Gestão e Qualidade | 17 de novembro de 2015

Oncologia em hospitais de pequeno porte x Centros de Câncer complexos

Desafios, perspectivas e diferenciação em diferentes modelos nos EUA
Oncologia em hospitais de pequeno porte x Centros de Câncer complexos

Nos EUA, hospitais, sistemas de saúde e grupos médicos estão construindo novos centros de oncologia. Esta é uma tendência que busca fornecer uma resposta ao envelhecimento da população e ao aumento no número dos diagnósticos de câncer. Especialistas alertam, porém, para o perigo do surgimento de prestadores inaptos para entrar neste mercado, sem ter condições apropriadas para oferecer serviços de qualidade. Contra isto, sugerem parcerias com grandes centros, ou investimento em cuidados coordenados, não apenas em estruturas físicas e equipamentos.

Uma pesquisa da empresa de consultoria Advisory Board Co., no ano passado, constatou que 28% dos sistemas de saúde analisados tinham construído um novo centro de câncer nos três anos anteriores. Outro estudo estimou que haverá um aumento de 45% em diagnósticos de câncer em 2030. O Instituto Nacional do Câncer dos EUA (NCI, na sigla em inglês) estima que o gasto com o tratamento do câncer pode chegar a US$ 207 bilhões em 2020, acima dos US$ 125 bilhões de 2010.

Conforme o dinheiro é investido em novos centros, os prestadores enfrentam a competição pelo fluxo de clientes/pacientes, e cresce o desafio de comercializar de forma eficaz os serviços de oncologia para distingui-los dos seus concorrentes. Isso é particularmente difícil para hospitais pequenos, de localidades com menos recursos para investir em grandes centros de oncologia. Enquanto isso, alguns especialistas levantam questões sobre a precisão e a ética de campanhas de marketing envolvendo oncologia, e essas preocupações tendem a se tornar mais difundidas com o aumento de tratamentos contra câncer.

“A população norte-americana, diante de um diagnóstico de câncer, tradicionalmente procura os centros de oncologia prestigiados das grandes cidades. Mas, como o número de pacientes cresce e a abordagem para o tratamento se torna mais personalizada, com maior suporte social, há mais demanda por cuidados em nível local”. Instituições e grupos de médicos em todo o país estão respondendo a essa demanda, dado que o tratamento do câncer pode trazer um importante retorno financeiro.

“Alguns hospitais têm construído novas instalações de câncer depois de terem comprado ou se afiliado a instituições especializadas em oncologia”, destaca Jessica Turgon, gestora de prática de serviços oncológicos da ECG Management Consultants, dos EUA, em matéria do portal modernhealthcare.com. “Os sistemas estão tentando fornecer uma venda única (one-stop shopping) para tornar mais fácil o tratamento do câncer em pacientes”, diz a especialista.

O cenário levanta questões sobre como os consumidores podem saber se eles vão receber a mesma qualidade de atendimento em um hospital comunitário, do que se procurassem um grande centro de oncologia. “Há apenas 45 centros ligados ao National Cancer Institute (NCI), enquanto há cerca de 1,5 mil programas de câncer credenciados pela Comissão do Câncer, que é administrado pelo Colégio Americano de Cirurgiões. O NCI coordena o Programa de Câncer Nacional Americano e conduz e apoia pesquisas, treinamentos, disseminação de informações sobre saúde e outras atividades relacionadas às causas, prevenção, diagnóstico e tratamento do câncer, além de promover apoio a pacientes de câncer e seus familiares.

Determinar a qualidade do atendimento não é fácil para pacientes com câncer”, analisa Ann Geiger, diretora associada do Departamento de Pesquisa em Cuidados de Saúde do NCI. “Não há muitas boas informações lá fora, com as quais os pacientes podem tomar decisões”, afirma.

Dr. Randall Holcombe, diretor médico do tratamento do câncer no Sistema de Saúde Monte Sinai, em Nova York, disse que é fundamental para um programa não apenas fornecer todas as peças do tratamento do câncer, mas coordená-las. “Alguns lugares chamam-se de centro de câncer, mas realmente não fornecem cuidados coordenados”, alertou. “Pode ser uma jogada de marketing para encorajar os pacientes a buscarem ajuda”.

Filiações a Centros de Referência

Para demonstrar qualidade, alguns hospitais comunitários filiam-se a um centro de grande nome. O MD Anderson Cancer Center, na Universidade do Texas, planeja acrescentar até seis instituições parceiras que pretendem fornecer um atendimento no mesmo nível do prestado no MD Anderson. O plano da instituição também envolve oferecer uma rede de hospitais comunitários com “associação certificada”. Até agora, 13 hospitais aderiram ao programa. Um deles (Community Health Network, em Indianapolis), relata que em três anos, a sua afiliação junto ao MD Anderson aumentou o volume de pacientes com câncer em 250%. “A missão do MD Anderson é erradicar o câncer”, afirma Amy Hay, vice-presidente de Desenvolvimento de Mercado Global da MD Anderson. “Para isso, temos de ter um impacto em todo os EUA e no mundo”.

Da mesma forma, a ProHealth Care, em Milwaukee, está se unindo ao centro oncológico da Universidade de Wisconsin Carbone. A ProHealth abriu seu centro oncológico em agosto, com um investimento de US$ 70 milhões.

Para hospitais comunitários que estão construindo novos centros de câncer sem o apoio de uma marca de prestígio, sua comercialização geralmente incide sobre os benefícios de obter o tratamento do câncer de qualidade perto de casa. Isso é cada vez mais importante para pacientes submetidos a longos ciclos de tratamento com graves efeitos colaterais.  “Quando se trata dos tipos mais comuns de câncer, hospitais comunitários são muitas vezes bem equipados para fornecer excelente atendimento”, disse Lindsay Conway, diretora de Pesquisas e Ideias do Advisory Board.

Outro exemplo vem do Baptist Health Paducah, na cidade do mesmo nome, localizada no Estado de Kentucky, que em setembro abriu um centro de oncologia, cujo investimento foi de US$ 8,3 milhões em salas de quimioterapia privada, espaço familiar, laboratório e consultórios médicos, além de um centro de radioterapia. O objetivo é incentivar a parceria com outros centros de tratamento, distantes do Baptist Health Paducah, oferecendo uma alternativa local para pacientes, que deixariam de viajar longas distâncias. A instituição não vê essa expansão como um desafio para concorrentes, onde os pacientes da própria Paducah, ainda podem buscar uma segunda opinião ou cuidados altamente especializados.

No Estado rural de Maine, próximo ao Sul do Canadá, onde a maioria dos moradores não tem acesso próximo de um centro médico acadêmico, o New England Cancer Specialists adotou um “modelo doméstico” (home model) de oncologia junto a seus 13 oncologistas. Cada especialista lidera uma equipe multidisciplinar que presta o atendimento aos pacientes. Steve D’Amato, diretor executivo de oncologia, revelou que com a expansão de modelos de pagamentos alternativos, a única maneira da ampla prática da oncologia sobreviver no futuro, será proporcionando atenção integral. Isso inclui acesso a ensaios clínicos, testes genéticos, reabilitação oncológica, medicina funcional, apoio de longo prazo para pacientes com câncer e em cuidados paliativos.

O que caracteriza um Centro de Oncologia?

Não existe uma definição consolidada do que é um centro de oncologia. Instalações que assim se denominam podem oferecer um ou toda uma gama de serviços, incluindo diagnóstico por imagem, cirurgia, radioterapia, quimioterapia, imunoterapia, acesso a ensaios clínicos, serviços de apoio (como fisioterapia, reabilitação, nutrição e cuidados paliativos).

No seu programa de acreditação, a Comission on Cancer separa o tratamento de câncer em várias categorias, incluindo redes integradas, programas acadêmicos, programas comunitários e centros de “livre-permanência” (free-standing). A NCI lista 69 centros abrangentes de oncologia que têm uma orientação de pesquisa.

A Association of Community Cancer Centers tem cerca de 20 mil membros que trabalham em equipes multidisciplinares, em várias configurações. Há, ainda, a Alliance of Dedicated Cancer Centers, que compreende 11 instituições fora do DGR (sigla para Grupos de Diagnósticos Relacionados) do sistema público norte-americano desde 1983, porque se dedicam a tratar apenas uma doença.

Para se diferenciar na concorrência, uma possibilidade é a afiliação a um prestigiado centro médico acadêmico, que disponibiliza especialistas em câncer de confiança ou uma estrutura moderna. “É tudo uma questão de posicionamento. Depende do que você está enfrentando no mercado”, afirma Chris Bevolo, vice-presidente executivo de engajamento do consumidor na ReviveHealth. O marketing deve ser direcionado tanto para médicos quanto para pacientes. Aqueles com diagnósticos graves ou raros, são mais propensos a buscar uma segunda opinião ou se consultar com um sub-especialista. “As pessoas estão dispostas a ir muito mais longe para procedimentos cirúrgicos ou situações de risco de vida”, observa Bevolo. “Isso é um desafio para o hospital da comunidade”, analisa.

Comunicação

Boa parte da publicidade dos centros de oncologia é simples e emocional, de acordo com pesquisa publicada em 2014 na revista Annals of Internal Medicine em 2014. A análise de anúncios em revistas e TV de 102 instituições de câncer, em 2012, constatou que 85% usava apelos emocionais, 61% evocavam esperança de sobrevivência e 41% representavam o tratamento do câncer como uma luta ou batalha. Os tratamentos foram promovidos em 88% dos anúncios e 27% descreveram os benefícios. Mas apenas 2% falaram sobre os riscos do tratamento, e 5% citaram os custos ou as doenças inclusas nos planos de saúde.

Enquanto o marketing argumenta que os anúncios de hospitais oferecem informações úteis, os pesquisadores que estudam estes anúncios ficaram “desapontados” com as informações fornecidas, disse uma das autoras do estudo, Dra. Yael Schenker, professora assistente de medicina na Universidade de Pittsburgh. “Apelos emocionais são mais persuasivos do que fatos concretos”, disse ela, mas isso não autentica a qualidade de uma instituição.

Em um artigo publicado no início deste ano no Journal of Policy Cancer, o Hospital Mount Sinai expressou preocupação com a ética do marketing no tratamento do câncer, e sugeriu a necessidade de regulamentação da Joint Commission (entidade acreditadora americana). ” Há uma quantidade significativa de concorrência entre os centros de oncologia… e pacientes com câncer são particularmente vulneráveis” ao marketing, diz o artigo. Isso porque eles podem se assustar com o diagnóstico e sentir um senso de urgência na obtenção de tratamento, alerta o comunicado da instituição. “Os pacientes com câncer podem ver um anúncio que diz ‘eu fui tratado aqui e um quase-milagre aconteceu’. As pessoas vão esperar por isso, mesmo que haja uma pequena escrita na tela que diz que isso não é típico. Esses tipos de anúncios estão na fronteira enganosa e devem ser evitados, se possível”, diz o artigo.

No entanto, não é fácil para os hospitais desenvolverem anúncios de tratamentos com informações mais substantivas, que os consumidores possam entender e usar. “Muitas pessoas gostam de pensar que se nós deixarmos os consumidores perdidos com as informações, isso irá resolver todos os os problemas”, disse Bevolo. Ele considera “uma coisa realmente complexa” escolher o centro oncológico que melhor atende um paciente em particular.

Dados de sobrevida, por exemplo, são as métricas mais comuns utilizadas para avaliar o tratamento do câncer. Mas devido às complexidades estatísticas de publicar essas taxas de sobrevivência, a Commission on Cancer solicita aos seus credenciados, que não usem esses dados em seus materiais de marketing. Em fevereiro, a comissão sugeriu aos programas de câncer que “publicar as taxas de sobrevida ou de risco sem ajustes, com ou sem intervalos de confiança e interpretação estatística, pode levar a conclusões errôneas”.

Muitos centros usam a acreditação para mostrar a sua qualidade. Mas isso pode ser confuso para os consumidores, alerta o Advisory Board’s Conway. Um levantamento do Conselho Consultivo, com cerca de 400 pacientes com câncer, descobriu que a acreditação não era importante para eles na avaliação de potenciais fornecedores. Suas principais preocupações eram um médico especializado no tipo específico de câncer, a tecnologia e as opções de tratamento que a instituição oferecia, além da qualidade clínica. Há outras maneiras mais fáceis de descrever a qualidade do atendimento, como a garantia de uma consulta dentro de um ou dois dias após o contato do paciente. Também é útil, para os pacientes, conhecer a equipe que prestará o serviço.

O Nebraska Medicine, em Omaha, publica vídeos dos seus médicos no YouTube, que discutem opções de tratamento, como uma maneira de apresentar ao público o estilo e a personalidades dos médicos. Em última análise, os pacientes buscam atendimento onde os seus médicos e seguradoras encaminham. Mas se eles têm alguma escolha, a publicidade pode fazer a diferença.

 

* com informações modernhealthcare 

VEJA TAMBÉM