Novas técnicas e fracionamento de doses mudam panorama da radioterapia em câncer de próstata
Recursos que direcionam a distribuição das doses de radiação diretamente no tumor, como a técnica IMRT.No Brasil, ao menos seis entre dez homens com diagnóstico de câncer de próstata são submetidos à remoção cirúrgica do órgão (prostatectomia radical). Porém, observa a Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT) uma boa parte desses pacientes poderia se beneficiar de um tratamento conservador feito com radioterapia, que usa raios ou partículas de alta energia para matar as células cancerígenas.
“Existe um viés de seleção. Na maioria das vezes, o câncer é descoberto por um médico que é também cirurgião e que oferece o tratamento operatório como primeira opção. Porém, diversos casos teriam também a indicação de radioterapia, com ou sem associação de medicamentos”, diz o médico radio-oncologista Elton Trigo Teixeira Leite, da SBRT. De acordo com o especialista, esse é um dos motivos pelos quais as cirurgias de prostatectomia radical (a remoção completa da próstata) em casos de câncer inicial ainda são muito mais frequentes no Brasil do que em outros países do mundo.
Os principais tipos de radioterapia utilizados para pacientes diagnosticado com câncer de próstata são a radioterapia de feixe externo e a braquiterapia (radioterapia interna com sementes de iodo ou cateteres com irídio). “Diversos estudos evidenciam que, nos casos iniciais, as taxas de cura da cirurgia, radioterapia externa ou braquiterapia são similares”, diz o radio-oncologista Teixeira Leite, da SBRT,
DOSES MAIS ALTAS EM MENOS TEMPO
A radioterapia externa é a mais usada no câncer de próstata e pode ser feita por meio de várias técnicas: conformacional 3D, intensidade modulada (IMRT), guiada por imagem (IGRT), arcoterapia volumétrica modulada (VMAT), assim como a estereotáxica e a com feixe de prótons. Todas essas modalidades usam imagens do tumor (por tomografia computadorizada, ressonância magnética ou tomografia por emissão de pósitrons) na fase de planejamento prévio das doses. “O objetivo é entregar uma dose maior de radiação no volume-alvo e proteger os tecidos normais ao redor do tumor”, explica o médico.
Um dos grandes avanços da radioterapia externa é o hipofracionamento das doses. “Antes, a radioterapia era feita em 32 a 40 aplicações com folga nos finais de semana, que agora pode ser feita em cerca de 20 sessões depois que uma série de estudos comprovou que dar doses mais concentradas em menor quantidade de dias beneficia o paciente. Entregamos a mesma quantidade de radiação sobre as células cancerígenas, com a mesma eficácia, em 20 a 28 aplicações”, diz o especialista. Dá-se a esse protocolo o nome de radioterapia hipofracionada moderada.
Novos estudos investigam resultados e indicações do ultra hipofracionamento, técnica que permite a aplicação da dose prescrita de radioterapia em cinco dias alternados e já é oferecida em hospitais. “Estudos comparativos em curso entre o método ultra hipofracionado e o fracionamento convencional têm evidenciado a mesma eficácia e segurança”, explica o médico. Nesses trabalhos, os pesquisadores observam, por exemplo, os efeitos colaterais do hipofracionamento e da técnica convencional no reto, bexiga, efeitos urinários, gastrointestinais e no controle da doença, entre outros aspectos.
Sociedades de especialidade no mundo e no Brasil, como a Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT), recomendam fortemente o hipofracionamento. “Como os resultados desses estudos têm sido bastante favoráveis, podemos dizer que o hipofracionamento tem se tornado o padrão no tratamento do câncer de próstata”, diz o especialista.
O radio-oncologista lembra que a maior parte desses estudos foi feita com a radioterapia conformacional (3D-CRT), também chamada de tridimensional, que utiliza imagens do tumor obtidas por ressonância magnética ou tomografia para que softwares façam, com precisão, o mapeamento do tumor e da próstata. “Os feixes de radiação são definidos e direcionados para a próstata em várias direções, o que torna menos provável o dano aos tecidos e órgãos normais ao redor”, explica Teixeira Leite.
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RADIAÇÃO MODULADA
Uma forma mais aprimorada de radioterapia tridimensional é a radioterapia de intensidade modulada (IMRT), feita com uma máquina controlada por computador que se move ao redor do paciente enquanto fornece radiação. Além de moldar os feixes e direcioná-los para a próstata de vários ângulos, a intensidade dos feixes pode ser ajustada para limitar as doses de radiação que atingem os tecidos normais próximos. Isso permite que os médicos apliquem uma dose de radiação ainda maior ao câncer.
A realização da radioterapia ultra hipofracionada, em cinco sessões, exige máquinas de radiação com mais recursos tecnológicos, como explica o radio-oncologista Teixeira Leite. Algumas máquinas mais recentes têm sido equipadas com scanners de imagem integrados, uma inovação conhecida como Radioterapia Guiada por Imagem (IGRT). Como descreve a American Cancer Society, esse avanço permite ao médico tirar fotos da próstata pouco antes de aplicar a radiação para fazer pequenos ajustes na mira, ajudando a distribuir a radiação com mais precisão e ainda menos efeitos colaterais.
OS BENEFÍCIOS DA BRAQUITERAPIA
A braquiterapia, também conhecida como radioterapia interna, é um tratamento para o câncer de próstata feito com pequenas sementes radioativas inseridas diretamente na próstata. O método vem sendo utilizado em casos de câncer de próstata em estágio inicial e de crescimento mais lento. A técnica também pode combinada com radioterapia externa, dependendo do risco de disseminação do câncer. Exames de imagem orientam a colocação das sementes radioativas. Softwares específicos calculam a dose de radiação necessária.
O método pode ser empregado de forma permanente ou temporária. Na braquiterapia permanente, as sementes radioativas colocadas na próstata emitem radiação de baixa dose por semanas ou meses. Quando é temporária, doses mais altas são despejadas em curto período de tempo. A braquiterapia apresenta alguns riscos e efeitos colaterais, como problemas intestinais, urinários e de ereção, muitos dos quais podem ser gerenciados com o acompanhamento médico adequado.
DESAFIOS PARA AMPLIAR O ACESSO
O Brasil enfrenta desafios para ampliar o acesso à radioterapia. Na saúde suplementar, há um intenso debate entre as operadoras e prestadores de serviços sobre os valores a serem reembolsados, considerados muito baixos frente ao custo dos equipamentos. “Isso cria um desequilíbrio que prejudica, inclusive, o acesso às tecnologias mais recentes”, observa o radio-oncologista Teixeira Leite. De acordo com o relatório do Projeto RT2030 – Plano de Desenvolvimento da Radioterapia para a Próxima Década, apenas 51% dos serviços existentes no país oferecem a radioterapia de intensidade modulada (IMRT). O levantamento foi publicado em 2019 pela Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT) para compartilhar essas informações.
INDICAÇÕES BEM ESTABELECIDAS
A radioterapia para o câncer de próstata segue as indicações estabelecidas pelas sociedades de especialidade de acordo com a classificação do tumor (o seu estadiamento), que define o risco. A orientação vigente da American Cancer Society (ACS) é que a radioterapia pode ser indicada como primeiro tratamento, com taxas de cura similares às de homens submetidos à prostatectomia radical, para o câncer de próstata inicial, sem metástases.
Como a tendência do câncer de próstata é crescer lentamente, alguns homens poderão ser colocados em um protocolo de vigilância ativa, sem radio ou cirurgia e com uma rotina consultas periódicas, exames e, se necessário, exames de imagem e biópsias. “Mantemos o paciente nessa monitorização e passamos a tratar somente se o paciente evolui para um risco intermediário, o que acontece quando o tumor aumenta ou o exame PSA (antígeno prostático específico) começa a subir rápido demais”, explica o radio-oncologista.
A radioterapia também é frequentemente recomendada como primeiro tratamento quando o tumor extravasou a cápsula prostática ou invadiu a vesícula seminal. Esses pacientes se beneficiam da radioterapia em associação ou não com a terapia hormonal, imunoterapia (classe de medicamentos que atua sobre o sistema imune do paciente) ou terapias-alvo (agem sobre as células tumorais). Nesses casos, é chamada de radioterapia neoadjuvante e feita para diminuir a massa tumoral antes da cirurgia.
Após a cirurgia, a radioterapia pode ser aplicada nos casos em que as células tumorais não foram completamente removidas ou em caso de recidiva na área da próstata (pós-operatória). “Temos feito mais tratamentos com radioterapia em pacientes que fazem a cirurgia, tem o PSA zerado e depois começam a ter um aumento desse marcador, que é altamente sensível. Chamamos essa situação de recidiva bioquímica. Mas há um momento certo para essa intervenção, que é quando o resultado dos exames de PSA ultrapassam 0,1, uma fase conhecida como resgate precoce”, explica Teixeira.
Em casos mais avançados, a radioterapia é utilizada para controlar o tumor pelo maior tempo possível e para prevenir ou aliviar sintomas, como orienta a American Cancer Society.
OS NÚMEROS DO CÂNCER DE PRÓSTATA
O Instituto Nacional do Câncer (INCA) estima que o Brasil terá cerca de 71.740 novos casos por ano no período 2023-2025. É o segundo câncer mais frequente em homens, precedido apenas por tumores de pele não melanoma. Até o momento, o Brasil ocupa o quarto lugar na lista dos países com maior número de casos de câncer de próstata. À frente estão Estados Unidos, China e Japão. Mais de 1,4 milhão de novos casos e 375 mil mortes pela doença são notificados a cada ano em todo o planeta, segundo a Agência Internacional para Pesquisa do Câncer (IARC) da Organização Mundial da Saúde.