CAR-T: Ministro da Saúde anuncia parceria para desenvolver tratamento revolucionário contra o câncer
Renato Cunha, hematologista e líder nacional de terapia celular da Oncoclínicas&Co explica como funciona a terapia revolucionária que "ensina" o sistema imunológico a enxergar e destruir células cancerígenas.
O Brasil está dando passos importantes rumo à nacionalização de uma das terapias mais promissoras da medicina moderna: o CAR-T Cell, um tratamento revolucionário contra o câncer que manipula geneticamente as células de defesa do próprio paciente para combater tumores. O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, anunciou uma parceria com os países do BRICS para desenvolver essa tecnologia em território nacional, numa tentativa de reduzir custos e ampliar o acesso a um tratamento que hoje pode ultrapassar R$ 3 milhões por paciente.
A terapia CAR-T representa um marco na oncologia mundial, com mais de 30 mil pessoas já tratadas nos Estados Unidos desde 2017. No Brasil, o primeiro paciente foi tratado de forma experimental em 2019, mas as primeiras drogas só foram aprovadas pela Anvisa em 2022.
“São drogas vivas, chamadas de terapia celular, que aprimoram o sistema de defesa do paciente para que ele promova a cura através da destruição das células do câncer”, explica Renato Cunha, hematologista e líder nacional de terapia celular da Oncoclínicas. “Dentre elas, o CAR-T é uma nova modalidade de tratamento que, pela sua importância, insere-se como um novo pilar na jornada de tratamento do paciente, junto com a imunoterapia, quimioterapia e radioterapia.”
Como funciona a revolução genética
O processo é tecnicamente complexo e altamente personalizado. As células T do sistema imunológico são extraídas do sangue do paciente através de um procedimento similar à hemodiálise, chamado aférese. Essas células são então enviadas para laboratórios especializados – atualmente localizados nos Estados Unidos ou Europa – onde passam por modificação genética.
“Um vetor viral é usado como auxiliar e introduzido na célula T extraída, que passa a reconhecer o antígeno específico do câncer e o ataca”, detalha Cunha. “É uma combinação que envolve modificação gênica, imunoterapia e terapia celular para gerar uma medicação personalizada para cada paciente.”
Após duas a três semanas, as células modificadas retornam ao Brasil e são reinfundidas no paciente, que antes passa por uma quimioterapia preparatória. Uma vez no organismo, essas células se multiplicam e atacam especificamente as células tumorais.
“De forma simplificada, as células geneticamente modificadas adquirem a capacidade de ‘enxergar’ e destruir as células cancerígenas, descobrindo onde estão os ‘inimigos’ que estavam enganando os mecanismos de resistência do sistema de defesa humano do paciente”, explica o especialista.
Resultados promissores, mas limitações claras
Atualmente, a terapia CAR-T está aprovada para um número limitado de cânceres hematológicos – aqueles que afetam o sangue, como leucemias, linfomas e mieloma múltiplo. Nesses casos, os resultados têm sido impressionantes, com casos documentados de cura em pacientes que não tinham mais nenhuma opção terapêutica.
Para tumores sólidos – como pulmão, mama, estômago e pâncreas – os resultados ainda são limitados. “O microambiente dos tumores sólidos é mais hostil: as células de defesa muitas vezes morrem antes de conseguir agir”, explica Cunha. Ainda assim, diversos estudos estão em andamento para superar essa limitação, inclusive no Brasil.
Todavia, o principal obstáculo para a democratização da terapia CAR-T está relacionado ao seu custo elevado. Entre R$ 2 milhões e R$ 3 milhões por paciente, o valor engloba todo o processo: coleta, modificação genética, envio para o exterior, internação e monitoramento especializado.
“A terapia com CAR-T é individualizada, então o custo sobe muito. Mas parte disso vem também da dependência externa”, analisa Cunha, destacando que a nacionalização poderia reduzir significativamente esses valores.
Atualmente, o SUS não oferece esse tratamento. Alguns planos de saúde cobrem as terapias celulares aprovadas pela Anvisa, como Tisa-cel, Axi-cel e Cilta-cel, mas há divergências sobre como classificar o produto – se como medicamento ou procedimento – o que tem travado parte dos reembolsos.
Nacionalização como solução
A proposta do ministro Padilha de desenvolver a produção nacional em parceria com os países do BRICS representa uma tentativa de contornar esses desafios. Algumas instituições brasileiras já iniciaram pesquisas nessa direção, com a Fiocruz e o Instituto Butantan desenvolvendo projetos para produção nacional de células CAR-T.
“Falta capacidade de produzir rapidamente grandes quantidades de células. Precisamos de novas tecnologias para o processamento”, reconhece Cunha, que também destaca os desafios técnicos da nacionalização.
Para o especialista, o desenvolvimento dessa nova frente de atuação demanda uma intensa troca de conhecimento com centros internacionais.
Avanços práticos no Brasil
Hoje, o SUS não oferece esse tratamento, mas algumas entidades privadas do país contam com autorização e estão aptas a incluir o CAR-T na linha de cuidados oncológicos. Esse é o caso da Oncoclínicas, se tornou um dos poucos centros autorizados a realizar o procedimento no país, com os primeiros tratamentos realizados em pacientes em Minas Gerais e no Rio de Janeiro.
“Contamos com uma equipe de médicos hematologistas, especialistas e outros profissionais da saúde que foram treinados para garantir o que há de melhor e mais moderno dessa nova linha de cuidado onco-hematológica”, ressalta Cunha. “Através desse modelo, conseguimos atender e encaminhar para tratamento com células CAR-T pacientes de qualquer região do Brasil.”
Para Cunha, a terapia celular marca o início de uma nova era na medicina. “Não acho que o CAR-T será uma solução única capaz de curar todos os tipos de cânceres, mas certamente é uma alternativa eficaz para uma parcela considerável de casos da doença. Cada vez mais a ciência e a oncologia caminham para tornar o câncer com altas chances de cura e, acima de tudo, com qualidade de vida”, projeta.
O Ministério da Saúde ainda não deu detalhes da parceria com o BRICS, mas a promessa de integrar o Brasil à cadeia de desenvolvimento da terapia CAR-T é vista com esperança.
Para que o plano se concretize, o líder de terapia celular da Oncoclínicas avalia que será preciso enfrentar desafios que vão além da tecnologia, principalmente o financiamento de um tratamento que, mesmo nacionalizado, continuará sendo caro devido à sua natureza personalizada. “A terapia CAR-T continua avançando no país, já oferecendo esperança para pacientes com cânceres hematológicos em estágio avançado e abrindo caminho para uma nova era na luta contra o câncer. É imperativo que sigamos buscando alternativas para que questões de acesso e custo sejam superados, permitindo que possamos oferecer com equidade a todos os pacientes brasileiros as melhores alternativas de tratamento”, finaliza Renato Cunha.