Estatísticas e Análises, Mundo | 22 de setembro de 2020

As estratégias adotadas pela Itália que estão evitando a segunda onda de Covid-19

País segue uma vigilância ativa com respeito às medidas governamentais. Porém, volta do público aos estádios de futebol preocupa
As estratégias adotadas pela Itália que estão evitando a segunda onda de Covid-19

O público, em número limitado, começa a voltar aos estádios de futebol. Esse é apenas um dos sinais de um novo momento que vive a Itália, algo como um “otimismo cauteloso” em relação à contenção de uma segunda onda do novo coronavírus (Covid-19) no país, um dos mais afetados pela pandemia. Há uma crença de que o pior ficou para trás, embora seja sempre lembrado, como sinal de alerta, que 35.738 pessoas morreram desde o início da pandemia, com 300.897 infectados registrados até o dia 22 de setembro.

A Itália está hoje entre os países europeus que melhor enfrentam a nova onda de Covid-19, classificada como “alarmante” pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Mas na Itália existe a preocupação de que, embora a curva da epidemia esteja estável neste momento, a segunda onda do vírus está se acelerando nos países vizinhos. Os casos por 100 mil habitantes nos últimos dias foram: 33 na Itália, enquanto na Espanha foi 300, e na França, 158.

Os novos casos na Itália giram em torno de 1,5 mil por dia, às vezes se aproximando de 2 mil, longe do que acontece na Espanha e França, que registram mais de 10 mil novos casos por dia, ou Reino Unido, que já registra mais de 4 mil casos por dia. Estes dados preocupam muito o famoso imunologista americano Anthony Fauci, um dos maiores especialistas mundiais em vírus, que avisa numa entrevista ao jornal italiano La Repubblica: “O que se passa na Espanha, e em muitos aspectos também na França é muito preocupante. A Itália deve ter cuidado. O reinício das atividades deve ser cauteloso e gradual”, pondera.

Disciplina

A Itália, por enquanto, evitou a segunda onda do vírus, graças a uma série de medidas que as pessoas respeitaram com bastante disciplina. Fabrizio Pregliasco, conhecido virologista da Universidade de Milão e diretor do Instituto Galeazzi, acredita que uma chave para os bons dados italianos, até agora, é que o bloqueio de dez semanas imposto em todo o país no início de março ainda estava dando frutos: “Nosso confinamento foi mais longo que os outros, as pessoas obedeceram e, embora o epicentro tenha sido no norte, todo o país assumiu o confinamento”, disse o professor Pregliasco.


Por sua vez, Walter Ricciardi, que integra a comissão científica que assessora o governo e é assessor do Ministro da Saúde italino, explica por que o país está conseguindo sucesso na contenção do vírus: “Na Itália não voltamos aos níveis de contágio de março como em outros países europeus, porque temos cuidado com as regras básicas e não devemos baixar a guarda: distanciamento social, máscaras e evitar multidões são fundamentais “, disse Ricciardi, que incentiva continuamente o uso de vacinas contra gripe, rastreamento de  contatos e testes.


“Estratégia de vigilância ativa”

Levando em consideração o conselho permanente do governo de manter a vigilância, a Itália não quis cortar os 14 dias estabelecidos para a quarentena, para os casos ativos detectados, e não os reduziu para 7 ou 10 dias, como fizeram outros países europeus. Além disso, e como medida muito importante, uma “estratégia de vigilância ativa” foi imposta em todo o país, implementada com notável sucesso na região de Vêneto, por iniciativa do professor de microbiologia da Universidade de Pádua, Adrea Crisanti, com uma estratégia pioneira.


“Quando se descobre um caso positivo, mesmo assintomático, toda a rede que faz parte dessa pessoa é testada, tanto na família, no trabalho e nas relações sociais. Hoje essa estratégia de vigilância ativa está sendo usada em todo o país”, explica Crisanti. Sem dúvida, é uma das chaves mais importantes para conter o vírus, pois, ao identificar rapidamente uma pessoa infectada e isolar seus contatos mais próximos, um surto é evitado.


Testes rápidos em escolas

O monitoramento em escolas é considerado essencial pelo governo. Para isso, foi traçado um plano para fazer testes rápidos nos institutos educacionais. Domenico Arcuti, comissário extraordinário para a emergência da Covid, explica que o plano é comprar cerca de 5 milhões de testes rápidos – chamados de testes antigênicos -, com os quais a saliva é analisada e o resultado obtido em 20 minutos.

Aeroporto

Os testes também são realizados em aeroportos para viajantes de países considerados de risco: Espanha, Grécia, Croácia e Malta, por enquanto. No aeroporto romano de Fiumicino, alguns voos já começam a viajar sem Covid: a partir de 16 de setembro, os voos da Alitalia Roma-Milão transportam apenas passageiros com resultado negativo no teste realizado no aeroporto ou nas 72 horas anteriores. A medida será estendida aos voos com destino para Nova Iorque (EUA).

Classificação “5 estrelas”

Pela série de medidas tomadas no aeroporto de Fiumicino, também conhecido como Leonardo da Vinci, a empresa londrina Skytrax, que avalia a qualidade e segurança de aeroportos e companhias aéreas, atribuiu-lhe 5 estrelas, a classificação mais elevada, pelos seus “altíssimos níveis de limpeza e manutenção aeroportuária e procedimentos de segurança”, valorizando especialmente “o controle da temperatura corporal em dois segundos com termovisores de última geração; sanitização de escala automática em pistas mecânicas e elevadores e sua excelente comunicação das regras aos viajantes”.

Presença de público em eventos 

Mais um passo na volta à normalidade, mas sempre com cautela, foi dado pelo governo italiano ao aprovar a entrada de mil torcedores nos estádios de futebol nos jogos da Série A (liga nacional de futebol do país). Outras categorias também serão ampliadas. No final de semana algumas partidas já foram disputadas com o público. Também no Torneio Internacional de Tênis em Roma, mil espectadores foram permitidos. Em 7 de outubro, o padrão será revisado para aprovar um plano compartilhado pelo governo e demais regiões. O objetivo, inspirado na cautela, é “definir um protocolo único que preveja um percentual de espectadores com base na capacidade real das instalações” para todos os esportes, segundo o ministro do Esporte, Vincenzo Spadafora.

A medida é muito significativa, mas nota-se que será necessária uma boa organização para permitir a entrada nos estádios. É lembrado, por exemplo, o jogo da Liga dos Campeões da Europa entre Atalanta (Bérgamo/Itália) e Valencia (Valência/Espanha), evento apontado por desencadear do surto que foi devastador para a cidade de Bérgamo e para toda a região norte da Itália. Na ocasião, 40 mil torcedores assistiram ao jogo na cidade de Milão e levaram o vírus para outras localidades. O alerta é do professor Agostino Miozzo, coordenador da comissão científica que assessora o governo: “Aos que pressionam pela reabertura dos estádios, recordo as dramáticas consequências que [a partida entre] Atalanta e Valencia teve no dia 19 de fevereiro. No momento temos outras prioridades, pensar em encher as arquibancadas seria uma loucura. Impedir os esforços feitos até agora não seria sensato. Vamos relembrar o que aconteceu neste verão com a reabertura das discotecas. As regiões agiram por conta própria e no final o governo foi forçado a fechar tudo”, disse Miozzo ao jornal Corriere della Sera. 

Na Espanha, por exemplo, um dos países que efetivamente observam uma segunda onda, erros foram noticiados no último final de semana. O Teatro Real de Madri foi obrigado a suspender uma apresentação de ópera após o público presente reclamar da falta de distanciamento social, possivelmente causada pela venda de ingressos acima do que é permitido. Nos Mezaninos – onde os ingressos são mais baratos – havia um grande número de pessoas.

Resultados

De maneira geral, a coordenação entre o governo e as regiões tem sido boa neste momento. O primeiro-ministro, Giuseppe Conte, é hoje o político mais popular da Itália, depois do presidente do país, Sergio Mattarella, porque sempre assumiu a responsabilidade de dirigir em primeira mão a emergência da pandemia.

A Itália também espera colher os frutos de seus esforços para conter o vírus no campo econômico. O ministro da Economia, Roberto Gualtieri, aponta que Itália será protagonista de uma recuperação recorde no terceiro trimestre de 2020 (julho, agosto, setembro). Gualtieri prevê que a recuperação será maior do que a queda acentuada no segundo semestre, que foi de 12,8%. Dada a recuperação econômica que está ocorrendo, o governo vai atualizar sua projeção de queda do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020. Essa queda, segundo o ministro, será “na casa de um dígito e em todo caso muito melhor do que outras projeções feitas anteriormente”.

Cenário atual da Europa: França, Polônia, Holanda e Espanha em alerta

Alguns países – como Albânia, Bulgária, República Tcheca, Montenegro, Macedônia do Norte – estão registrando números de casos mais altos do que no início do ano.

Bélgica, Itália e Reino Unido – estão entre os países mais afetados da Europa – estão vendo um ressurgimento, mas, pelo menos até agora, nada como o pico registrado como em março e abril. Dos três, os números do Reino Unido parecem os mais preocupantes. Foram registrados 4.368 casos ontem (21). É importante ressaltar que a situação na Itália pode ser momentânea, já que a segunda onda é perceptível.

Podemos dizer que a França, Polônia, Holanda e Espanha estão começando a lidar com a tão temida segunda onda e começaram a tomar medidas para contê-la. A França, por exemplo, declarou 13.498 novos casos no sábado (19) e a Holanda 2.215 no dia 21 – os números mais altos já registrados.

De fato, as práticas de distanciamento social, o ato de lavar as mãos (ou usar álcool gel) e a prevenção minuciosa em lares de idosos seguem como estratégia para o novo normal, ao menos até a adoção de níveis amplos de vacinação, independente do país ou região.

Com informações do site ABC (Espanha) e Euronews. Edição do Setor Saúde.



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