Gestão e Qualidade, Mundo | 16 de janeiro de 2017

Nos EUA, comunidades criam espaços integrados de cuidados de saúde 

A proposta é que clientes dos hospitais e clínicas também sejam as pessoas saudáveis
Nos EUA, comunidades criam espaços integrados de cuidados de saúde 

À medida que os hospitais e sistemas de saúde desenvolvem planos estratégicos de instalações para o futuro dos serviços, muitos estão seguindo a ideia de fazer planos abrangentes e integrados com determinadas regiões ou distritos. Nos EUA, por exemplo, trabalham juntos arquitetos, universidades, urbanistas, profissionais de saúde e órgãos governamentais para criar uma medicina orientada para a qualidade de vida e que se desenvolva além das fronteiras da estrutura médica tradicional.

A seguir listamos alguns exemplos de parcerias de governos com a iniciativa privada. Melhorar áreas degradadas, facilitar e direcionar acesso à saúde e até mesmo como oportunidade para fomentar investimentos e gerar renda. Um artigo do portal Health Facilities Management avalia esse tema e demonstra que até mesmo hospitais obsoletos e seu entorno, podem ser transformados em núcleos geradores de mudança de indicadores de saúde para uma região.

Comunidades de saúde

“Ancoradas por centros de saúde, essas comunidades englobam elementos como habitação, comércio, educação, pesquisa e desenvolvimento, recreação, esportes, cultura, serviços sociais, transporte público (adaptado e facilitado) em um ambiente projetado para promover saúde e bem-estar”. Literalmente promover uma filosofia de saúde, integrada aos anseios tanto da comunidade como dos governos referente à qualidade de vida, ganhos de produtividade e avanços econômicos e sociais para uma região.

Um distrito de saúde integrado é uma abordagem abrangente e cooperativa para o planejamento de instalações e gestão da saúde da população. É ir além dos seus muros, mudar a concepção de somente receber as pessoas doentes para a de promover uma comunidade saudável. A saúde – e tudo que a envolve – como promotora de um projeto para uma região e sua população.

Muito além de criar uma instalação

No passado, um sistema de saúde ao determinar a necessidade de cuidados em um determinado local, iria criar uma instalação e considerar que o seu dever para com a comunidade estava cumprido. “Sentíamos que nossa obrigação havia terminado, porque oferecíamos [infraestrutura de] cuidados de saúde, mas as pessoas precisavam vir até nós” diz o médico Ramanathan Raju.

Se fosse preciso pegar três ônibus para chegar a um local, ou se a área não era segura para pedestres ou não oferecia outros serviços, as pessoas não viriam ou não escolheriam os arredores como residência, observa ele. Ao planejar um “ponto de acesso aos cuidados de saúde”, os sistemas “devem levar em consideração outros fatores para torná-lo mais eficaz”, diz Raju. “Não podemos mais oferecer cuidados de saúde isoladamente”.

Cuidados de saúde e não cuidados do doente

Raju foi até recentemente presidente e CEO da NYC Health + Hospitals, grupo que opera hospitais públicos, clínicas e instalações de cuidados em Nova York. O NYC Health + Hospitals, The New York City Economic Development Corp (NYCEDC) e o bairro de Staten Island estão trabalhando juntos para desenvolver um conjunto de saúde de uso misto (mixed-used health development), considerado o primeiro projeto planejado e financiado do seu tipo. As ações visam a revitalização de uma área onde existia o Sea View Hospital, inaugurado em 1913, que era focado no tratamento de pacientes com tuberculose – ar fresco, descanso e uma dieta nutritiva eram os únicos tratamentos prescritos na época – e fechado no final dos anos 1950, após a cura ter sido descoberta.

Os planos para o novo Sea View Healthy Community incluem instalações médicas, de varejo, residenciais e comunitárias, academias, bem como espaços abertos, em um esforço para melhorar o acesso dos residentes da área à atividade física, alimentos saudáveis, envolvimento social e ambientes saudáveis. ” Os centros de saúde no passado foram desenvolvidos em torno de pessoas que estão doentes. Este é um campus para garantir que as pessoas se mantenham saudáveis “, explicou Raju. “É nesse caminho que os cuidados de saúde nos EUA estão se movendo. Trata-se de cuidados de saúde, não de cuidados do doente”, enfatizou o especialista.

“Naquela época, não havia cura conhecida para a tuberculose. Tudo o que sabiam era que o ar fresco, o sol, a dieta nutritiva e um pouco de exercício físico tinham efeitos terapêuticos. Você pode realmente ver isso refletido na arquitetura dos edifícios e do campus”, diz Munro Johnson, vice-presidente do  departamento de desenvolvimento do NYCEDC.

O NYCEDC e o escritório do dirigente público (presidente do condado, uma espécie de subprefeitura) da região de Staten Island, James Oddo, trabalharam com a empresa de design Perkins + Will (com escritórios em várias cidades dos EUA, além de Toronto, Vancouver, Shangai, Dubai e inclusive em São Paulo) para desenvolver um plano de design para o local que incorpore habitação e elementos de design ambiental, juntamente com programas relacionados à saúde, para criar uma comunidade mais saudável e consciente da importância da qualidade de vida.

De acordo com Munro Johnson, inicialmente a equipe “assumiu que o desenvolvimento futuro [do local] seguiria o padrão usual de um campus médico tradicional, com ênfase em instalações típicas de saúde”. No entanto, uma análise revelou pouca necessidade de uma instalação de saúde típica nesta parte de Nova York. As doenças crônicas não-transmissíveis como doenças cardíacas, diabetes e câncer, que estão associadas aos ambientes e estilos de vida das pessoas que esses ambientes fomentam, são as principais preocupações de saúde em bairros próximos ao campus do Sea View. Assim, ficou clara a oportunidade que a região e seus moradores tinham para transformar o ambiente e suas formas de interação com ele.

Johnson diz que a equipe determinou que “a melhor opção de cuidados de saúde que poderíamos oferecer a esta parte de Staten Island é uma comunidade orientada para a vida saudável, já que é a atividade física, o acesso à natureza e a alimentos frescos e saudáveis , além da interação social que melhor aborda o enfrentamento às doenças que são as maiores responsáveis pela mortalidade e morbidade nessa área”.

Caminhada, ciclismo, casa de repouso e mais

Para promover a atividade física, o transporte ativo será um fator chave na concepção da comunidade em Sea View. “Nós estamos focando o projeto de rua que promova a caminhada e o ciclismo em torno do campus”, diz Johnson. A equipe está planejando aproximação no desenvolvimento de uso misto em um raio de caminhada de cinco minutos, que é geralmente aceito como a quantidade de tempo que as pessoas vão andar, em vez de dirigir, para chegar a um destino. “Ter o supermercado ou farmácia a uma curta distância de onde você mora é algo que podemos projetar neste design”, diz Johnson. “O design é orientado em torno de fazer a escolha saudável ao invés da escolha fácil”.

Sea_View

Para maior acesso a alimentos saudáveis, o projeto visa trazer de volta aspectos da agricultura familiar e jardins mantidos no antigo Sea View Hospital. Uma mercearia, restaurantes coloniais e mercados de agricultores também podem ser incluídos no desenvolvimento. O local é adjacente ao Staten Island Greenbelt, que compreende 2.800 acres de parques interconectados e espaços abertos. Johnson diz que a equipe quer estabelecer conexões que permitam que as pessoas acessem o sistema de parques diretamente da Sea View.

O NYC Health + Hospitals atualmente administra uma casa de repouso no campus do Sea View; uma parte do outro prédio é disponibilizado para o serviço comunitário e organizações artísticas como Food Trucks e o Ballet Staten Island. Durante a última década, o plano de gerenciamento de instalações do sistema de saúde do NYC Health + Hospitals tem sido reduzir a linha do cuidado de internação e abrir espaço no estabelecimento para permitir “o bom uso para a comunidade”, explica Raju. A Sea View Healthy Community “é consistente com nossa filosofia, mas a leva a um nível diferente”.

Para os residentes da casa de repouso e da habitação adicional para idosos e pessoas com deficiência, há projetos focados na comunidade, serviços sociais e programação cultural no campus para proporcionar oportunidades de interação social. O design destinado a incentivar a socialização, como praças e uma biblioteca, foram considerados. “Estamos focados em diminuir o isolamento social e garantir que os moradores tenham espaço para atividades saudáveis, desenvolver amizades e também ter uma presença médica para gerenciar doenças crônicas”, diz Raju.

Sea_View_Map

As instalações médicas e de bem-estar para cuidados básicos e diagnósticos apoiarão a concepção saudável e o design da comunidade. Outras instalações médicas e de pesquisa estão planejadas para futuros projetos, já que o legado da Sea View continua de uma nova maneira. A pesquisa conduzida lá nos anos 1950 conduziram à descoberta de uma cura extensiva para a tuberculose. “Nós vemos uma oportunidade real, conforme o legado de saúde pública no Sea View é renovado, para que ele se torne novamente um destino para a saúde e bem-estar”, diz Johnson. Alguns espaços já definidos abrangem área:

Médica: O espaço de escritórios médicos, um centro de bem-estar com fisioterapia e terapia ocupacional, e melhores serviços de ordem médica para os inquilinos existentes.

Varejo: Uma mistura de espaços comerciais, incluindo “fazendas comunitárias”, loja de conveniência de alimentos saudáveis, restaurantes farm-to-table [da fazenda para a mesa] e cafés para residentes do campus e visitantes.

Residencial: Um novo empreendimento residencial para fornecer habitação para populações diversas, tais como idosos e pessoas com deficiência.

Instalações comunitárias: praças, espaço e conexões para hiking e trilhas de bicicleta para os residentes para incorporar a atividade física no dia a dia, promover engajamento social e eventos culturais em suas vidas.

Design no Exterior

Ao incentivar os prestadores de cuidados de saúde a pensarem fora da “caixa hospitalar” e coordenar os esforços com outras partes da cidade, distritos de saúde podem servir tanto como lugares que apoiam a vida saudável quanto mecanismos para melhorar a saúde comunitária. Jason Harper, planejador de saúde no escritório de arquitetura Perkins + Will, de Nova York, diz que: “Os campi médicos tradicionais são normalmente projetados de dentro para fora”.

“Se você pensa em um hospital, há um monte de coisas boas lá dentro”, acrescenta Basak Alkan, designer urbano no escritório da empresa em Atlanta. “Há uma farmácia, loja de presentes, varejo, muita atividade. Mas tudo está dentro e conectado por corredores. Ela diz que uma nova perspectiva “de fora para dentro” que integra os serviços de saúde mais plenamente na comunidade é “o que precisa ser feito nos serviços de saúde de hoje”.

Baton Rouge

O Distrito de Saúde de Baton Rouge, na Louisiana, é um exemplo desse tipo de pensamento. “O desenvolvimento do distrito originou-se com a fundação da área de Baton Rouge, uma organização filantrópica do sul de Louisiana que era parceira no projeto com os residentes locais e diversas instituições de saúde. O distrito de saúde (Baton Rouge Health District), que incorporou uma organização sem fins lucrativos este ano, inclui centros médicos regionais, clínicas, centros acadêmicos e de pesquisa, e um provedor de planos de saúde entre os seus membros”.

O plano principal para o distrito foi iniciado para tratar graves problemas de congestionamento ao longo de um corredor de Baton Rouge, onde muitas instituições de saúde estão localizadas. “À medida que a comunidade olhava para o seu distrito médico, via essas instalações de saúde regionalmente conhecidas e um terrível ambiente ao seu redor”, diz Alkan, que trabalhou no plano-mestre da Perkins + Will. Os problemas de tráfego criaram ineficiências e um ambiente insalubre para as milhares de pessoas que vivem, trabalham e recebem cuidados na região. Os membros da equipe de um hospital literalmente dirigiam até o outro lado da rua para chegar a restaurantes, porque não se sentiam seguros caminhando”, relatou Alkan. “A falta de coordenação em qualquer coisa que ficava fora das portas de um hospital estavam impactando negativamente o negócio de cuidados de saúde e o crescimento daquele distrito, que na verdade fornecia excelente serviço”, diz ela.

Baton Rouge Health District

Baton Rouge Health District

 

Entre as principais recomendações do plano diretor está a implementação de um plano de transporte e uso do terreno para construir uma rede de ruas para o distrito; permitir que as pessoas caminhem, andem de bicicleta e usem o transporte coletivo; conectar parques e espaços abertos; e promover um desenvolvimento equilibrado, diversificado e ordenado. Além disso, o plano diretor propõe a criação de uma escola de medicina em Baton Rouge, bem como a criação de um Centro de Diabetes e Obesidade para fornecer serviços centralizados para abordar esta relevante e atual questão de saúde pública.

Os membros do distrito estão financiando em conjunto com a organização sem fins lucrativos, ações para implementar o plano mestre. O grupo trabalhou com agências municipais para gerar algum financiamento público para melhorias de infraestrutura. “Eles estão se associando a um estabelecimento saudável”, diz Alkan. “Realmente isso está começando a mudar a cara do distrito”.

La Crosse

Parceria semelhante foi desenvolvida entre o Sistema de Saúde Gundersen e a cidade de La Crosse, no Wisconsin, na elaboração de um plano diretor em conjunto para o campus do sistema de saúde La Crosse e o bairro vizinho Powell-Hood-Hamilton. “O plano propõe um projeto de intercâmbio de uso misto entre o hospital e o bairro que dará ao pessoal do hospital opções de moradia próximas e apoiará os esforços de revitalização do bairro. Além disso, o design oferece uma estrutura para a remodelação sustentável do complexo industrial próximo para dar aos pacientes, funcionários e residentes um melhor acesso a oportunidades recreativas ao longo do rio Mississippi. O projeto de cuidados de saúde “pode encorajar a vida da comunidade ou prejudicar a vida da comunidade”, diz um dirigente da iniciativa. “Há uma escolha a ser feita que envolve um tipo mais amplo de pensamento programático”.

Cleveland

Nos EUA, hospitais e sistemas de saúde estão optando por se envolver com suas comunidades(bairros/cidades/regiões) para ampliar o escopo do planejamento do campus, redesenhar a interface entre os serviços oferecidos, áreas vizinhas e servir melhor as necessidades de saúde dos clientes do futuro. Em Cleveland, o MetroHealth System está no meio de um grande plano de transformação projetado para modernizar instalações e incentivar o desenvolvimento econômico local e estilos de vida saudáveis.

Chattanooga

Em Chattanooga, Tennessee, o novo Hospital Infantil em Erlanger destina-se a servir como uma porta de entrada para um Centro de Bem-Estar e Inovação Distrital.

Shannon Kraus, diretor de escritório de arquitetura HKS Inc., diz que em projetos como esses, ascomunidades estão servindo mais como parceiros do que simplesmente o papel convencional de conselhos para revisão. Vantagens dos designs de instalação costumam terminar na margem da propriedade hospitalar, mas com a maior pressão sobre os sistemas de saúde para evitar admissões desnecessárias e readmissões de pacientes, “há mais diálogo, mais conversa sobre o que a comunidade precisa”, diz Kraus. Uma compreensão mais completa e responsabilidade com as necessidades da comunidade pode servir tanto a missão de cuidados de saúde quanto ajudar no uso dos recursos de forma mais eficiente e melhorar a satisfação do paciente, observa o arquiteto.

Charleston

Em Charleston, o sistema de saúde Roper St. Francis trabalhou com os líderes locais para desenvolver princípios orientadores para a concepção do Roper St. Francis Berkeley Hospital e o vilarejo de saúde em Goose Creek. “A primeira fase do projeto envolverá a construção de um prédio de consultórios médicos e hospital adjacente que inicialmente terá 50 leitos. As fases subsequentes contemplarão o desenvolvimento mais distante do núcleo do campus, com um foco na integração do campus nacomunidade e em encontrar as necessidades de mudança do cuidado de saúde”, explica Neal Corbett, executivo de projeto e vice-presidente no escritório HDR Inc. em Atlanta. “Enquanto os membros da equipe do projeto estão mantendo seus olhos abertos sobre elementos de design específicos com ênfase na flexibilidade, estes podem incluir comércio, alimentação saudável ou componentes de fitness”, diz Corbett. Como a equipe de planejamento hospitalar observa: “Nossos clientes hoje são pessoas doentes – nossos clientes no futuro serão pessoas saudáveis”, conclui o artigo do Health Facilities Management.

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