Mundo | 12 de maio de 2016

Investigada indústria farmacêutica norte-americana e sua política de preços

5 situações lançam luz sobre procedimentos questionáves da empresa Valeant
Investigada indústria farmacêutica norte-americana e sua política de preços

Após uma audiência controversa sobre os preços das drogas da empresa farmacêutica Valeant no início de maio, o Comitê Especial do Senado sobre Envelhecimento (Senate Special Committee on Aging), nos EUA, apresentou mais de 800 páginas de e-mails, comunicações  internas e contratos recolhidos durante a investigação.

Os documentos ajudam a lançar luz sobre questões que vão desde o planejamento de atividades de relações públicas da Valeant à relação entre o principal investidor, Bill Ackman e um dos seus ex-executivos, Michael Pearson. O dossiê dá uma visão aprofundada sobre a desaceleração dramática dos negócios sofrida pela Valeant, em relação ao ano passado.

Como revela uma reportagem da Biopharma Dive, “em audiência no dia 27 de abril audiência, Michael Pearson admitiu ‘erros’ e indicou que a empresa não deveria ter prosseguido com aquisições que só poderiam ser justificadas pelo aumento dos preços abaixo da média. Ackman, atualmente um membro do conselho, prometeu preços mais baixos em certos medicamentos e agora parece estar na vanguarda da abrangente reorganização da gestão da Valeant”. O ex-CEO da Perrigo Company (empresa norte-americana de produtos farmacêuticos), Joseph Papa recentemente substituiu Pearson, e oito dos 14 membros do conselho assumiram cargos nos últimos meses. “Ao mesmo tempo, a Valeant finalmente apresentou seu muito aguardado relatório anual, abordando os riscos de inadimplência que haviam crescido depois que a empresa perdeu o seu deadline em março”.

Mas a Valeant ainda tem um trabalho considerável a fazer para reabilitar a sua imagem no mercado, começando por uma dívida de cerca de US$ 30 bilhões. A Valeant não apresentou suas demonstrações financeiras e, por isso, enfrenta um “incumprimento potencial”, de acordo com a revista Fortune. Com isso, a Valeant corre o risco de ter que pagar de volta seus empréstimos imediatamente, algo que seria muito difícil, e a outra opção é enfrentar elevados juros de empréstimos.

1) Espiral da morte

Primeiramente, os problemas da Valeant intensificaram-se no final de 2015. Dias após a empresa receber uma intimação federal sobre suas estratégias de preços de medicamentos, repórteres começaram a levantar questões sobre o relacionamento da Valeant com a farmácia Philidor. A empresa de investimentos Citron afirmou que a Valeant criou falsas redes de farmácias “com a finalidade de registrar vendas fantasmas” e, assim, evitar o escrutínio de auditores. Philidor e R&O Pharmacy foram duas das redes citadas pela Citron.

Desde então, a Valeant dissolveu sua relação com a Philidor e divulgou um valor de US$ 58 milhões em vendas relacionadas a produtos entregues à Philidor que foram indevidamente reconhecidos em 2014. Embora pequena em quantidade, a contabilidade contribuiu para dúvidas sobre as práticas de negócios da empresa e precipitou novas quedas no valor das drogas.

Emails divulgados pelo Comitê Especial do Senado revelam a profundidade da preocupação sentida pelo investidor da Valeant (e agora membro do conselho) Bill Ackman. Em 27 de outubro, um dia depois que o Wall Street Journal publicou um artigo perguntando se Valeant seria a próxima Enron (empresa de energia cujas fraudes semelhantes levaram à ruína), Ackman enviou email a Pearson oferecendo ajuda para lidar com a questão. “Eu não acho que você está lidando com isso corretamente e a empresa corre o risco de entrar em uma espiral da morte como resultado”, alertou Ackman, de acordo com levantamento da Biopharma Dive.

Ackman ainda enviaria outro longo e-mail para Pearson e para um grande número de investidores da Valeant, avisando que a empresa realizaria uma vídeo-conferência para responder a todas as perguntas. Na ocasião, Ackman disse “Joe Nocera [repórter do The Wall Street Journal] está certo. Você parece com a Enron”, criticou. “Os torpedos estão na água e os tubarões estão circulando”, continuou ele. “Estamos à beira de uma catástrofe que afetará drasticamente a vida de todos os envolvidos de uma forma negativa”.

2) Preços de Cuprimine e Syprine

Na audiência no Senado dos EUA, os senadores focaram em altos aumentos de preços de quatro drogas da Valeant: Isuprel (isoproterenol ou isoprenalina), Nitropress (nitroprussiato), Cuprimine (penicilamina) e Sypine (trientina). Os preços para todos foram alavancados acentuadamente depois de serem adquiridos pela Valeant.

Cuprimine e Syprine são usados para o tratamento de uma condição rara conhecida como doença de Wilson (ou degeneração hepatolenticular, uma doença hereditária autossômica recessiva cuja principal característica é o acúmulo tóxico de cobre nos tecidos, principalmente cérebro e fígado, o que leva o portador a manifestar sintomas neuropsiquiátricos e de doença hepática). Uma paciente com a doença, Berna Heyman, usava Syprine e testemunhou no início da atividade no Senado, apontando para uma projeção de US$ 10 mil ou mais por ano, após Valeant adquirir a droga. Ela teve negada uma ajuda financeira no programa de assistência ao paciente da Valeant, até que a Financial Times a entrevistou para um artigo.

Alguns dos documentos divulgados dão uma clara ilustração da escala de aumentos de preços para os medicamentos. Uma carta do escritório de advocacia Covington & Burling LLP enviada à Comissão e endereçada à Valeant, também revelou uma grande disparidade do preço cobrado pelo Cuprimine nos EUA em comparação aos valores observados no Canadá e no Brasil. Enquanto 100 tabletes custam US$ 26,188.64 nos EUA, a mesma quantidade custa apenas cerca de US$ 270 no Canadá, e cerca de US$ 70 no Brasil. Tanto no Canadá quanto no Brasil, no entanto, as agências governamentais desempenham um papel na fixação do preço da droga.

A Valeant adquiriu Cuprimine e Syprine como parte de sua aquisição (de US$ 318 milhões) da Aton Pharma em maio de 2010. Em outros documentos que mostram o planejamento de comunicação da Valeant, a empresa enfatizou a necessidade de receber um retorno suficiente sobre os investimentos nas drogas.

3) “Não somos remotamente parecidos com a Turing em qualquer forma ou meio”

Em setembro de 2015, o diretor financeiro da Valeant, Robert Rosiello, enviou email à equipe de gestão com um esboço de tópicos a serem falados para enfrentar críticas sobre as táticas de preços da empresa. Um dos principais pontos era: “Nós não somos remotamente parecidos com a (farmacêutica) Turing em qualquer forma ou meio”. Outros pontos de discussão abordaram os aumentos de preços para drogas para pacientes cardíacos, Nitropress e Isuprel, explicando o raciocínio da Valeant. No entanto, o contorno original sugere um cenário em que as aquisições da Valeant só poderiam funcionar se os aumentos expressivos de preços fossem adotados imediatamente.

Os projetos em discussão indicavam que Valeant precisava elevar rapidamente o preço para conseguir uma remuneração adequada do seu investimento de US$ 350 milhões, pois a concorrência dos genéricos era iminente.

Um executivo de Relações Públicas da Sard Verbinnen and Co. (empresa de comunicação estratégica) elaborou uma versão editada do documento, que mudou a referência a Turing: “Valeant é uma empresa de saúde totalmente integrada e comparações com empresas como Turing Pharmaceuticals são infundadas”. A versão editada também reformulou os outros pontos de discussão, eliminando as referências aos preços pagos pela Valeant por drogas e também não fazia referência à ameaça da concorrência dos genéricos.

4) Descontos hospitalares para Isuprel e Nitropress

Uma das principais questões levantadas na audiência do Senado foi o aumento dos valores, sentida por hospitais após a Valeant aumentar o preço do Nitropress e do Isuprel. Ambas as drogas são comumente usadas ​​pelas instituições durante procedimentos médicos. Documentos apresentados pela Valeant para o comitê argumentam que os preços tiveram um impacto limitado sobre os custos médios dos hospitais, e apontam para a oferta da empresa para um desconto baseado em volume.

Mas os senadores na audiência, rechaçaram essas alegações, dizendo que os hospitais que haviam sido contatados não tinham recebido nenhum desconto ou ofertas da Valeant. “Um dos documentos confirmou o âmbito limitado da oferta inicial de desconto. A partir de 25 de abril, a Valeant tinha entrado em contato para oferecer descontos com três grupos hospitalares: MedAssets Performance Management Solutions, Premier Healthcare Alliance, e Kaiser Foundation Hospitals/Kaiser Foundation Health Plan. A Valeant não entrou em contato com quaisquer hospitais individuais para dar os descontos”.

Apesar das alegações da Valeant de que os aumentos sobre os preços têm pouco impacto sobre os hospitais, a comissão do Senado coletou respostas de uma série de hospitais e redes de hospitais dos EUA, indicando um substancial aumento do montante financeiro. “A Cleveland Clinic, que tem uma rede de 11 hospitais, disse à comissão que gastou cerca de $ 5,4 milhões apenas com as duas drogas em 2015. Em outubro, tentou iniciar uma discussão sobre desconto. Depois de reconhecer o recebimento do pedido, a Valeant nunca levou o assunto adiante até o dia 25 abril”, diz o artigo da Biopharma Dive.

Outros sistemas de saúde tiveram experiências semelhantes. A Johns Hopkins, rede de cinco hospitais na área de Baltimore, disse que não tinha recebido qualquer oferta de desconto apesar de gastar quase US$ 1 milhão com as duas drogas em 2015. Ascension Health, um sistema com 137 hospitais, afirmou que a Valeant negou os seus pedidos de desconto. O Grupo Health Trust Purchasing, uma organização de compras que serve 1,4 mil instituições de atendimento crônico, também não teve sorte em obter um desconto.

Bill Ackman disse que a Valeant vai estender o desconto de 30% para todos os hospitais, mas não há informação disponível se essa extensão é realmente efetiva.

5) Volume / Preço

Em uma correspondência enviada à Comissão do Senado, a Valeant disse que muito do seu crescimento veio do aumento do volume de medicamentos prescritos, e não do aumento de preços. A apresentação da empresa sobre os ganhos do terceiro trimestre, em 19 de outubro, reivindicava que o crescimento de volume e as alterações líquidas de preços realizadas contribuíram igualmente para o crescimento da Valeant em 2015.

Para o governo, houve um crescimento de 41% em 2015, impulsionado por um aumento de 17% no volume de prescrições e 24% pelo aumento nos valores. Como conclui a Biopharma Dive, “O cenário mudou drasticamente em maio. Em um e-mail, o membro do conselho da Valeant, Howard Schiller, disse a Michael Pearson: “Excluindo a [aquisição da] Marathon Pharmaceuticals, o valor representava cerca de 60% do nosso crescimento. Se incluir a Marathon, o valor representa cerca de 80%”.

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