Novas opções terapêuticas e mais qualidade de vida para o câncer de pulmão
Jornal português aborda as discussões da conferência “Inspired Evolution”, ocorrida em LisboaEm artigo do jornal Público, de Portugal, são analisados novos paradigmas e caminhos de inovação que têm permitido dar mais e melhor qualidade de vida aos pacientes com câncer de pulmão. O artigo aborda a 13ª edição da conferência “Inspired Evolution”, ocorrida no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, no dia 9 de fevereiro, para debater o tema “Novas terapêuticas no carcinoma do pulmão”.
Integrado no painel “Facing the challenges of new lung cancer drugs”, António Araújo, diretor do Serviço de Oncologia do Centro Hospitalar Universitário do Porto (CHUP) e professor catedrático do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto, falou do papel do médico no que respeita às novas opções terapêuticas. “Quando tenho um paciente à minha frente, tento aumentar a quantidade e a qualidade de vida, a um custo razoável para a instituição e para a sociedade”, referiu.
A inovação tem um impacto claro e positivo na vida dos pacientes, mas são muitos os desafios colocados aos médicos. Uma vez que cerca de 60 a 70% dos pacientes procuram ajuda especializada muito tarde e em estágios mais avançados da doença, é preciso destacar as alternativas de tratamento. “Esta doença não dá grandes opções. Se errarmos à primeira tentativa, pode evoluir rapidamente e não permitir grande alternativa de tratamento”, alerta o médico oncologista.
No entanto, existem novas terapêuticas que ajudam a tratar melhor. É o caso da Medicina de Precisão ou Medicina Personalizada, que permite adaptar o tratamento a cada doença. “Atualmente, com a determinação de alvos no tumor – responsáveis pelo seu desenvolvimento – podemos utilizar terapias dirigidas a esses alvos, bloqueá-los e impedir o seu desenvolvimento. Também com o advento da imunoterapia, mudou-se o paradigma do tratamento do câncer de pulmão, pois permite não tratar diretamente o tumor e modelar o sistema imunológico do doente para que seja o mesmo a tratar o câncer”, explica António Araújo.
Medicina de precisão
É uma tecnologia em ascensão utilizada para o tratamento e prevenção de doenças, com base na variabilidade genética de cada indivíduo. Para o tratamento de uma doença, a medicina de precisão não leva em consideração apenas qual é a doença em si, mas também quais mutações existem no DNA do paciente e o seu estilo de vida.
Um dos desafios que se coloca aos médicos para dar resposta às várias opções terapêuticas que têm vindo a surgir, é a questão dos biomarcadores preditivos de resposta ao tratamento [alterações genéticas do tumor que predizem resposta ao tratamento]. “É fundamental que o médico possa ter acesso à determinação dos biomarcadores para poder escolher o melhor medicamento possível para o seu paciente. Mas a porcentagem de médicos que acede aos mesmos ainda é relativamente baixa, e isso verifica-se, não só a nível nacional, como a nível europeu”, lamenta o professor, justificando a situação com o fato destas tecnologias serem ainda muito recentes e estarem associadas a custos elevados.
Pacientes no centro da decisão
Esta edição do “Inspired Evolution” deu também destaque ao papel aos pacientes – uns com maior conhecimento em saúde do que outros – nas decisões a tomar diante das opções de tratamento que são apresentadas. Fernando Barata é presidente do Grupo de Estudos do Cancro do Pulmão e diretor do Serviço de Pneumologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), de Portugal, e moderou a mesa redonda intitulada “What lays ahead”, dedicada à apresentação de dois estudos internacionais que demonstraram os benefícios de outras terapias em pacientes que eram tratados apenas com quimioterapia e que passaram a receber tratamentos que conjugam imunoterapia, de forma concomitante.
O caminho de evolução terapêutica tem sido inspirador, como se constatou na reunião, e motivador para uma melhor prática clínica. “No início deste milênio, tratávamos praticamente todos os doentes em fase avançada da doença com quimioterapia, mas temos hoje uma série de opções (terapia alvo e imunoterapia) com fármacos muito melhor tolerados, e que permitem que o doente siga a sua vida normalmente, o que tem sido um avanço extraordinário”, destaca Barata.
Como resultado, tem sido possível aumentar a esperança média de vida de doentes em estágio avançado de câncer de pulmão. Algumas apresentações do “Inspired Evolution” destacaram a importância dos médicos compartilharem as opções terapêuticas com os doentes para, em conjunto, decidirem a melhor abordagem. Participou do evento a Pulmonale – Associação Portuguesa de Luta Contra o Câncer do Pulmão – que explicou alguns dos objetivos da associação na capacitação dos doentes, através de disseminação de informação crível e atualizada, apresentando ainda algumas campanhas desenvolvidas para sensibilização da população.
Fornecer ao doente informação fidedigna, colocando-o no centro do sistema, é essencial na prestação de cuidados. “Há muito mais informação hoje e temos de partilhar, com os doentes, os vários passos que vamos dando ao longo do tratamento”, salienta. Tanto eles, como alguns familiares e cuidadores – que acabam por ter um papel também importante nas consultas e em todo o processo – são uma espécie de elementos da equipe.
Em conclusão, ficou evidente na conferência o equilíbrio necessário entre transmitir informação correta ao paciente, adaptando-a ao seu grau de conhecimento, dando-lhe também tempo para esclarecer dúvidas, exprimir anseios e receios, sendo função do médico explicar qual o melhor caminho a seguir. A decisão será sempre do paciente.
Oncologia em Portugal
Fernando Barata não tem dúvidas. “Portugal está equiparado aos países que estão na linha da frente na área oncológica”. Mas destaca as exigências trazidas pela adequada gestão em saúde, o fato dos recursos serem finitos, sendo necessária uma avaliação criteriosa que passa por selecionar bem os pacientes e as terapêuticas a instituir, doença a doença. “Em novas e inovadoras terapêuticas com resultados extraordinários, gostaríamos que o parecer positivo fosse dado o mais precocemente possível. Temos que alterar o paradigma de sermos sistematicamente dos últimos da Europa a utilizar os novos tratamentos”, defende.
António Araújo também referiu estas dificuldades na sua apresentação: “ Estamos atravessando um constrangimento grande no acesso à inovação”, enfatiza. Mas aproveita para deixar uma nota positiva e de confiança. “Há que ter consciência que, em Portugal, se continua a fazer da melhor Medicina que existe a nível mundial para lá de todos os constrangimentos existentes. Temos excelentes médicos que lutam todos os dias contra as limitações burocráticas e orçamentais dos Conselhos de Administração para conseguirem as melhores opções terapêuticas para os seus doentes”, conclui o médico, como forma de reforçar a confiança que os mesmos devem ter nos cuidados de saúde prestados em Portugal.
Câncer de pulmão no Brasil
De acordo com Instituto Nacional de Câncer (Inca), o câncer de pulmão é o segundo mais comum em homens e mulheres no Brasil (sem contar o câncer de pele não melanoma). É o primeiro em todo o mundo desde 1985, tanto em incidência quanto em mortalidade. Cerca de 13% de todos os casos novos de câncer são de pulmão.
A última estimativa mundial (2012) apontou incidência de 1,8 milhão de casos novos, sendo 1,24 milhão em homens e 583 mil em mulheres. De acordo com o Inca, a taxa de incidência vem diminuindo desde meados da década de 1980 entre homens e desde meados dos anos 2000 entre as mulheres. Essa diferença deve-se aos padrões de adesão e cessação do tabagismo constatados nos diferentes sexos.
No Brasil, a doença foi responsável por 26.498 mortes em 2015 (15.514 em homens e 10.978 mulheres). No fim do século XX, o câncer de pulmão se tornou uma das principais causas de morte evitáveis. O tabagismo e a exposição passiva ao tabaco são importantes fatores de risco para o desenvolvimento de câncer de pulmão.
Texto do jornal Público, de Portugal. Edição do Setor Saúde.