Estatísticas e Análises | 9 de setembro de 2016

Suicídio deve ser tratado sem preconceito, com informação sensível e ponderada  

Setembro Amarelo e Dia de Prevenção do Suicídio são abordados em simpósio no Hospital Moinhos de Vento
suicidio-deve-ser-tratado-sem-preconceito-com-informacao-sensivel-e-ponderada

Em alusão ao Setembro Amarelo e ao Dia Mundial da Prevenção do Suicídio (10 de setembro), o Hospital Moinhos de Vento promoveu o Simpósio Comportamento Suicida no Hospital Geral: estamos preparados para enfrentá-lo? O evento reuniu profissionais de saúde e setores envolvidos, que também precisam lidar com a questão nas suas práticas profissionais diárias.

Mais de 800 mil pessoas cometem suicídio por ano no mundo, o que representa uma morte a cada 40 segundos, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). O número de atendimentos a pessoas que tentaram o suicídio nas emergências dos hospitais gerais vem crescendo, trazendo à tona a importância de um debate sobre o assunto.

Segundo os especialistas do Serviço de Psiquiatria do Hospital Moinhos de Vento, estima-se que para cada morte por suicídio há no mínimo cinco pessoas próximas cujas vidas são afetadas. Cerca de 75% dos casos de suicídio ocorrem em países de média e baixa renda. Segundo o relatório da OMS, o Brasil é o oitavo país com mais suicídios no mundo.

Na visão de Neury José Botega (foto), psiquiatra e professor titular da Universidade Estadual de Campinas, um dos convidados da atividade, “a sociedade precisa de informação sensível e ponderada sobre o problema do suicídio, que precisa deixar de ser tabu a partir das conversas em família”.

Dr. Botega diz que o principal mito sobre o assunto é que “perguntar sobre ideias de suicídio pode instigar uma pessoa a se matar. Nada mais equivocado! Ao contrário, uma pergunta tão sensível, no meio de uma conversa franca e acolhedora, pode significar um alívio para quem realmente está pensando no assunto”.

É preciso falar sobre o assunto, e não se pode achar que alguém que diz que vai se matar está exagerando. “Ainda que uma ameaça possa ter um sentido de manipulação, ela também pode comunicar algum grau de sofrimento psíquico que precisa ser levado a sério”. Pesquisas mostram que, na maioria das vezes, as pessoas que pensam em suicídio dão pistas. “Temos dificuldade para perceber isso, para cogitar sobre essa possibilidade e conversar sobre isso”.

O especialista ressalta que o índice de suicídios é mais elevado entre idosos, “No entanto, nos últimos dez anos tem-se observado um aumento dessa taxa em adultos jovens (entre 19 e 45 anos) do sexo masculino. É intrigante o aumento nessa faixa etária. Ele pode estar relacionado às dificuldades da vida moderna relacionadas a maiores índices de depressão, isolamento, individualismo, desemprego e falta de perspectivas no futuro”.

Perceber e interpretar sinais de um suicídio é algo delicado. Neury Botega atenta para mudanças de comportamento. Pessoas que estão sofrendo podem comentar sobre morte e sobre por fim à vida. Depressão ou dependência de álcool ou outras drogas também são fatores que devem ser levados em conta. No caso de adolescentes, vários sinais de alerta também aparecem no início de quadros psiquiátricos:

Mudanças marcantes na personalidade ou nos hábitos

Comportamento ansioso, agitado, ou deprimido

Piora do desempenho na escola, no trabalho e em outras atividades rotineiras

Afastamento da família e de amigos

Perda de interesse em atividades de que gostava

Descuido com a aparência

Perda ou ganho inusitado de peso

Mudança no padrão comum de sono

Comentários autodepreciativos persistentes

Pessimismo em relação ao futuro, desesperança

Disforia marcante (combinação de tristeza, irritabilidade e acessos de raiva)

Comentários sobre morte, sobre pessoas falecidas e interesse por essa temática

Doação de pertences que valorizava

Expressão clara ou velada de querer morrer ou de por fim à vida

O psiquiatra diz que “é possível prevenir uma parcela de mortes por suicídio, principalmente nos casos em que a pessoa sofre de depressão ou de outros problemas mentais, como, por exemplo, alcoolismo, transtorno bipolar, esquizofrenia e traços impulsivos/agressivos de personalidade. Diagnosticar precocemente e tratar essas doenças  ajuda a prevenir o suicídio. Há outras estratégias de prevenção, voltada ao grande público, como a restrição de acesso a meios letais e a veiculação adequada dos casos de suicídio pela imprensa e redes sociais”.

Por ser um tema tabu, a implantação de medidas preventivas é, muitas vezes, dificultada. “Como não se fala sobre o assunto, como em geral os meios de comunicação evitam divulgar o assunto, pode ficar a impressão de que o problema não existe. E diariamente, no Brasil, ao menos 38 pessoas põem fim à vida. Isso não aparece em manchete de nenhum telejornal, mas é um contingente enorme de mortes. Pelo menos uma parcela de mortes poderia ser evitada. O desconhecimento atrapalha a prevenção do suicídio. O primeiro passo é a informação e discussão no lugar do preconceito”.

O especialista ressalta que a maioria dos suicídios ocorre por conta de problemas mentais (em especial, a depressão) e abuso de drogas (álcool, principalmente), mas outros motivos influenciam. “Há pessoas que, mesmo não sofrendo de um transtorno mental, podem chegar ao suicídio, notadamente as que sofrem de doenças crônicas incapacitantes ou que sofrem o impacto de um acontecimento que leva ao colapso existencial”.

Luto 

“O luto por suicídio é mais difícil, porque há uma mistura de sentimentos e, ao mesmo tempo, um tabu social que impede falar sobre suicídio. A morte, nesses casos, acaba sendo uma tragédia silenciosa e silenciada”.

A melhor forma de familiares e pessoas próximas lidarem com o suicídio, ou com um possível suicida, é a dedicação, ouvir a pessoa com atenção, respeito e sem julgamentos. “Então, se possível, viabilizar um atendimento e acompanhá-la até um profissional de saúde mental. A pior forma é dizer que quem quer se matar se mata mesmo; é recitar uma cartilha moral contra o suicídio; é achar que alguém ameaça só para manipular”.

Entre os jovens, um bom caminho seria abordar o tema indiretamente. “Falemos sobre stress, depressão, drogadição, a dificuldade que às vezes temos de lidar positivamente com as adversidades. A temática do suicídio virá naturalmente, como uma triste consequência dos problemas que acometem algumas pessoas”.

VEJA TAMBÉM