Mundo | 12 de julho de 2016

Centro de oncologia que investe pesado em publicidade é acusado de informar números distorcidos

CTCA tem cinco unidades nos EUA
Centro de oncologia investe pesado em publicidade mas é acusada de informar números distorcidos e desproporcionais

Pesquisadores, jornalistas, analistas e profissionais de comunicação devem ter um cuidado especial ao manipular e divulgar informações, principalmente quando se fala em informações e dados sobre saúde. As consequências da manipulação e divulgação de índices de forma antiética, podem gerar sérios problemas. Um sistema hospitalar privado focado em tratamentos oncológicos complexos atraiu a atenção nos EUA por investir grandes somas de dinheiro em publicidade e divulgar estatísticas de sobrevivência altíssimas.

O enorme esforço de comunicação a nível nacional lançado pelo Cancer Treatment Centers of America (CTCA, Centros para o Tratamento de Câncer dos EUA) para atrair pacientes, fez com que a instituição investisse US$ 101.700 milhões em propaganda dos seus serviços na TV, mídia impressa, online e outros anúncios somente em 2014, respondendo por quase 60% de todos os gastos com publicidade feitos por outros centros de oncologia dos EUA no mesmo período, de acordo com um levantamento de pesquisadores das universidades de Indiana e Pittsburgh.

Publicado no periódico JAMA Internal Medicine, o estudo afirma que mais da metade dos gastos com publicidade do CTCA em 2014 foram para mídias de audiência nacional. Isso se reflete no alcance de uma “grande população de pacientes, com meios para viajar para longe de suas casas na busca por atendimento em um dos cinco centros do CTCA”, diz o estudo. As unidades ficam nas cidades de Atlanta, Chicago, Phoenix, Filadélfia e Tulsa.

Dados adicionais solicitados pelo portal de notícias STAT à empresa de pesquisa e monitoramento de mídia iSpot.tv, mostram que o CTCA incrementou sua despesa em anúncios de TV para além do período capturado no estudo do periódico Jama. A empresa gastou mais de US$ 107 milhões em anúncios de TV, que foram ao ar dezenas de milhares de vezes ao longo dos últimos dois anos e meio, incluindo US$ 30 milhões de tempo no ar em 2016 (até junho) ”, mostram as informações do iSpot.

Peter Yesawich, diretor de desenvolvimento (Chief Growth Officer) no CTCA, defende que a empresa direciona tanto dinheiro para publicidade por causa de sua presença nacional (incomum em comparação à maioria dos centros de câncer regionais) e pelo desejo de informar os pacientes sobre avanços e as opções médicas disponíveis. “Certamente há alguma controvérsia em torno do fato de que não apenas nós, mas também outros prestadores de saúde da área oncológica utilizam a publicidade para contar sua história”, comentou Yesawich, que acrescentou: “gostaríamos muito de garantir que as pessoas que estão procurando as últimas informações sobre diagnóstico e tratamento certamente possam ter uma oportunidade de avaliar opções de tratamento conosco”.

O CTCA lidera um pequeno grupo de centros de câncer que têm impulsionado uma série de anúncios ao longo da última década. Das centenas de centros oncológicos dos EUA, apenas 20 foram responsáveis ​​por 86% dos gastos totais do setor com publicidade em 2014, segundo o estudo.

“O estudo constatou que os prestigiados MD Anderson Cancer Center e o Memorial Sloan Kettering Cancer Center foram os anunciantes que mais gastaram depois do CTCA, gastando US$ 13,9 milhões e US$ 9,1 milhões, respectivamente, em 2014. Mas entre os 20 centros que mais investiram, mais da metade – incluindo o CTCA – não são designados pelo National Cancer Institute (NCI, Instituto Nacional do Câncer) e três não são acreditados por um programa do American College of Surgeonsque exige que centros oncológicos relatem certos dados de desempenho”.

Laura Vater, principal autora do estudo publicado na Jama, diz que “centros de câncer com o maior gasto não são necessariamente centros que fornecem os mais altos padrões de cuidados”, alertou. “É muito importante para os pacientes observarem anúncios oncológicos com parcimônia”, de preferência com a ajuda de um profissional de saúde.

O cenário

A publicidade do CTCA na TV tende a apresentar histórias inspiradoras de pacientes que chegam aos centros oncológicos da instituição depois de receber um diagnóstico sombrio. “Considere o anúncio para o qual a iSpot estima que o CTCA dedicou mais tempo de transmissão no último ​​ano e meio”. Uma mulher de meia-idade, com seu marido ao lado, conversa sobre o avanço de um câncer de cólon, que se espalhou para o fígado. Ela procurou uma segunda opinião de um médico no CTCA que propôs uma cirurgia minimamente invasiva para tratar ambos os órgãos na mesma operação. “Essa opção nos deu tanta esperança. Onde mais você vai conseguir isso?”, diz o marido da mulher em uma versão do anúncio.

Em outra versão do anúncio, belos gráficos ​​mostram números como 91% e 96% cruzando a tela enquanto um narrador instiga os espectadores a irem ao site do CTCA para saber mais sobre os resultados do tratamento e como eles se comparam com as médias nacionais.

De acordo com uma investigação da Reuters, as taxas de sobrevivência impressionantes que os relatórios do CTCA apresentam, contém desproporcionalidades que não condizem com realidade geral. São informações distorcidas, com uma população de pacientes que é não-idosa, que possui um bom plano de saúde, se encontram no início da progressão da doença, e ainda, estão saudáveis o suficiente para viajar – e em alguns casos cuidadosamente selecionados dessa forma.

Veja o anúncio:

Peter Yesawich da CTCA, ressalta que desde a publicação da reportagem da Reuters que mostrava as táticas pouco éticas de utilização dos dados e das informações, o CTCA começou a publicar estatísticas sobre os resultados de sobrevivência de cinco anos de seus pacientes e acrescentou um aviso aos seus gráficos on-line, indicando que não há comparação nacional direta à sua população de pacientes.

A publicidade funciona?

Embora a instituição não divulgue seus números de receita, os pacientes estão crescendo. O CTCA diz que espera realizar o tratamento de cerca de 7.400 novos pacientes no próximo ano, acima dos 6.000 pacientes registrados em 2013.

Peter Yesawich ressaltou que, pelas próprias métricas internas da empresa, a publicidade aumenta a conscientização, o conhecimento e a imagem de sua marca entre os consumidores. “O CTCA foi percebido de forma mais favorável do que qualquer outro hospital dos EUA, e o quinto mais lembrado entre todas as marcas americanas, de acordo com uma pesquisa dos consumidores realizada no ano passado pela empresa de pesquisa de mercado YouGov”.

Fica claro que o alto investimento pode trazer resultados e funcionar por um período, porém os prestadores de serviços de saúde devem saber que o formato e o conteúdo precisam criar expectativas reais, e não ilusórias.

A escolha do melhor tratamento – principalmente em casos de doenças graves como o câncer – deve conter informações claras. Gestores de comunicação e pesquisadores sabem que manipular dados é um caminho fácil, mas a quebra de confiança em qualquer do processo de cura pode se tornar irreversível, tanto para a a reputação da instituição como para recuperação do paciente.

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