Empregabilidade e Aperfeiçoamento, Gestão e Qualidade | 26 de março de 2021

Atendimento psicológico a profissionais da saúde dispara com a segunda onda de Covid-19

O medo de transmissão deu lugar ao luto, diz Carolina Dreher, coordenadora de projeto que presta teleconsulta gratuita para profissionais de todo o Brasil
Atendimento psicológico a profissionais da saúde dispara com a segunda onda de Covid-19

O impacto na saúde mental dos profissionais da saúde para lidarem com a Covid-19 é um dos temas de grande repercussão desde o início da pandemia. Com o avanço de casos no número de casos e mortes pelo coronavírus entre fevereiro e março, a busca pelo serviço disparou, como explica uma das coordenadoras do TelePSI, a médica psiquiatra Carolina Blaya Dreher, também professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que concedeu entrevista ao Setor Saúde.

A partir do TelePSI, projeto de teleconsulta gratuita capitaneado pelo Ministério da Saúde, com coordenação da Secretaria de Atenção Primária à Saúde e parceria com o Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), 3.051 consultas foram realizadas desde o início dos atendimentos, em maio de 2020. Nos últimos 60 dias o aumento de atendimentos foi considerável, acompanhando o recrudescimento da pandemia (veja aqui).  

Na entrevista, Dreher explicou como são feitas as abordagens pelos profissionais, analisou a evolução do número de consultas conforme a a pandemia avança, explicou quando os profissionais devem procurar o serviço de teleatendimento (sinais de alerta) e ressaltou que o projeto promoveu um programa completo de capacitação em teleintervenções contextualizadas à pandemia da Covid-19. Confira:

O Telepsi

 O TelePSI conta com uma central de teleconsulta formada por profissionais da Psicologia e Psiquiatria, para manejo de estresse, ansiedade, depressão e irritabilidade em profissionais do SUS que enfrentam a pandemia de Covid-19.

Atender o maior número de pessoas da forma mais breve possível

“ No início da pandemia, estávamos antevendo o que estaria por vir no Brasil, ou seja, o que estamos observando especificamente agora no Rio Grande Sul, com esse momento de esgotamento de recursos e a pressão sobre os profissionais da área da saúde”, diz.

A coordenadora do TelePSI explica que o projeto visa oferecer teleatendimento aos profissionais da área da saúde com uma abordagem que envolve psicoterapias validadas com evidências científicas, para encontrar um modelo que possa atender o maior número de pessoas, de forma mais breve possível. O objetivo do TelePSI é auxiliar os profissionais a tratarem os seus sofrimentos relatados e poderem voltar ao trabalho.

“É importante contextualizarmos que as doenças psiquiátricas acabam sendo uma das grandes causas de incapacitação. Então, além do sofrimento que tudo isso traz, a pressão sobre os profissionais acaba sendo muito grande e eles precisam voltar para o trabalho. E por conta disso, o Ministério da Saúde focou neste projeto de atendimento dos profissionais da área da saúde”, diz.

telepsi

“Facilitador de acessos”

A psiquiatra explica que são recebidos profissionais que possuem diferentes tipos de sintomas, dos casos mais leves aos mais graves. Ela salienta que o projeto atende qualquer tipo de abordagem, mas ressalta que o principal objetivo é ser um “facilitador de acessos” dos casos mais complexos.

“Temos uma abordagem breve e, se necessário dar continuidade ao atendimento, a nossa ideia é nos colocarmos como um facilitador de acesso e, assim, fazemos o encaminhamento de casos mais graves”, diz.

“Essa evolução foi muito gratificante, pois tivemos situações de teleatendimentos em locais em que não havia psiquiatra no local e, com isso, o nosso psiquiatra do projeto, atendendo daqui de Porto Alegre, avaliando por teleconsulta, identificou que o profissional da saúde possui determinada patologia e necessita de atendimento presencial e de uma determinada medicação, por exemplo. Então, esse profissional faz o contato com algum médico generalista orientando qual o tipo de medicação e atendimentos devem ser oferecidos”, detalha.

“A nossa abordagem é muito estratificada, então temos uma abordagem diferente para sintomas diferentes sintomas leves menor intervenção, e quem tem sintomas mais intensos, terá um outro tipo de intervenção”, complementa.

Depressão, ansiedade e burnout e os sinais de alerta

“No início do projeto, fomos mapeando os sintomas que iríamos encontrar. Baseado em estudos de outros países, o que estávamos identificando é que boa parte da população ficaria com sintomas de depressão, ansiedade e burnout. Então, os nossos protocolos de atendimentos foram desenhados para pacientes que estivessem com esse tipo de sintomatologia aguda. Desde o início até agora (25 de março), foram mais de 3 mil consultas”, explica.

De acordo com a psiquiatra, são dois os fatores que devem servir de alerta para os profissionais de saúde. Eles devem procurar uma consulta sempre quando perceberem que estão tendo perda de sua funcionalidade, ou seja, sinta alterações na qualidade do serviço prestado e nas suas condutas profissionais. E ainda, quando observarem prejuízos na qualidade de vida.

“Quando o profissional percebe queda da qualidade de vida, é um grande alerta de que talvez essa pessoa deva cuidar dela mesma. Eu não tenho dúvida nenhuma que abrir um espaço na agenda para cuidar de si mesmo vai se traduzir em melhora para o profissional e para todos os que estão à sua volta, e isso inclui os pacientes. Seriam esses dois sinais: a pessoa perceber que não está ‘funcionando’ no seu normal e se ela nota perda de qualidade de vida”, afirma.

Profissionais que mais procuraram atendimentos

De acordo com a psiquiatra, os profissionais que mais têm procurado o TelePSI são técnicos de enfermagem e enfermeiros – dado que confirma o grande estrato que tal grupo representa no mercado de trabalho do setor da saúde.

Crescimento de busca instantânea no pior momento da pandemia

Dreher enfatiza que o aumento atual de casos, que indicam o pior momento da pandemia no Brasil, se reflete no aumento de consultas por teleatendimento. Ela explica que, por se tratar de um projeto de abrangência nacional, foram feitas diversas estratégias de divulgação.

“Uma das primeiras estratégias foi a divulgação em um jornal com cobertura nacional e tivemos um número grande de pessoas que se cadastraram. Depois, tivemos várias estratégias de divulgação feitas de modo direto com instituições”, detalha.

Porém, é surpreendente a busca espontânea observada atualmente. “No atual período, estamos com uma demanda espontânea como nunca tínhamos visto. Chegamos a observar um momento de participação com 10 vezes mais procura do que anteriormente. Chegamos a ter 100 cadastros por dia”, explica Dreher, que aponta que o Telepsi já realizou, no total, mais de 3 mil consultas e mais de 1,3 mil atendimentos.

Do medo de contaminação ao luto

Dreher analisa que as motivações para buscas por atendimento foram se modificando com a evolução da pandemia. No início, predominava o medo de contaminação por Covid-19. Agora, o sentimento que impera é o de luto conforme as mortes crescem no país.

“No início, havia muita procura por medo de contágio, de transmissão da doença para a família. A contaminação de profissionais assustou muito. Além disso, observamos também relatos de quem sentiu culpa por estar sentindo medo”, detalha.

“Atualmente, os relatos são muito mais relacionados ao luto. A mortalidade agora está muito maior e observamos uma diferença agora por causa da introdução da vacina. Quando ocorreu a vacinação dos profissionais, e no momento que a pandemia diminuiu de intensidade, houve uma queda no número de consultas. Porém, agora com essa nova realidade de estarmos enfrentando uma nova variante, os relatos frequentemente têm relação com o luto, a perda de pessoas conhecidas, a perda de pacientes, o número de mortes. Os profissionais acabam vivendo de perto com essa realidade [de aumento de mortes]”, salienta.

Estados que mais têm procurado atendimento: SP, RS e MG

A psiquiatra salienta que o Telepsi já atendeu profissionais de todos os estados do Brasil. Ela aponta que São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Os três estados estão entre os que mais sentem a pressão da nova onda.

 De acordo com Dreher, o crescimento nas últimas semanas do RS chama a atenção. “O Rio Grande do Sul estava em terceiro, mas assumiu o segundo lugar nas três últimas semanas. Com o agravamento da situação, a busca por atendimentos no estado cresceu de forma muito grande”, explica.

Capacitação de profissionais

A coordenadora do Telepsi enaltece que, além de atender profissionais que precisam cuidar da sua saúde mental, o projeto capacita gratuitamente interessados em desenvolver aptidão para esse tipo de atendimento.

“Fornecemos através do nosso site a capacitação dos nossos tratamentos, abertos para o público geral. Isto gerou uma fonte de retorno muito grande, muitas pessoas fizeram o treinamento e muitas pessoas obtiveram a certificação. Com isso, creio que a abrangência do projeto tenha sido ainda maior, porque não apenas as pessoas tratadas, mas outros terapeutas foram capacitados para lidar com algumas questões que observamos que estão sendo frequentes durante a pandemia”, finaliza.

Como buscar ajuda

Os profissionais que se sentirem na condição de sofrimento psíquico, podem utilizar o canal Telessaúde de atendimento, pelo número:

0800 644 6543 (opção 4)

Para mais informações acesse https://telepsi.hcpa.edu.br/

 



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