O futuro da saúde passa pelo combate ao desperdício de recursos
Em artigo, André Machado (CEO da Maida Health), aponta caminhos para enfrentar as ineficiências e os gastos desnecessários na saúde.
O combate ao desperdício é a chave para garantir o futuro das operadoras de planos de saúde com aumento no número de pessoas beneficiadas e manutenção da qualidade dos serviços. Medir com exatidão o problema é difícil. Mas estudos indicam que algo entre 20% e 30% dos recursos destinados à saúde são perdidos devido a ineficiências do sistema. As causas são variadas – e se espalham por toda a cadeia de cuidado.
A repetição desnecessária de exames, por exemplo, é citada com frequência por especialistas. Mas há gargalos bem menos “óbvios” que precisam – e podem – ser reparados. A baixa adesão a exames preventivos, como o de câncer de intestino ou de colo de útero, por exemplo, pode resultar na demora de diagnósticos – o que exige tratamentos mais dispendiosos e – pior – expõe pacientes a riscos evitáveis. A desatenção ao calendário vacinal e o descuido com a gestão de pacientes crônicos (diabéticos e hipertensos, principalmente) também são exemplos de falhas do sistema que drenam recursos.
Na saúde suplementar, dados atuais podem passar impressão errada ao observador pouco atento. Depois de amargar resultados operacionais negativos que passaram dos R$ 15 bilhões nos anos pós-pandemia (2022 e 2023), no ano passado as empresas do setor registraram resultado operacional positivo acima de R$ 4 bilhões. E no primeiro trimestre deste ano, segundo a Agência Nacional de Saúde, a diferença entre as receitas e despesas diretamente relacionadas às operações de assistência à saúde foi de R$ 4,4 bilhões (em favor das receitas).
Longe de afastar para todo o sempre os desafios que precisam ser enfrentados pelas empresas, o momento positivo deve garantir fôlego para que ações estruturais sejam implementadas e aumentem a eficiência a longo prazo. O essencial é usar todas as ferramentas disponíveis, que incluem desde a inteligência artificial até o tradicional trabalho do médico de família, para que haja diminuição de desperdício com manutenção – e idealmente melhoria da qualidade da assistência aos beneficiários.
Não é de hoje que o setor enfrenta desafios importantes. O número de operadoras médico-hospitalares em atividade no País caiu de 828 para para 671 nos últimos dez anos. Por outro lado, o total de beneficiários passou de 47 milhões em 2019 para 50,5 milhões em 2022 e agora atingiu o pico de mais de 52 milhões de pessoas.
São números grandiosos, que ajudam a entender o presente do setor, mas que precisam ser vistos em perspectiva. No primeiro trimestre, a sinistralidade no setor foi a menor registrada para o período pelo menos desde 2018. Os procedimentos pagos consumiram 79,2% das receitas. Em anos anteriores, o percentual ficou sempre acima de 80% e variou entre 80,7%, em 2020, e 87,2% em 2023. O relatório, da ANS, traz uma conclusão que preocupa: “A redução da sinistralidade nos números agregados é explicada principalmente pela recomposição das mensalidades em proporção superior à variação das despesas assistenciais, movimento percebido no setor desde 2023 e mantido no período observado, além de outras receitas não oriundas diretamente das mensalidades do plano de saúde, o que deixa o cenário mais positivo.”
Inviável, porém, pensar que uma política agressiva de reajustes poderá ser mantida a longo prazo – ao menos sem afastar beneficiários dos planos. Esse não é o interesse das próprias operadoras. Financiada principalmente por empresas que oferecem o benefício a seus colaboradores, a saúde suplementar só vai crescer, o que é essencial até para diminuir a pressão sobre o Sistema Único de Saúde, ao conseguir praticar preços que não comprometam a rentabilidade dos seus clientes corporativos.
Por outro lado, se nada for feito, a tendência é de alta constante nos custos. A população está envelhecendo, o que aumenta o número de pacientes crônicos, novas tecnologias e medicamentos são incorporados constantemente aos tratamentos, e levantamentos de entidades como a Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed) indicam tendência de crescimento na demanda por alguns procedimentos.
Pode parecer paradoxal, mas não é. A saída desse dilema passa pela oferta de mais saúde aos indivíduos. Isso inclui projetos estruturados de prevenção e gestão de crônicos. Uso intensivo de tecnologia de gestão. Oferta de Atenção Primária à Saúde. Segmentação de beneficiários e controle próximo de perfis mais expostos a doenças. Tudo isso gera redução de gastos desnecessários – e remete ao início desse texto. Como dito, parcela importante dos recursos destinados à saúde no País (um orçamento bilionário, não custa lembrar) é desperdiçada. Imagine o impacto transformador para todo o sistema se fizermos um esforço efetivo para salvar parcela desses recursos.