custos do mês. Temos expectativa de ter dois faturamentos a menos de 2020, ou seja, dois meses a menos de receita”, analisou.

Segundo Torelly, quase todos os grandes hospitais estão tendo que contratar e enfrentar o aumento de custos com equipamentos de proteção individual (EPI´s). Médicos, enfermeiros e técnicos que vem se infectando ou que apresentam síndrome gripal,  acabam precisando entrar em quarentena e/ou tratamento. Esta situação é uma importante dificuldade a ser controlada pelos gestores.

“O único demonstrativo que devemos trabalhar neste momento é o caixa. O EBITDA e outros indicativos é bom nem olhar. O impacto, com certeza, vai ser devastador”, sentenciou. O CEO afirmou que foi feito um projeto de proteção do caixa, para que a instituição possa se preparar para as consequências da pandemia, com cenários desenvolvidos. “Se neste momento em que estamos muito preocupados e envolvidos na questão da pandemia, o caixa começar a cair, você passa a ficar ainda mais preocupado com a sustentabilidade da organização”, disse Torelly.

“Criamos vários cenários. Qual seria a perda de receita? Em um cenário otimista e pessimista. Começamos a planejar a resposta do hospital. Há duas coisas que considero fundamentais: uma, é a eficiência, ou seja, não temos mais nenhum espaço para nada que não agregue valor ou seja ineficiente. Temos que ter um choque de eficiência para termos sustentabilidade”, defendeu.

Segundo Torelly, o gestor deve adotar ações de microgestão. “É o momento da microgestão. Todos os dias o gestor precisa avaliar a necessidade dos seus custos, o que pode ser suspenso, prorrogado ou cancelado… como você vai proteger o seu caixa. Uma gestão financeira muito bem controlada, conhecimento de todos os seus custos para fazer a defesa do seu caixa”, salientou.

“Não adianta a sociedade aplaudir o pessoal de linha de frente e daqui a dois meses estes colaboradores começarem a perder o emprego. Nós temos o compromisso de proteger os trabalhadores da cadeia da saúde”, disse Torelly.

A solidariedade foi citada pelo diretor corporativo do HCor como essencial para enfrentar as dificuldades. “Estamos [com a pandemia] ficando mais próximos. Fizemos uma matriz de fornecedores e para todos aqueles que precisavam do HCor para sobreviver, nós mantivemos os contratos rigorosamente da mesma forma. Para os que eram maiores, nós renegociamos a possibilidade de o pagamento ser estendido para um prazo maior. O objetivo é manter toda a cadeia produtiva funcionando. Nós não podemos ter um choque de inadimplência, de operadoras com hospitais, de hospitais com fornecedores. Muitos hospitais já estavam em crise antes da pandemia, o que está agravado agora, na potência máxima. Nós temos a obrigação de fazer o choque de gestão neste momento para preparar o melhor cenário de pós-pandemia”, defendeu Torelly.

O executivo disse que o momento requer ações de parceria e citou um caso em que um fornecedor quis cobrar uma série de multas pela diminuição dos serviços de informática, em uma negociação de contrato proposta pela instituição hospitalar. “Eu disse: estamos na linha de frente do Covid-19, e você quer me cobrar multa? Ok, mas deixarei claro que não iremos continuar utilizando a sua ferramenta. ” Segundo Torelly, o atual cenário vai apontar aqueles que conseguem entender o outro e fazer parte das soluções. Segundo ele, todos estão envolvidos neste momento de crise e precisam entender isto.

Torelly_Cbexs

Torelly aprofundou as estratégias criadas para o seu público interno. O HCor disponibilizou ao colaborador transporte privado para evitar o transporte público e a contratação de quartos de hotéis próximos, ações para proteger a saúde do colaborador. E se organizou para garantir, na medida do possível, os empregos. “O HCor está buscando proteger a sua força de trabalho”.

De acordo com ele, novos fluxos foram oferecidos aos 2,7 mil colaboradores, e a prioridade é que todos os empregos possam ser mantidos. A maior doação que um empresário pode fazer nesse momento de pandemia é a manutenção de sua força de trabalho…nosso objetivo é manter o tamanho que o HCor conquistou ao longo do tempo”, ressaltou o executivo.

“Disponibilizamos, juntamente com o Beneficência [BP de SP], um contingente de colaboradores para se juntar à força tarefa no HC [Hospital de Clínicas da USP]. Mesmo tendo dificuldade de caixa, estamos fazendo uma doação de profissionais com remuneração para conseguir ativar mais leitos de UTI”, disse Torelly.

Sobre a alta taxa de desemprego em todas os setores e o forte impacto quer isto terá na saúde suplementar, com um menor número de pessoas com plano de saúde, Torelly falou dos desafios que devem ser encarados de frente por gestores e demais players. “Eu acho que a nossa geração tem dois desafios. O primeiro é vencer a pandemia. Juntando os leitos público e privado, teremos unidades suficientes para vencer esta pandemia em São Paulo. Infelizmente nem todos os lugares do Brasil possuem condições de fazer isto. A outra necessidade é vencer a sustentabilidade… rever a sua gestão com foco no que importa e gera valor, assim como toda a sua matriz de custo. Este é o único caminho”, reforçou Torelly.

Magali Leite

A diretora-executiva da Beneficência Portuguesa (BP) de São Paulo apontou que, no momento atual, cresceu a importância do acompanhamento dos custos e fluxo de caixa. Magali disse que a instituição já se prepara para poder enfrentar problemas por inadimplência. “É preciso colocar um foco muito grande para garantir o fluxo e liquidez do setor, para evitar um efeito cascata de inadimplência”, afirmou. De acordo com ela, é fundamental o cuidado, muito de perto, com o custo e monitoramento de caixa, citando o Comitê Multidiscipliniar de Crise como medida implementada para lidar com o tema.

Segundo Magali Leite, a tendência é a inadimplência aumentar na saúde suplementar. O uso do fundo garantidor proposto pela ANS teve pouca adesão, deixa uma pergunta. “Por que afinal foi constituída esta reserva técnica, se não para [ser utilizado] num momento como este”, disse Magali. “Este aparente conforto da fonte pagadora, com a queda da sinistralidade é um pouco ilusório. A gente sabe que esta conta [uma hora] vem. Principalmente, no segundo semestre, pois existe uma demanda reprimida de eletivas que só está aumentando. Por outro lado, os hospitais privados estão notando que haverá uma lenta retomada dos procedimentos eletivos, mesmo com todo esforço para mostrar as medidas de segurança adotadas para o paciente”. A diretora-executiva complementou expondo que o hiato até a retomada do dia a dia normal do hospital vai demorar, trazendo graves consequências para o setor hospitalar. Para ela, é preciso ter um foco muito forte na questão da liquidez da cadeia produtiva toda, para não gerar uma insolvência em cascata.

Magali_Leite

A crise, contudo, pode trazer alguns ganhos, citados por Magali Leite. O aumento expressivo de cooperação científica para lidar com a doença, de produções científicas de pesquisa e desenvolvimento, aprovação da telemedicina, redução de burocracia, aumento da colaboração entre os players da saúde são aspectos positivos que vieram com a pandemia, na visão da diretora-executiva.

Dentro das oportunidades, Magali propôs iniciativas para serem desenvolvidas. “A oportunidade de um processo genuíno de colaboração entre as instituições, menos concorrência e mais construção de soluções, o modelo de remuneração ainda é uma dúvida, sobre o melhor modelo; a indústria das liminares, precisamos divulgar isso e trabalhar junto ao Judiciário. Na pandemia, esses procedimentos tão urgentes despencaram, então cabe o questionamento; revisão das ineficiências do setor; a possibilidade de planos individuais mais acessíveis; soluções público-privadas, com soluções complementares entre a saúde pública e suplementar. Precisamos focar em desenvolver a economia local, diminuindo a dependência de importações”, referindo-se às dificuldades de os fornecedores nacionais darem conta da demanda por equipamentos e insumos.

Sobre o Beneficência Portuguesa, Magali apontou que foram colocadas 700 pessoas em home office e que a preparação feita pelos hospitais para receberem pacientes com a Covid-19 era para um volume maior do que está sendo verificado atualmente – de acordo com ela, a ociosidade dos hospitais privados em São Paulo está em 50% no momento, o que afeta o caixa e receita da instituição. Entretanto, ela ressaltou que não será feita nenhuma medida de contenção ou redução dos serviços.

Ruy Baumer

O diretor do Comitê da Cadeia Produtiva da Saúde e Biotecnologia da Fiesp (ComSaúde/Fiesp) apontou que todas as medidas de contenção foram tomadas, numa avaliação de diferentes cenários da evolução da pandemia. Ruy Baumer é diretor da empresa Baumer, que  produz equipamentos médicos e hospitalares, localizada em Mogi Mirim, São Paulo.

“Tivemos que cortar tudo o que foi possível desde o início”, disse. A maioria dos trabalhadores passou a trabalhar em home office, além da revisão dos contratos, de compras, negociações com fornecedores. “Tivemos que ensinar alguns funcionários de que home office não é férias”, referindo-se à necessidade de educar os colaboradores para esta nova realidade do mercado do trabalho.

RUY_BAUMER

Em relação aos investimentos, Baumer disse que suspendeu tudo o que não compromete o futuro da empresa. Em relação às compras, foram analisados todos os tipos de compras, que passam por um comitê central. “Estamos negociando muito com os fornecedores, não queremos que eles nos matem, nem matar eles. Estamos encontrando muita parceria, alongando, parcelando o que é possível. É um exercício que está sendo muito interessante. Outra coisa é você sempre buscar garantia de pagamento junto ao seu cliente, seja governo ou setor privado. Isto é importante pois, nós somos sempre os últimos a receber na cadeia. ”

A questão do câmbio foi ressaltada por Baumer, assim como a gestão de recebimentos e estoque. “O câmbio está muito volátil. Se você não altera seus preços você quebra. Outra questão importante é ter um gestor para acompanhar cada área de lucro e de custo, assim como melhorar a gestão do caixa”, explicou Baumer.

Sobre o mercado da saúde em geral, o ComSaúde, órgão da FIESP, tem o papel de estabelecer interlocução de pautas com foco nas empresas de dispositivos médicos e biotecnologia, assim como outros setores. Baumer, falando como diretor do ComSaúde, disse que o órgão da Fiesp está negociando com o Ministério da Economia, a elaboração de um pacote padrão para pequenas e médias empresas em situação de recuperação judicial.

“Acreditamos que, se elas tiverem bastante prazo para pagar, poderão voltar a produzir. É um projeto que já está no Senado”, salientou.

“Acreditamos que o setor da saúde sairá dessa crise, mesmo que machucado, com uma outra visão de prioridade pelo Brasil. Seja em termo de investimento, de importância, de prioridade do que vai ser feito, tanto pelos setores públicos e privados. Acho que teremos uma outra visão sobre o que é o setor da saúde dentro do Brasil, para que não tenhamos que passar pelo que estamos passando… com alto grau de dependência e incapacidade de se estruturar”, finalizou Baumer.

[ 13/05 ] Público e Privado: Caminhando Juntos em Momentos de Crise

O próximo WEBINAR Conexão CBEXs Nacional terá o tema Público e Privado: Caminhando Juntos em Momentos de Crise. A atividade será realizada no dia 13 (quarta-feira) às 17h30.

Os convidados são: Leandro Reis Tavares, Vice-Presidente Médico e de Serviços Externos na Rede D’Or São Luiz, Ligia Bahia, Mestre e Doutora em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz e Sidney Klajner, Presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein. A mediação é de Francisco Balestrin.

Saiba mais aqui: https://lnkd.in/drtgfnf

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