Estatísticas e Análises | 6 de novembro de 2017

Microbiota intestinal pode oferecer os caminhos para escolher a imunoterapia mais adequada contra o câncer

Dois novos estudos evidenciam o papel das bactérias
Microbiota intestinal pode oferecer os caminhos para escolher a imunoterapia mais adequada contra o câncer

Por que alguns tratamentos de imunoterapia contra o câncer funcionam para alguns pacientes, mas não para outros? A resposta poderia estar na biodiversidade intestinal, que desempenha um papel revelador segundo dois novos estudos publicados na revista cientifica Science. Uma microbiota (ou ainda flora, microflora e microbioma) povoada com “bactérias boas” pode aumentar o poder dos tratamentos segundo um dos estudos. Por outro lado, certas imunoterapias foram menos efetivas em pacientes que estavam fazendo uso de antibióticos, indicando uma diminuição do papel importante da flora, de acordo com o segundo estudo.

Estes novos estudos, publicados na quinta-feira, 2 de novembro, somam-se a um crescente número de pesquisas que demonstram que a composição das bactérias intestinais afeta de forma extremamente significativa o quão bom funcionam os tratamentos contra o câncer.

” Eu defino estes estudos como fascinantes e bem embasados”, disse Matthew Krummel, professor de patologia da Universidade da Califórnia (EUA). Krummel tem autoridade em abordar o assunto, já que trabalhou no desenvolvimento de um dos medicamentos de maior sucesso em termos da imunoterapia contra o câncer, o Yervoy (ipilimumabe), um anticorpo monoclonal humano desenvolvido pela farmacêutica Bristol-Myers Squibb. “Estes estudos ajudam a dar contexto para uma questão importante: qual é a grande diferença entre as pessoas que respondem e as pessoas que não? declarou ao portal norte-americano Stat.

microbiota, é claro, é excessivamente complexa – com trilhões de bactérias trabalhando em conjunto para produzir respostas multivariadas. É importante não apenas ter uma microbiota diversificada, mas ter o coquetel certo de bactérias.

Por exemplo, um estudo publicado na quarta-feira no NPJ Biofilms and Microbes descobriu que certas quimioterapias usadas para tratar o câncer colorretal metastático tornam-se realmente tóxicas para pacientes na presença de certas bactérias intestinais. E outro estudo da Science, publicado em setembro, descobriu que uma bactéria que muitas vezes esconde-se em tumores pancreáticos pode “quebrar” a quimioterapia – tornando-a totalmente ineficaz.

Questões importantes

“Devemos avaliar a microbiota intestinal em pacientes com câncer em imunoterapia?”, Pergunta a Dra. Jennifer Wargo, pesquisadora do renomado MD Anderson Cancer Center, de Houston-Texas (EUA), que liderou um dos estudos científicos publicados. ” Devemos limitar ou monitorar de perto o uso de antibióticos nesses pacientes?”

estudo da Dra. Wargo isolou duas bactérias que ajudam a estimular a resposta da imunoterapia PD-1 em melanomas metastáticos. Os pesquisadores coletaram amostras de microbiotas orais, intestinais e fecais – juntamente com biópsias de tumor – antes e depois da terapia. Após a conclusão do tratamento, eles dividiram os pacientes em “respondedores” e “não respondedores”, e perfilaram cada microbiota com sequenciamento genético.

“O que encontramos foi impressionante: houve diferenças importantes tanto na diversidade quanto na composição da microbiota intestinal em respondentes versus não respondedores”, disse Wargo. Aqueles que responderam bem tiveram maior diversidade bacteriana em seus intestinos, enquanto que aqueles cujos tumores não diminuíram muito, tinham menos variedades de micróbios presentes.

Além disso, os respondedores da imunoterapia apresentaram uma densidade muito maior de células T assassinas – que são em grande parte responsáveis por atacar o câncer. Os pesquisadores descobriram que a presença da bactéria Faecalibacterium e Clostridiales poderiam explicar a diferença na densidade de células T, responsáveis pela defesa do organismo contra agentes desconhecidos.

E com certeza, quando essas bactérias foram administradas a pacientes com câncer por meio de um transplante fecal, estes eram mais propensos a responder ao tratamento e seguir por mais tempo sem o seu tumor recorrente ou piorando. Este tipo de transplante tem sido muito utilizado em todo o mundo, e consiste em inserir fezes alheias no intestino do paciente – costuma-se ter um familiar como doador -, com o intuito de recuperar a perda de bactérias ocasionada pelo uso de antibióticos, por exemplo.

Quando os micróbios encontrados em pacientes respondentes foram transplantados em camundongos cujos microbiotas haviam sido completamente esgotados, eles responderam de forma similarmente positiva às imunoterapias.

O segundo estudo publicado na Science, também estudou a imunoterapia com inibidores de PD-1, mas em pacientes com câncer de rim e pulmão. O estudo, liderado por Laurence Zitvogel, diretor científico do Centro de Câncer Gustave Roussy (França), descobriu que os pacientes que tomaram antibióticos recentemente – por infecções do trato urinário, por exemplo – diminuíram as taxas de sobrevivência quando comparados aos que não o tinham.

Depois de analisar os microbiotas dos participantes, os pesquisadores descobriram que uma bactéria chamadaAkkermansia muciniphila produziu resultados melhores de recuperação. Quando esta bactéria foi direcionada para os camundongos, seus sistemas imunitários se reforçaram e eles responderam melhor à terapia.

” No entanto, isso precisa ser interpretado com cautela”, disse Romina Goldszmid, chefe da dinâmica de células inflamatórias no Instituto Nacional do Câncer (EUA). “Se existe uma ligação entre microbiota e a resposta à imunoterapia, de modo algum devemos interpretar isso como “precisamos parar de utilizar antibióticos”.

Em vez disso, ela defende novos estudos sobre a relação mecanicista entre a flora corporal, as células cancerosas e as drogas destinadas a matá-las.

Ainda não se entende por que, exatamente, a presença de bactérias “boas” ajuda a reforçar o sistema imunológico do corpo. Existem teorias, no entanto: talvez as bactérias “boas” produzam certas moléculas ligadas ao metabolismo que ajudam a proliferar células imunes. Outras bactérias “ruins” podem excretar metabolitos que prejudicam a imunidade sistêmica.

” Vários fatores diferentes precisam ser considerados sobre a melhor maneira de alterar o microbiota”, disse Wargo. Quando se trata de otimizar a terapia do câncer, os tratamentos terão que ser altamente personalizados, com base no que o microbiota intestinal de um paciente já se assemelha, defende a especialista.

“E não será apenas um tipo de abordagem ou um tipo de bactéria especifica a ser focada”, finaliza.

Com informações Stat. Edição Setor Saúde. 

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