Mundo, Política | 19 de abril de 2020

Distanciamento social intermitente é a melhor estratégia, defendem especialistas em saúde pública da Harvard

Estudo critica o lockdown por um longo período como estratégia de contenção da Covid-19
Distanciamento social intermitente é a melhor estratégia, defendem especialistas em saúde pública da Harvard

O encerramento quase total das atividades econômicas e o isolamento social não são a melhor forma de gerir a propagação da Covid-19 (doença causada pelo novo coronavírus), porque não permitem a criação de imunidade a um ritmo controlado, protegendo os sistemas de saúde e salvando mais vidas. O alerta é de epidemiologistas de Harvard, que têm uma proposta bem diferente: a melhor estratégia é alternar períodos de distanciamento social com outros em que as pessoas estão autorizadas a transitar em sociedade, quase como em tempos normais – uma espécie de distanciamento social “on” e “off“.

A proposta passa por um padrão de períodos em que se pede distanciamento social – na linha do que vários países estão fazendo – mas alternados, por algumas semanas de cada vez, com períodos em que as pessoas podem ir trabalhar, as crianças podem ir à escola e as atividades de lazer podem realizar-se. Os epidemiologistas alertam que a estratégia do lockdown completo, à espera que a curva de infeções diminua, não contribui para que se crie imunidade de grupo, de uma forma mais controlada, e, portanto, segundas e terceiras ondas da doença são inevitáveis.

Vários países optaram inicialmente pela estratégia da criação de imunidade de grupo mas acabaram por mudar o rumo: exemplo mais clássico foi o Reino Unido. O governo de Boris Johnson passou do 8 para o 80 e agora o slogan é Fique em casa, salve vidas. Mas, para a equipe de investigadores liderada por Yonatan Grad e Marc Lipsitch, da Harvard T.H. Chan School of Public Health (EUA), nem o 8 nem o 80 estão corretos. A aplicação de medidas de contenção de forma “intermitente” é, defendem, a melhor estratégia a longo prazo para a gestão do vírus e “para salvaguardar aquilo que é o mais importante – evitar que os sistemas de saúde e as unidades de cuidados intensivos entrem em colapso”, sublinham os investigadores.

Yonatan Grad

Yonatan Grad

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“Examinamos como isso afetaria o que mais importa – sobrecarregando a unidade de terapia intensiva”, disse Yonatan Grad. O problema, disseram os pesquisadores, é que, embora o distanciamento social estrito possa parecer a estratégia mais eficaz, pouca imunidade da população é desenvolvida para um vírus que voltará a aparecer.


Patamares definidos por cada país

Segundo o estudo, as autoridades públicas devem, à escala de cada país, definir patamares de propagação em que se “reabriria” a vida normal quando a taxa de novos casos baixar a um dado nível, e se voltaria a pedir distanciamento social quando os números voltarem a subir. Os patamares seriam definidos por cada país, podendo ser organizados em regiões específicas, e complementar a estratégia com medidas para proteger os grupos de risco – mas os lockdowns, embora possam produzir resultados rápidos, não serão eficazes a longo prazo, sublinham os autores.

O estudo pondera que é preciso perceber se este novo coronavírus tende a ser um vírus mais sazonal, como a gripe comum ou as constipações (que também podem ser causadas por coronavírus “antigos”), ou se tende a propagar-se ao longo de todo o ano. Esse dado fará grande diferença na forma como os cálculos se devem fazer e como é que essa “intermitência” das medidas de confinamento deve ser calibrada. Levando em consideração a incerteza em relação à sazonalidade, os investigadores defendem que a melhor “dose” de distanciamento social estará entre 25% e 75% do tempo.

À medida que o tempo passa e a população ganha imunidade, dizem os investigadores, a tendência será para que os períodos de distanciamento social serem cada vez mais curtos e espaçados no tempo, com intervalos cada vez maiores entre cada momento de maior contenção da vida em sociedade. Enquanto não chega uma vacina ou tratamentos comprovadamente mais eficazes para a boa parte dos doentes, esta é a melhor estratégia, sublinham os investigadores de Harvard.

Sarah Fortune, presidente do Departamento de Imunologia e Doenças Infecciosas da Harvard Chan School, disse que a pesquisa apresenta, na opinião dela, “a estratégia mais realista disponível”. Sobre os EUA, ela alerta que é preciso ainda depender daquilo que outros países adotam e seus resultados. “Os limites do que podemos alcançar – mesmo localmente, em termos de controle COVID – são estabelecidos pelos sistemas de saúde mais frágeis do mundo”, disse Fortune.

Distanciamento agressivo para preparar os sistemas de saúde

Já Ashish Jha, diretor do Instituto Global de Saúde de Harvard, disse que o sistema de saúde dos EUA tem uma “colina mais íngreme a subir”. Ele disse que agora é necessário um distanciamento social muito agressivo para dar tempo ao sistema para acompanhar a propagação atual do vírus. Ele defende triplicar os testes, aumentar a produção de equipamentos de proteção e coordenar a resposta nacionalmente.

O especialista diz que este modelo poderia ajudar a direcionar esforços de alocação de respiradores nos locais que tenham mais casos. “Também poderia, juntamente com a modelagem epidêmica, direcionar recursos escassos, como ventiladores/respiradores, para locais com aumento de casos, movendo o suprimento de um ponto a outro.


“ É assim que superamos isso – juntos. Se todo Estado e toda comunidade lutar para maximizar seus próprios ventiladores, todos estaremos em apuros. Mas, se pudermos trabalhar de maneira coordenada, conseguiremos superar isso com muito mais facilidade ”, disse Jha, falando durante um evento de webcast patrocinado pelo Fórum da Harvard TH Chan. “Em última análise, tem que ser feito pelo governo federal. … É por isso que temos um governo federal. ”

Quando o pico passar pelos EUA, disse Sarah Fortune, os países com infraestrutura de saúde fraca ainda estarão na mira.  A preocupação é com o fato de que uma epidemia não controlada nesses países poderá ser catastrófica. A Índia, por exemplo, registrou apenas 700 casos, mas fez muito poucos testes, disse ela. “Receio que, onde o sistema de saúde seja muito frágil, o que vem a seguir seja a pandemia de uma maneira realmente catastrófica”, afirmou Fortune.


 

 

Com informações do jornal Observador (Portugal) e The Harvard Gazette (EUA). Edição do Setor Saúde.

 

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