Mundo | 4 de novembro de 2016

Brexit: o turismo médico sob o ponto de vista da saída da União Europeia

Impactos na mão de obra estrangeira e consequências econômicas para o setor
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O termo Brexit, que se refere à saída do Reino Unido da União Europeia, ganhou relevância em 2016. A saída do bloco econômico foi aprovada em um referendo em junho, em uma disputa acirrada. O “sair” venceu com quase 51,9% dos votos (17.410.742) contra 16.141.242 votos pela permanência. O tema é polêmico e já causou a queda do então primeiro-ministro, David Cameron, entusiasta defensor da permanência. Agora, em 3 de novembro, a Alta Corte britânica decidiu que o país não poderá iniciar o processo de saída da União Europeia (UE) sem aprovação do Parlamento.

O Brexit envolve as mais variadas áreas da sociedade e as consequências da medida ainda são incertas. Em um artigo do portal International Travel Medical Journal (IMTJ), Keith Pollard analisou o que isso significa para o futuro da saúde e do turismo médico.

Keith Pollard é CEO da Intuition Communication, uma empresa web focada em saúde que conta com importantes sites como IMTJ, Treatment Abroad, DoctorInternet (portais sobre turismo médico), e o Private Healthcare UK, um dos principais sites do Reino Unido sobre os serviços de saúde privados.

O resultado que ninguém esperava

“Pessoas na Escócia, Irlanda do Norte e Londres votaram a favor de permanecer. Os idosos, a ‘classe trabalhadora’, e pessoas com baixos rendimentos queriam sair; os jovens, as pessoas com ensino superior e pessoas com renda mais elevadas preferiam permanecer. A política dos principais partidos políticos do Reino Unido – Conservador, Trabalhista, Liberal Democrata, Partido Verde, Nacionalista Escocês, Plaid Cymru (País de Gales), o partido Unionista, Partido Alliance e do SDLP (Irlanda do Norte) – foi a favor de permanecer na UE. O Partido Unido da Independência (UKIP) e o Partido Unionista Democrático (na Irlanda) apoiaram o Brexit. Então, o povo votou contra a recomendação dos partidos políticos que tinham eleito. É a maior decisão democrática que este país passou nos últimos 50 anos. A votação do Brexit terá ramificações políticas e econômicas significativas, tanto positivas como negativas, no Reino Unido, em toda a UE e no mundo”, analisou Pollard.

O rápido aumento das migrações  para a UE foi o principal motor para o Brexit. “Essa promessa de um referendo ganhou a última eleição. Então, no dia 23 de junho, quando o povo britânico votou por “deixar” o bloco, David Cameron compartilhou a culpa”. Com a saída de Cameron, Theresa May tornou-se a primeira-ministra do Reino Unido.

Em vigor desde dezembro de 2009, o Tratado de Lisboa, que emendou o Tratado da União Europeia e o Tratado sobre o Funcionamento da UE, prevê no artigo 50, a possibilidade de qualquer Estado sair de forma voluntária e unilateral da União. De acordo com o artigo 50, “um Estado-membro que decida retirar-se deverá notificar o Conselho Europeu” e será com base nas orientações do Conselho que a UE negocia um acordo sobre os pormenores da saída e é definido o quadro das futuras relações desse Estado com a União.

O prazo previsto para a negociação de saída é de dois anos, “a menos que o Conselho Europeu, com o acordo do Estado-membro em causa, decida, por unanimidade, prorrogar esse período”. No mês passado, a primeira-ministra anunciou que pretende invocar formalmente o artigo até ao final de março de 2017.

Para Keith Pollard, “o problema é que deixamos que as pessoas tomem a decisão. Essa é a verdadeira democracia… mas foi um processo confuso e o povo estava mal informado para tomar uma decisão tão importante? Provavelmente não”, afirma.

Na sequência do resultado, muitos dos ativistas pró-Brexit voltaram atrás em suas promessas. “A transferência prometida dos gastos com a UE para o Serviço Nacional de Saúde (NHS, na sigla em inglês) não vai acontecer. As chances de manter o acesso ao mercado da UE e controlar a imigração são muito menores do que o prometido. Foi uma decisão complexa, que já teve e terá enormes ramificações internacionais, nacionais, políticas e econômicas para o Reino Unido.

O impacto do Brexit no sistema de saúde

A ameaça ao sistema de saúde do Reino Unido tem dois aspectos – o impacto sobre o pessoal e o impacto sobre o financiamento.

O artigo lembra a quantidade de imigrantes trabalhando no Reino Unido e no setor. “Na semana passada, fui à minha dentista… ela é da Hungria. Eu comprei um café de um comerciante de Lisboa, e uma cerveja de um bar de um romeno. No ano passado, eu me submeti a uma cirurgia e os enfermeiros, o pessoal de apoio, e os médicos eram da Índia, Sérvia, Portugal, Lituânia, Egito, Romênia, Turquia e Rússia. O Reino Unido tem um sistema de saúde que é altamente dependente de uma força de trabalho migrante internacional. Cerca de 25% dos especialistas no NHS não são britânicos. Em alguns hospitais universitários de referência, o número é de mais de 50%. A Confederação do NHS diz que há atualmente 130 mil trabalhadores de saúde e assistência oriundos da UE no Reino Unido, incluindo 10% de todos os médicos e 5% dos enfermeiros”.

Algumas considerações importantes feitas pelo jornal The Guardian:

“A maior ameaça para o NHS vem de uma onda de cortes de gastos adicionais que atingem os orçamentos não delimitados, como na assistência social”.

“O efeito mais insidioso do ambiente anti-europeu será o de desencorajar os talentos da UE a trabalharem no sistema de saúde britânico”

“O investimento da UE no Reino Unido em investigação médica será perdido e mais danos podem muito bem ser gerados por um menor crescimento econômico. O eventual acordo sobre o acesso ao mercado único terá enormes implicações para empresas farmacêuticas do Reino Unido e muitas outras”.

“O voto a favor do Brexit poderia minar equipes, pesquisas, reforma dos serviços, descentralização e financiamento”

“O sistema de saúde não tem nada a comemorar”

“Em torno de 10% dos profissionais do NHS são da UE. Eles estão conectados a habilidades e escassez de pessoal em um país que tem uma população envelhecida. Alguns deles estão com medo de que seus futuros empregos estejam em risco”. A Confederação do NHS lançou uma campanha no Twitter chamada #LoveOurEUStaff (Amor a nossa equipe da EU, em tradução livre), apoiado pela saúde privada.

O impacto da Brexit sobre turismo médico

Segundo Keith Pollard, “no curto prazo, as coisas provavelmente não mudarão muito. A desaceleração da economia e das finanças públicas podem ser um bônus para o turismo médico de saída do Reino Unido, conforme os pacientes britânicos procuram economizar dinheiro em tratamento e escapar da lista de espera que provavelmente vai crescer. Nós podemos ver o aumento da utilização dos direitos dos doentes no âmbito da Directive EU (Regulamentos e legislações referentes à União Europeia). Mas a verdade é que só o tempo dirá. Então, por enquanto temos que trabalhar normalmente”, conclui o artigo.

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