Gestão e Qualidade, Tecnologia e Inovação | 24 de maio de 2024

Autismo e operadoras de saúde: nem mocinho, nem vilão

Vagner Fujita (CEO da ID Health) aborda questões como exclusão de beneficiários autistas, custos, fraudes e personalização.
Autismo e operadoras de saúde nem mocinho nem vilão

Recentemente, o setor de saúde tem sido inundado com notícias sobre as iniciativas de algumas operadoras para excluir beneficiários com Transtorno do Espectro Autista (TEA) com base em regras contratuais. Essas notícias têm sido recebidas de forma bastante negativa, prejudicando todo o setor. Isso se deve, em grande parte, à assimetria de informações e à imagem negativa que a o tema revestiu a posição das operadoras e seguradoras de saúde ao longo do debate público.


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Em 2023, a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) revelou que as despesas médicas relacionadas às terapias para Transtornos Globais de Desenvolvimento (TGD) representaram 9% do total, um valor que supera os gastos com oncologia (8,7%). Isso evidencia o impacto crescente do TEA nos planos de saúde, especialmente considerando que a faixa etária afetada geralmente paga mensalidades mais baixas em comparação com grupos etários mais avançados, onde a manutenção do vínculo tende a ser mais onerosa, onde é esperado um custo médico maior.

Além do aumento na incidência de casos diagnosticados de TEA na população (não apenas no Brasil, mas em todo o mundo), o número de tratamentos também aumentou. Isso foi acelerado por mudanças nas regras da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que, por exemplo, eliminou o limite de sessões anteriormente existente.


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No cenário atual, a Lei 14454, promulgada em 2022, permite a execução de procedimentos que inicialmente não eram cobertos. Isso é possível desde que se possa comprovar a eficácia da terapia e que esta seja uma “tecnologia” – termo utilizado no setor para se referir a procedimentos – endossada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) ou por um órgão internacional de equivalência.

A ANS não permite a seleção de riscos na entrada de novos beneficiários. Os mecanismos de regulação incluem a aplicação de Cobertura Parcial Temporária (CPT), que restringe o tratamento para doenças e lesões pré-existentes, e a aplicação de carência de até 180 dias, para alguns tipos de contratos.


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Contudo, essa classificação não se aplica aos casos de TEA que não é considerado uma doença, mas sim um transtorno. Enquanto uma doença geralmente apresenta uma causa específica e sintomas bem definidos, um transtorno, como exemplo o TEA, é uma condição que impacta a saúde mental e o comportamento de uma pessoa, podendo não possuir uma causa única ou sintomas facilmente identificáveis.

Nesse sentido, a abordagem para o TEA é distinta, exigindo uma compreensão e tratamento mais complexos e individualizados.

Custos

Na prática, muitos beneficiários ingressam nas operadoras gerando custos mensais e recorrentes – muitas vezes com valores superiores a dezenas de milhares de reais -, impactando diretamente em um desequilíbrio econômico do sistema de mutualismo dos planos de saúde. Outro ponto a observar é que, considerando a escassez de recursos, o setor da saúde (público e privado) faz escolhas de priorização 100% do tempo, pois infelizmente não existe orçamento para oferecer todos os tratamentos disponíveis no mercado.


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Como um fator complicador, alguns beneficiários – frequentemente orientados e direcionados por maus prestadores de serviços – recorrem a ações judiciais para buscar atendimento que foi inicialmente negado pelas operadoras. Para se ter uma ideia da magnitude desse desafio, apenas em 2023, foram registrados mais de 219 mil novos processos relacionados à saúde suplementar. Em 2022, esse número foi de 164 mil, enquanto em 2021, foram 130 mil processos. Isso indica uma tendência crescente de judicialização na relação entre a operadora e o beneficiário.

Obviamente, os impactos assistenciais decorrentes das coberturas obrigatórias para os casos de TEA devem ser precificados e os seus tratamentos, quando devidos, devem ser incorporados pelas operadoras.

Fraudes

A maior preocupação reside nos casos de fraudes e abusos por parte dos prestadores de serviços. Exemplos dessas práticas incluem a cobrança por sessões que não foram realizadas e o excesso de tratamento, que pode resultar em estresse e prejuízo para a criança. Outra atitude que gera alerta é a aplicação de tratamentos padronizados com um número elevado de sessões, independentemente das necessidades individuais de cada paciente.

A recomendação é que o tratamento seja personalizado, levando em consideração as especificidades de cada caso. Além disso, a falta de transparência na evolução da terapia é outro desafio a ser superado, pois dificulta o acompanhamento do progresso do paciente.


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As operadoras de saúde que oferecem planos com opção de reembolso, têm observado um grande volume de fraudes. Isso ocorre quando beneficiários ou prestadores de serviços de saúde manipulam o sistema para obter ganhos financeiros indevidos. Por exemplo, um médico pode cobrar por procedimentos que não foram realizados ou um paciente pode solicitar reembolso por terapias que nunca aconteceram.

Essas práticas fraudulentas não apenas aumentam os custos para as operadoras, mas também podem comprometer a qualidade e a acessibilidade dos cuidados de saúde para todos os beneficiários. É crucial que as operadoras implementem medidas rigorosas de controle e monitoramento para detectar e prevenir fraudes.

Personalização

O desafio reside na padronização da abordagem. Me refiro à tendência de tratar todos os casos da mesma maneira, sem levar em conta as diferenças individuais. Isso pode ser problemático, especialmente quando se trata de saúde, onde cada caso é único e requer um tratamento personalizado.

No contexto das fraudes, as operadoras e seguradoras muitas vezes reagem aplicando regras rígidas de autorização de procedimentos e confirmação a partir de biometria ou token. Embora essas medidas possam ser eficazes para prevenir fraudes, a aplicação indiscriminada delas pode criar uma percepção de resistência ao tratamento, especialmente no caso de pacientes que necessitam de cuidados especiais.

Isso pode ser visto como uma contradição aos princípios básicos da saúde suplementar, que enfatizam a importância do acesso a cuidados de saúde de qualidade e a necessidade de tratamentos personalizados. Portanto, é importante encontrar um equilíbrio entre a prevenção de fraudes e a garantia de que os pacientes recebam o cuidado de que necessitam.

Ainda há muito trabalho a ser feito, mas é um passo na direção certa para garantir que todos os envolvidos na prestação de cuidados de saúde para indivíduos com TEA sejam tratados de maneira justa e equitativa.


Vagner Fujita, CEO da ID Health,  startup especializada em consultoria para identificar fraudes e abusos na área da saúde. Com mais de 15 anos de experiência em meios de pagamento e prevenção a fraudes, o  executivo acumula  vasta experiência na revisão de riscos em instituições de saúde suplementar. Além disso, Fujita também atua em áreas como compliance, controles internos e auditoria. A ID Health atua com soluções para prevenção, análise e combate a fraudes, incluindo automação de análises, criação de dossiês de fraudes e validações cadastrais automatizadas. A empresa foca em FWAE (Fraude, Desperdício e Abuso) e realiza análises de GSP (Gerenciamento de Serviços de Saúde) para redução de custo médico. 


 



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