Estatísticas e Análises, Mundo | 2 de janeiro de 2018

Epidemia do opiáceo nos EUA: os danos para a economia norte-americana

Prejuízo calculado de 500 bilhões de dólares em um ano
Epidemia do opiáceo nos EUA os danos para a economia norte-americana

Em 2016, os Estados Unidos se depararam pelo segundo ano consecutivo com a queda na expectativa de vida do país. No centro desse fenômeno está a epidemia de opiáceos que assola os EUA, em uma emergência de saúde declarada. Em novembro passado, a Casa Branca calculou que a crise trouxe em um ano prejuízo de 500 bilhões de dólares em função das mortes (64 mil por overdose de drogas em 2016), dos gastos médicos e da perda de horas trabalhadas. Estes números também representam um empecilho para o crescimento do país norte-americano.

Os opiáceos são substâncias derivadas do ópio, incluídos na classe dos opioides – grupo de fármacos que atuam nos receptores opioides neuronais. Eles produzem ações de insensibilidade à dor (analgesia) e são usados principalmente na terapia da dor crônica e da dor aguda de alta intensidade. Produzem, em doses elevadas, euforia, estados hipnóticos e dependência e alguns (morfina e heroína) são usados como droga recreativa. Os opiáceos estão presentes na papoula, com reconhecida ação analgésica e depressora do sistema nervoso central.

O impacto mais imediato e evidente dessa epidemia é notado no mercado de trabalho. Um relatório publicado pela Brookings Institution apontou a relação entre opiáceos e atividade profissional. O aumento da prescrição de receitas desse tipo de medicamentos registrado entre 1995 e 2015 poderia ter causado os 20% de queda no índice de participação (porcentagem da população empregada ou em busca de emprego) dos homens no mesmo período. No caso das mulheres, explicaria os 25% da mesma queda.

A redução da população ativa ocorre há anos nos Estados Unidos, com consequências no crescimento potencial do país. O envelhecimento da população e o desaparecimento de alguns empregos também favorecem o quadro, mas uma investigação de Allan Krueger, que foi presidente do Conselho Econômico de Barack Obama, sugere que os opiáceos desempenharam um papel mais relevante do que foi identificado até agora. Nesses 15 anos estudados, o índice de atividade caiu mais precisamente nos condados ( territórios ) em que mais prescrições desses remédios foram detectadas.

O fentanil e outros opiáceos sintéticos, quando não diretamente a heroína, já começam a afetar algumas empresas na hora de encontrar profissionais. Em setembro passado, Jonathan Rupert contou à rede de televisão CNBC que dos 49 funcionários que havia em sua empresa em Ohio, que fabrica e instala balcões e superfícies para banheiros e cozinhas, 15 eram ex-viciados. Tinha comprado a companhia, Distinctive Surfaces, dois anos atrás e, segundo conta, na época não parava de receber telefonemas de pessoas procurando emprego. O negócio foi crescendo e começou a precisar de mão-de-obra. Quando começou a procurar, percebeu que muitos candidatos tinham problemas com drogas. Há seis meses decidiu contratar um homem que estava em reabilitação, este o apresentou a outros e também foram contratados pela empresa. “Não me importa o passado de um cara, mas o que faz hoje, e o que fará no futuro”, explica Rupert, e acrescenta que, em seu ponto de vista, “uma pessoa que quer investir seu tempo em seu futuro e uma vida saudável é alguém que vale a pena trazer”.

Maior consumo entre trabalhadores menos escolarizados

Ohio é uma região especialmente castigada pelo problema, mas não há um setor produtivo especialmente identificado como mais prejudicada. Alan Krueger afirma que “os trabalhadores menos escolarizados são mais vulneráveis, assim como também é a população branca que a afro-americana ou latina, mas o vício está muito disseminado”. Há um círculo vicioso potencial no viciado em medicamentos: quem sofre do problema se vê expulso do mercado de trabalho, o vício piora e a volta ao mercado fica ainda mais difícil. “Essa espiral é um risco, é claro, mas espero que o fato de que se esteja prestando mais atenção ao problema ajude a deter a expansão das receitas médicas de opiáceos”, conclui.

 A epidemia nos EUA

O relatório da Comissão Presidencial sobre Combate à Toxicodependência e da Crise de Opioides constatou que ocorrem cerca de 100 mortes por dia nos EUA devido à overdose de opioides. Entre 1999 e 2015, 560 mil pessoas morreram pela mesma causa no país, sendo dois terços ligados a esse tipo de droga.

O vício pode ocorrer através do uso indevido de medicamentos com a substância ou até mesmo de drogas com efeito analgésico, como a heroína. No país norte-americano, o uso de opioides ocorre até mesmo nos jovens, como é o caso do Purple Drank, conhecida como “bebida roxa” em português.

Os opiáceos mais consumidos nos EUA:

Hidrocodona

Um opioide semi-sintético de ação curta. As vendas do medicamento aumentaram 280% entre 1997 e 2007.

Metadona

Possui propriedades analgésicas, mas deve ser usado com cautela. Tem uma meia-vida longa e pode se acumular no corpo, levando a overdoses e pode interagir com vários outros medicamentos. As vendas aumentaram 1.293% em dez anos.

Oxicodona

Um opioide semi sintético com as mesmas propriedades que a morfina por sua habituação, tolerância, dependência física e síndrome de abstinência.  Uma amostra impressionante de sua massificação, é o dado que indica que as vendas aumentaram 866% de 1997 a 2007.

Oximorfona

Semelhante à oxicodona, é um analgésico semi sintético e poderoso que possui as mesmas propriedades que a morfina e tende a formar hábitos e provocar sintomas de abstinência.

Informações: CDC, 2016; American Chronic Pain Association, 2016; and the American Society of Interventional Pain Physicians, 2012

Baixo consumo no Brasil 

Segundo o Grupo de Estudos da Dor de Wisconsin (Pain & Policy Studies Group), entidade que monitora mundialmente o consumo de opioides (como morfina), o Brasil tem uma taxa de 10,9 mg por pessoa ao ano – dados de 2015. A taxa tolerável seria de até 192,9 mg por pessoa anualmente, ou seja, o Brasil consome 20 vezes menos que a taxa tolerável. Nos Estados Unidos, ao contrário, o índice é de 677,7 mg por pessoa anualmente, ou seja, 3,5 vezes mais que a taxa tolerável.

Segundo o médico e diretor do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente, Lucas Santos Zambon, os medicamentos com opioides podem causar dependência e efeitos colaterais, como depressão respiratória. “É necessário um controle, mas isso não pode impedir que a dor do paciente seja aliviada. O médico precisa ter experiência para entender a necessidade de cada paciente. Precisa zelar pelo seu conforto. É desumano deixar o paciente com dor”, explica.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 66% da população mundial vai morrer sem consumir opioides, seja porque não vai precisar, seja porque não terá seu sofrimento diagnosticado.

Leia as matérias publicadas pelo Setor Saúde sobre o assunto:

Opioides já são emergência de saúde pública nos Estados Unidos

– Trump declara emergência nacional devido à epidemia de opioides

Com informações do jornal El País. Edição do Setor Saúde.

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