Estatísticas e Análises | 30 de setembro de 2016

Infecções urinárias recorrentes: usar antibióticos ou não?

Um problema que está longe de ser trivial, mas poucos estudos são dedicados ao tema
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Ter uma infecção urinária em algum momento da vida é algo normal. O problema é que para cerca de 20% das mulheres, a história se repete e, destas, 30% tem ainda outros episódios. Como destaca um artigo do jornal francês Le Figaro, a incidência “é trinta vezes maior do que entre homens jovens”.

O professor Franck Bruyère, chefe de Urologia do Hospital Universitário de Tours e referência francesa no que diz respeito a cistite (inflamação da mucosa da bexiga, aguda ou crônica, geralmente de origem infecciosa) recorrente diz que “paradoxalmente, só precisamos olhar para a literatura médica internacional para ver que esta questão interessa a muito poucos especialistas e é aí que reside o problema! Enquanto o cuidado deve variar, estas mulheres têm muitas cistites bacterianas recorrentes ou apresentam sinais de cistite, mas não encontram nenhuma bactéria na urina, sem sintomas, e para a maioria são recomendados antibióticos sem que seja absolutamente necessário”, lamenta.

O uso de antibióticos a longo prazo não é trivial. “Os antibióticos prescritos frequentemente, incluindo quinolonas, favorecem a seleção de bactérias multirresistentes contra as quais é cada vez mais difícil se combater. Portanto, este é um verdadeiro problema de saúde pública”, enfatiza o professor Lionel Piroth, especialista em doenças infecciosas no Hospital Universitário de Dijon, também na França.

Ademais, o uso repetido de antibióticos promove infecções fúngicas e distúrbios de trânsito urinário por perturbar a flora bacteriana de proteção. “É desnecessário pois os germes envolvidos na cistite aguda bacteriana em mulheres não são os mesmos responsáveis por infecções renais (pielonefrite), exceto em poucos casos de refluxo de urina da bexiga para os uréteres”, explica o Dr. Bruyère.

A lógica seria não tratar costumeiramente com antibióticos, apenas quando realmente necessário. Mas, na realidade, não é assim que geralmente acontece. “Quando uma mulher tem quase todos os sintomas de cistite – dor ao urinar, necessidades urgentes, etc. -, mas não é detectado germe por antibióticos (síndrome da bexiga dolorosa), ela passa por outros tratamentos, como a instilação dos produtos que atuam sobre a dor crônica da bexiga”, diz o Dr. Bruyère. “Da mesma forma, quando não se sente um sintoma, mas germes são encontrados na urina, devemos ter o cuidado de tratar com antibióticos, porque muitas vezes é uma simples colonização”, reitera o professor Piroth.

Entre as mulheres que têm reais cistites recorrentes, aquelas que estão na pós-menopausa (as mais afetadas) recebem uma terapia de reposição local tendo em vista que a menopausa tem um papel agravante na modificação da troficidade da bexiga. Elas também podem achar que é mais difícil esvaziar a bexiga. ” E mesmo quando os antibióticos são essenciais, ainda há maneira de limitar quantidades de prescrições, da escolha de dosagem ou propondo um tratamento de longo prazo, dependendo do número de crises anuais”.

Para casos em que há menos de dez crises por ano, o tratamento pontual com antibióticos (para cada crise) gera muito pouca resistência. Isso equivale a dar um pouco de antibiótico para todas as bactérias. No entanto, acima de dez crises por ano, um tratamento básico com baixa dose de antibiótico é recomendado, mas não deve reduzir a quantidades de crises, atuando apenas sobre fatores de risco.

Por exemplo, “a presença de um TVT (sigla para tension-free vaginal tape, técnica minimamente invasiva para a incontinência urinária por esforço) abaixo da uretra, pode acabar com a causa da incontinência urinária, mas pode causar resíduos pós-miccionais (volume de urina remanescente na bexiga) e o crescimento excessivo de bactérias na bexiga. Neste caso, a prescrição de alfa-bloqueadores (classe de medicamentos que permitem regular a pressão nas artérias do organismo) que facilitam o esvaziamento ou o autocateterismo vesical, pode resolver o problema”, diz Franck Bruyère. “Uma reflexão multidisciplinar envolvendo, dependendo do caso, médico assistente, ginecologista, urologista e infectologista é bastante desejável”, complementa Lionel Piroth.

Existem outras maneiras de tentar evitar os antibióticos em longo prazo. É o caso do meatotomia (incisão no meato uretral, para alargá-lo) ou a meatoskenectomia (méatoskénectomie, em francês) na qual pequenas glândulas Skene, localizadas nesta região e que supostamente servem como um reservatório para as bactérias são removidas simultaneamente. Mas por falta de estudos randomizados para comprovar a sua eficácia e tolerância, urologistas só podem confiar em suas impressões e as mulheres dependem dos profissionais.

“É urgente a ‘desbanalização’ das infecções urinárias recorrentes que afetam a qualidade de vida de muitas mulheres, além de um grande desafio ambiental para elas e para a comunidade: a resistência bacteriana”, conclui o professor Piroth.

Quando o organismo causador da infecção é a Escherichia coli, a solução pode vir do cranberry (conhecido no Brasil como oxicoco ou arando), uma fruta nativa dos EUA, que é considerada poderosa por uma série de possíveis benefícios que traria à saúde, inclusive doenças do trato urinário.

Estudos têm sido conduzidos na França, para avaliar sua eficácia. “As nossas conclusões são de que os compostos ativos do cranberry são, provavelmente, as proantocianidinas do tipo A, e em uma dose de 36mg por dia este composto tem alguma eficácia, mas apenas em mulheres que têm infecções recorrentes do trato urinário causados por Escherichia coli, diminuindo o seu poder de adesão à mucosa da bexiga”.

“Um estudo recente (Cysdua) confirmou que tomar este composto na dose certa reduziu significativamente o número de crises”, diz o professor Bruyère, que também está estudando a possibilidade de alterar a composição da urina através da dieta (como já é feito para prevenir a formação de certos cálculos urinários), para torná-la menos atraente para as bactérias. Manter um caderno de anotações das mulheres nessa situação pode ser uma perspectiva muito útil”.

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