Estatísticas e Análises | 28 de março de 2022

Estudo inédito brasileiro revela que é possível erradicar o câncer de colo de útero

UNICAMP, Prefeitura de Indaiatuba e a Roche Diagnóstica uniram forças para gerar evidência científica robusta, com dados de vida real, que possa servir de base para novas políticas públicas
Estudo inédito brasileiro revela que é possível erradicar o câncer de colo de útero

O câncer de colo de útero é um dos poucos que pode ser erradicado, pois decorre de uma infecção persistente pelo vírus HPV, contra o qual existe vacina e que também é detectável por meio de exame preventivo antes que cause o tumor [1]. No entanto, a baixa adesão das mulheres ao exame periódico e de meninas e meninos à vacina fazem com que uma brasileira morra pela doença a cada 90 minutos [2], segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), sendo 6,5 mil mortes [2] e 16,5 mil novos casos [2] ao ano.

Para transformar essa realidade e gerar evidência científica robusta, com dados de vida real, que possa servir de base para novas políticas públicas, mais eficientes, o Centro de Atenção Integral a Saúde da Mulher (CAISM) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), a Prefeitura Municipal de Indaiatuba, cidade do interior de São Paulo de 256 mil habitantes, e a Roche Diagnóstica uniram forças. Os primeiros resultados foram publicados no dia 01 de novembro pela revista científica The Lancet Regional Health – Americas [4] e possibilitam preencher as duas grandes lacunas relacionadas aos programas existentes, que são onerosos e de baixíssimo impacto na mortalidade por câncer de colo, segundo os pesquisadores.

A primeira delas é a falta de programas organizados de rastreamento, que implica na baixa adesão das mulheres. A outra é a necessidade de substituir a citologia convencional (exame de Papanicolau) por um teste de HPV baseado em DNA, que detecta de forma automatizada as cepas do vírus que causam o câncer, sem espaço para dúvidas na interpretação dos resultados. No mesmo estudo, a utilização do teste de HPV já teve seu custo-efetividade comprovado [5]. Enquanto o teste de HPV tem sensibilidade elevada, a citologia tem performance mediana, podendo escapar casos de lesões precursoras e até câncer já estabelecidos.

Resultados

Após 30 meses de atividade do Programa de Rastreamento do Câncer de Colo de Útero com teste de DNA-HPV (outubro de 2017 a março de 2020), mais de 80% da população-alvo projetada foi coberta e a conformidade dos testes de HPV realizados com a idade foi de 99,25%, em comparação com 78% obtida no programa prévio com citologia (método tradicional nos 30 meses prévios, de outubro de 2014 e março de 2017 e envolveu 20.284 mulheres). O programa apresentou 86,8% de testes negativos e 6,3% de indicações de colposcopia, com 78% de colposcopias realizadas. Foram detectadas 21 mulheres com câncer de colo, com idade média de 39,6 anos e 67% dos casos em estágio inicial, em comparação com 12 casos de câncer de colo detectados pelo rastreamento com Papanicolau, com idade média bem superior, de 49,3 anos, e apenas um caso em estágio inicial.

A detecção do câncer nas mulheres que fizeram o teste de DNA-HPV foi antecipada em 10 anos, comparando-se a média de idade do diagnóstico quando era feito o método tradicional, o que explica o maior índice de casos iniciais. Além disso, muitas das mulheres que participaram do estudo simplesmente deixaram de desenvolver o câncer. Isso porque, se o teste dava positivo para HPV16 e/ou HPV18, que são responsáveis por 70% dos casos de câncer de colo de útero6, a mulher era encaminhada para um outro exame, conhecido como colposcopia, a partir do qual, se havia alteração, era possível realizar um tratamento curativo e preventivo da lesão inicial, pré-câncer. Aquelas que não tinham lesão pré-cancerosa, faziam o acompanhamento com um intervalo menor para detectá-las no início, caso surgissem.

Publicado em maio de 2021, na Plos One, o estudo de avaliação econômica do teste de genotipagem de HPV – quando comparado ao papanicolaou – identificou que a tecnologia é capaz de gerar, além de melhores resultados clínicos, melhores custos. Muitas inovações em saúde costumam vir associadas a um grande aumento nos custos, mas o grupo de pesquisadores provou que este caso é diferente. A mudança por uma tecnologia muito mais avançada acaba resultando em uma redução de U$$ 37,87 por ano de vida ganho com qualidade de vida.

Referências

1 WHO: Global strategy to accelerate the elimination of cervical cancer as a public health problem [17NOV2020]. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789240014107. Acessado em 28/10/2021.

2 INCA. Câncer do colo do útero. Disponível em: https://www.inca.gov.br/tipos-de-cancer/cancer-do-colo-do-utero. Acessado em 02/03/2021.

3 IARC.WHO.Cancer Today. Disponível em: https://gco.iarc.fr/today. Acessado em 28/10/2021.

4 Teixeira JC, Vale DB, Campos CS, Bragança JF, Discacciati MG, Zeferino LC. Organization of cervical cancer screening with DNA–HPV testing impact on early–stage cancer detection: a population–based demonstration study in a Brazilian City. The Lancet Regional Health – Americas. 2021. [https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2667193X21000806] Published online 1/11/2021 [https://www.thelancet.com/journals/lanam/article/PIIS2667-193X(21)00080-6/fulltext].

5 Vale DB, Silva MT, Discacciati MG, Polegatto I, Teixeira JC, Zeferino LC. Is the HPV test more cost–effective than cytology in cervical cancer screening? An economic analysis from a middle–income country. PLoS One 2021;16(5):e0251688. DOI: 10.1371/journal.pone.0251688.

6 de Sanjose S et al. Human papillomavirus genotype attribution in invasive cervical cancer: a retrospective cross-sectional worldwide study. Lancet Oncol 2010 Nov;11(11):1048-56 3

7 Prefeitura Municipal de Indaiatuba. Secretaria Municipal de Saúde. PORTARIA N° 2, 18/09/2017. Dispõe sobre a instituição no âmbito das unidades Básicas de Saúde de Indaiatuba a substituição dos exames de Papanicolaou pelo DNA-HPV, em razão das vantagens evidenciadas. Indaiatuba 2017.

 

 



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