Mundo | 7 de março de 2016

França indeniza pacientes vítimas do Depakene

Medicamento antiepilético estaria ligado à má-formação de fetos
França indeniza pacientes vítimas do Depakene1

O medicamento Depakine (no Brasil, Depakene, do laboratório Abbott), voltado para o tratamento de epilepsia, tem sido alvo de polêmica na França, apontado como responsável por má-formação de fetos quando tomado durante a gravidez. O governo francês pensa criar um fundo de compensação para as vítimas do Depakene, que tiveram anomalias nos fetos devido ao antiepilético. No entanto, relatório da Inspeção-Geral de Assuntos Sociais,de 70 páginas,  traz “conclusões bastante escassas”, segundo o jornal Le Figaro.

O medicamento seria responsável por defeitos físicos, por vezes muito sérios, e problemas comportamentais em crianças cujas mães fizeram uso da droga durante a gravidez. A primeira indicação de um efeito teratogênico em humanos foi detalhado em um estudo (publicado na Lancet) de 1982, que mostra que filhos de mulheres tratadas no primeiro trimestre da gravidez, têm 30 vezes mais riscos de desenvolver espinha bífida (malformação da coluna vertebral). Quanto aos distúrbios do desenvolvimento, os primeiros registros são de 1994. Até 2000, a bula do medicamento indicava que grávidas ou mães que estivessem amamentando consultassem o médico, mas não mencionava o risco para o feto. Foi apenas em 2006 que, pela primeira vez, o uso de Depakene em mulheres grávidas foi apontado como perigoso, mas sem mencionar o risco de má-formação e distúrbios do desenvolvimento.

“A verdadeira questão é saber em que ponto as lideranças de instituições e de saúde em geral, deveriam ter informado os pacientes.” Mais de sete meses depois de terem iniciado o trabalho, três inspetores entregaram as suas conclusões. Segundo o relatório, o Depakene teria resultado em 450 anomalias  congênitas  de recém-nascidos, entre 2006 e 2014.  “Podemos considerar que em 2004 o acúmulo de sintomas justificaria mais alertas para a prescrição”, informaram os inspetores.

A droga

O ácido valpróico, o agente antiepilético do Depakene, é empregado em diferentes formas clínicas da enfermidade convulsiva: pequeno mal, crises de ausência, e como adjuvante nas crises mistas. O ácido valpróico apresenta-se sob a forma de diferentes sais e derivados (sódico, magnésio, piroxil, divalproato). O anticonvulsivante é diferente dos outros fármacos deste grupo terapêutico (como fenobarbital e carbamazepina), tanto em termos de estrutura (não possui radicais unidos a sua estrutura química) como farmacologicamente, pois possui outros efeitos (antianóxico. A anoxia é a ausência de oxigênio na presença de nitrato) que evitam o bloqueio do metabolismo muscular e a apneia da crise convulsiva, além de apresentar efeito ansiolítico decorrente de sua ação GABAérgica (sistema inibitório por excelência do sistema nervoso central, formado por neurônios que contém ácido gammaminobutírico. Os neurônios GABAérgicos se encontram distribuídos por todo o Sistema nervoso central).

O ácido valpróico é um tratamento comum também na Espanha, para o controle das crises epilépticas e transtorno bipolar. Em 1970 foi autorizada a primeira droga desse grupo. Porém, desde 2007, especialistas alertam para a possibilidade do uso da droga durante a gravidez causar defeitos congênitos no feto.

Um documento publicado pela Agência Espanhola de Medicamentos afirma que a droga “não deve ser utilizada por meninas, mulheres jovens, mulheres em idade fértil e mulheres grávidas, a menos que tratamentos alternativos sejam ineficazes ou não tolerados, porque o potencial risco de teratogenicidade (malformações congênitas no feto) e para desenvolver transtornos do desenvolvimento em crianças expostas ao valproato in utero são elevados”.

A Agência Espanhola de Medicamentos adverte aos médicos que “não administrem ácido valpróico entre mulheres” e observa ainda que” além do risco conhecido de malformações congênitas, estudos recentes indicam que o uso de ácido valpróico durante a gravidez pode estar associado a alterações no desenvolvimento físico e neural de crianças expostas no útero”. No entanto, segundo o jornal ABC, a Espanha  não possui dados de crianças potencialmente afetadas pelo medicamento, como a França fez recentemente. De acordo com o Ministério da Saúde francês, o Depakine foi responsável por 450 nascimentos de crianças com doenças congênitas entre 2006 e 2014.

Anvisa alerta para o risco

No Brasil, a Anvisa emitiu um informe ainda em 2011 (), alertando os usuários, especialmente as mulheres em idade fértil, que a utilização de medicamentos contendo valproato (ácido valpróico, divalproato de sódio) durante a gravidez representa um risco para o feto.

Tais produtos são vendidos sob prescrição médica (não precisa ser de um especialista como na França) e estão indicados para conter convulsões associadas à epilepsia. No Brasil, os medicamentos registrados são Depakene (ácido valpróico), nas apresentações de comprimidos de 250mg, 300mg e 500mg e xarope de 250mg por 5mL, frascos de 100mL e Depakote (divalproato de sódio), nas apresentações de comprimidos revestidos de 250mg e 500mg, além dos medicamentos similares e genéricos.

Drogas na gravidez

Especialistas acreditam que, em mulheres grávidas, deve ser avaliado em cada caso os riscos de tomar ou não tomar uma droga. Todas as drogas têm efeitos secundários, mas neste caso a preocupação dos efeitos tóxicos está sobre o feto, quando a gestante usa o medicamento durante a gravidez. A possibilidade de o bebê nascer com alguma má-formação é 10,73% em comparação com 03.02% da população em geral.

As más-formações congênitas mais comuns são: Espinha bífida (algumas vértebras que recobrem a medula espinhal não são totalmente formadas, permanecendo abertas e sem se fundirem); fissura labial (popularmente conhecidas como lábio leporino e goela de lobo), além de problemas cardíacos, renais e urogenitais. Também há associação com defeitos dos membros anormalidades múltiplas de vários órgãos, bem como atraso ao aprender a caminhar, menor capacidade de memorização e de QI.

Uma mulher grávida deve sempre consultar seu médico antes de tomar qualquer medicação, e mesmo evitá-los se está planejando uma gravidez. No caso de pacientes crônicas, o indicado é consultar o médico ao menos três meses antes de iniciar a tentativa de engravidar.

VEJA TAMBÉM