Jurídico, Tecnologia e Inovação | 17 de junho de 2025

IA na saúde: o futuro chegou, mas quem está preparado?

Confira o artigo de Thais Barcelos, advogada integrante do Núcleo Health Law do RMM Advogados.
IA na saúde o futuro chegou, mas quem está preparado

Não é mais possível falar sobre o futuro da saúde sem falar da influência, das expectativas e desafios do uso da Inteligência Artificial (IA) pelo setor e pela sociedade.  A IA desenha a operação do sistema, a rotina de profissionais, pacientes e fornecedores e, claro, os negócios. Segundo um levantamento da CB Insights, 37% dos investimentos de venture capital em 2024 foram direcionados a soluções com IA. No setor da saúde, o movimento é semelhante — e promissor. Estamos diante de uma transformação profunda, não apenas no modo como cuidamos, mas em como operamos, decidimos e gerenciamos o ecossistema da saúde.


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Na prática, o que vemos é a aplicação de IA em três grandes frentes no setor: a primeira é a interface com o paciente, com soluções como triagens automatizadas, assistentes virtuais e agendamentos inteligentes. A segunda envolve o apoio à atuação médica, com sistemas que funcionam como “copilotos” no processo de diagnóstico, interpretação de exames e definição de condutas. E a terceira, que desponta como a principal aposta para os próximos anos, está no campo administrativo e operacional.


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A tendência apontada por alguns especialistas tem uma justificativa: no Brasil, segundo dados do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), quase 30% dos gastos em saúde estão relacionados a processos burocráticos. A digitalização inteligente desses fluxos pode representar não apenas redução de custos, mas também aumento de eficiência, qualidade assistencial e sustentabilidade.

Entretanto, a promessa da IA esbarra em um ponto crítico: os dados. E não apenas a quantidade deles, mas sua qualidade, estrutura e legitimidade de uso. O setor da saúde é um dos que mais gera dados, mas também um dos que menos consegue aproveitá-los de forma estruturada — e esse é um problema latente.


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O cenário se torna ainda mais complexo diante das exigências legais e éticas envolvidas. A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) estabelece uma série de obrigações específicas para o tratamento de dados sensíveis, como os dados de saúde. Isso inclui, por exemplo, a necessidade de base legal para o uso dos dados, a limitação da finalidade, o princípio da minimização e a adoção de medidas de segurança robustas. Em outras palavras, não basta ter os dados — é preciso ter o direito de usá-los. E isso implica em estrutura e governança.

Ao mesmo tempo, vivemos um momento em que a pressão por inovação é constante, tanto por parte do mercado quanto por parte dos próprios pacientes, que esperam experiências mais fluídas, integradas e seguras. Isso exige que os gestores — sejam de hospitais, clínicas, operadoras e startups do setor — façam escolhas estratégicas que combinem avanço tecnológico com responsabilidade institucional. A adoção de soluções de IA precisa vir acompanhada de uma reflexão mais ampla: como garantir que a tecnologia agregue valor real ao cuidado? Como preparar as instituições para lidar com os riscos regulatórios, éticos e operacionais dessa transformação?

A meu ver, esse é o papel do jurídico dentro desse processo: ajudar a construir a base que sustenta o avanço, sem travá-lo. Estruturar contratos com fornecedores de tecnologia, revisar as práticas internas de tratamento de dados, adaptar fluxos à legislação vigente, implementar boas práticas de segurança da informação — tudo isso faz parte da agenda estratégica da inovação.

O futuro da saúde está cada vez mais tecnológico, mas ele não se constrói apenas com algoritmos: exige confiança, governança e compromisso com o cuidado. A preparação para o uso da inteligência artificial no setor da saúde passa pela construção de bases sólidas: dados de qualidade, respeito à legislação e adoção de práticas responsáveis. Mais do que correr para implementar novas tecnologias, é necessário correr para estruturar o caminho que permitirá seu uso ético, seguro e sustentável. O futuro já chegou — e estar pronto é, antes de tudo, um exercício de consciência e preparo.


Thais Barcelos é especialista em Direito Digital e advogada integrante do Núcleo Health Law do RMM Advogados.


 

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