Enfermeiros portugueses ‘fogem’ dos hospitais
Carga horária menor tem feito profissionais migrarem para o atendimento básico
Dezenas de enfermeiros em Portugal estão trocando os hospitais pelo atendimento básico, como centros de saúde. O país tem 774 vagas abertas, segundo o jornal Expresso, e existem quase 11 mil candidatos. O Sindicato e Ordem dos Enfermeiros lusos garantem que são os pacientes que mais perdem com esta situação.
Os cortes (50%) na remuneração, no setor público, e a passagem de 35 para 40 horas semanais sem salário acrescido (ao contrário dos médicos), estão levando os enfermeiros para centros de saúde e unidades de saúde familiar, onde a carga horária é menor e o salário quase o mesmo.
“Os enfermeiros nos hospitais começam turnos que não sabem quando acabarão, não conseguem ter as duas folgas semanais e estão saindo”, explica Guadalupe Simões, dirigente nacional do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP). Ela explica que “os enfermeiros optam pelo centro de saúde mesmo ganhando menos (cerca de € 980 euros líquidos no hospital e € 850 no centro de saúde) ”.
Alguns hospitais, como nas cidades de Coimbra e Braga, garantem que as saídas têm sido habituais neste grupo profissional. No entanto, segundo o Centro Hospitalar de Lisboa Central, “efetivamente, saíram enfermeiros para outras unidades de saúde, de cuidados primários”. A administração ressalta que “estes profissionais têm sido gradualmente substituídos”.
O Centro Hospitalar de São João, na cidade do Porto, confirma que “têm existido pedidos de mobilidade de enfermeiros para os cuidados primários”. Embora sem números precisos, a reportagem afirma que o número de enfermeiros que migraram em 2015 foi quase dez vezes maior do que o registrado em 2014.
A presidente da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, garante que “a qualidade dos cuidados está em risco”. “O enfermeiro é aquele que nunca sai de perto do doente, não é o médico ou o técnico que vai vê-lo ou fazer qualquer coisa e depois vai embora. E quanto é que isto vale? ”, questiona.
Entre os enfermeiros, a mudança se dá, muitas vezes, porque a sobrecarga de trabalho não permite dar a resposta adequada ao que é solicitado. Além disso, horas-extras costumam não ser pagas. “A frustração maior para o enfermeiro é sair do turno e saber que não fez tudo o que queria, tudo o que é correto, tudo o que sabemos fazer, por falta de mais colegas e de tempo. Acredito que é isto que todos estão a valorizar quando pensam em sair dos hospitais”, comentou uma enfermeira (que não teve o nome divulgado) entrevistada pelo periódico português.
Ana Rita Cavaco diz que Portugal “entrou numa espiral de carência de contratações, não por falta de enfermeiros – porque são formados em número suficiente –, mas de recursos no sistema, nos setores público e privado”. Ela salienta que os profissionais entram nas instituições sem passarem por um período de integração, preparação para situações inesperadas e pontuais, e são logo postas na escala de trabalho.
A chamada “fuga” dos hospitais é um efeito secundário. “O aumento para as 40 horas semanais fez disparar o absentismo”, revela Guadalupe Simões. Segundo a dirigente do SEP, em 2012 havia 8,8% de faltas ao trabalho e que em 2014 chegaram a 14,4%. “Há mais de 750 enfermeiros permanentemente ausentes, muitos devido ao aumento dos acidentes de trabalho”.
Tais dados foram apresentados ao ministro da Saúde português, Adalberto Campos Fernandes, como argumento para o regresso das 35 horas semanais de trabalho. A reportagem do Expresso diz, ainda, que Orçamento do Estado para 2016 prevê a manutenção dos cortes no pagamento do trabalho extraordinário, mas nada diz sobre o horário de trabalho. Porém, o governo prometeu que as 35 horas voltarão à esfera pública até o segundo semestre deste ano. O compromisso, feito ainda durante a campanha eleitoral, fez com que muitos enfermeiros de hospitais privados se interessem em ocupar as vagas abertas nos cuidados primários de unidades do Estado.
Margarida França, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, diz “desconhecer o êxodo de enfermeiros para o atendimento básico”. Mas reconhece que muitos projetos em unidades de saúde familiar oferecem condições financeiras e de trabalho melhores. Sobre a pressão laboral, a administradora salienta que ela “existe sobre todos”.