Estudo identifica maior impacto da pandemia na saúde mental dos brasileiros
Flávio Kapczinski diz que comparativamente com a Espanha, indicadores do Brasil foram muito mais drásticosUma pesquisa sobre o impacto da pandemia da Covid-19 na saúde mental populacional identificou que brasileiros tiveram consequências mais drásticas em comparação com espanhóis. O estudo, liderado no Brasil pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), com apoio da Fundação Oswaldo Cruz, conta com dados de instituições do Canadá e Espanha.
A pesquisa, que terá três fases, já coletou 23 mil respostas na primeira fase. A segunda rodada de coleta de dados organizada pelo HCPA/UFRGS será realizada até o final da semana, com financiamento da Fapergs. Podem participar homens e mulheres, com mais de 18 anos, que vivem no Brasil. Para responder, basta acessar o formulário neste link. A terceira fase do estudo ocorrerá daqui a três meses.
A iniciativa é um esforço internacional que congrega cientistas que buscam entender as alterações que o coronavírus trouxe à rotina das pessoas. A intenção é avaliar também as repercussões deste processo na saúde mental. Um artigo publicado recentemente pelo grupo evidencia que cerca de um terço dos participantes relataram mudanças significativas no nível de estresse, sono e nas relações sociais.
O trabalho, publicado recentemente na Revista de Psiquiatría y Salud Mental – Journal of Psychiatry and Mental Health, mostra ainda que no período da pandemia os trabalhadores de serviços essenciais perceberam piora de sua saúde, identificando mais ansiedade, depressão e piora na sua dieta. Participam do estudo grupos de pesquisa do Canadá (Universidade Mc Master), Espanha (Universidade de Valência/CIBERSAM) e Brasil (Fiocruz/ ICICT e UFRGS/HCPA).
Entrevista: professor Flávio Kapczinski
Um dos líderes do projeto é o professor do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Flávio Kapczinski. Ele explica que no trabalho foi criada uma escala que avalia diferentes aspectos do estilo de vida das pessoas, chamada de SMILE (Short Multidimensional Inventory Lifestyle Evaluation). A escala foi testada pela primeira vez na população geral durante o lockdown na Espanha e nas fases iniciais da pandemia no Brasil, em abril.
“O estilo de vida influencia de forma marcante o desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis, como cardiopatia isquêmica e diabetes. Durante a pandemia mudanças importantes no estilo de vida de grandes populações foi verificado. O instrumento captura de forma confiável tais mudanças”, ressalta Kapczinski.
Em entrevista ao portal Setor Saúde, Kapczinski explica sobre os objetivos do estudo e o que os resultados já demonstram sobre o impacto que a pandemia está trazendo na saúde mental. Confira.
Sobre o estudo
“Em linhas gerais, o estudo visa determinar questões do estilo de vida das pessoas durante a pandemia. Estilo de vida inclui exercícios físicos, dieta, uso de álcool e drogas. Notou-se que houve uma queda, em vários lugares do mundo, no estilo de vida saudável durante a pandemia. Então, nos preocupamos em analisar isso aqui o Brasil, mas também fazendo o paralelo ao mesmo tempo com dois outros países, Espanha e Canadá. A primeira etapa da pesquisa foi concluída, foram pesquisadas 23 mil pessoas, entre Brasil e Espanha, e agora estamos fazendo uma segunda onda, mais focada no Brasil, liderada pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre, com apoio da Espanha, Canadá e, no Brasil, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
A conclusão da atual etapa ocorrerá até o fim desta semana. E esta segunda etapa ocorrerá apenas no Brasil. Daqui a três meses, teremos mais uma onda de pesquisas, e com isso iremos mapear o estilo de vida das pessoas durante esses meses de pandemia”, disse.
O professor ainda explica que são esperadas cerca de 2 mil respostas nesta segunda etapa – ele explica que a primeira etapa possivelmente terá um número maior de participantes pelo momento da pandemia em abril, em que não havia tantas pesquisas sobre o tema.
Primeira etapa do estudo identificou consequências mais drásticas no Brasil
“Na primeira etapa do estudo [em abril], observamos um aumento grande de ansiedade e depressão, uma piora no nível de exercícios físicos e em vários indicadores de qualidade de vida, como maior consumo de álcool e drogas, isso aconteceu mundialmente. O curioso é que, comparativamente com a Espanha, no Brasil foi muito mais drástico esse aumento. Então, parece que naquele momento o Brasil estava mais vulnerável. Agora, não estamos fazendo essa comparação. Estamos verificando, por exemplo, algo que é esperado, como aumentou muito o número de contaminados por Covid-19, o número de pessoas que perderam pessoas conhecidas e, por isso, acreditamos que irá acontecer um impacto maior na saúde mental das pessoas [que participarem da segunda etapa da pesquisa]”.
Índice maior de impacto na saúde mental entre grupos vulneráveis
“Um dos aspectos que identificamos é que pessoas de grupos vulneráveis, como LGBTs ou pessoas com AIDS, apresentaram maiores problemas na área de saúde mental, o que já era esperado. Estamos realizando a segunda etapa e aguardando para ver como será a segunda etapa. Tudo isso nos ajuda a planejar estratégias, porque o estilo de vida determina muito no surgimento de doenças como diabetes, alcoolismo ou pressão alta. Então, devemos saber o que está acontecendo para fazer uma prevenção e termos uma estratégia efetiva de combate”.
Aumento de fatores de risco poderá acarretar maior número de doentes crônicos?
Questionado sobre a possibilidade de aumento do surgimento de doenças crônicas devido ao impacto na saúde mental provocada pela pandemia, o professor foi cauteloso. De acordo com Kapczinski, a única conclusão é que os fatores de risco aumentaram, e apenas uma análise de maior prazo poderá avaliar se ocorreu aumento de doenças crônicas.
“Nós verificamos que há um aumento dos fatores de risco. É difícil afirmar que isso vai aumentar na incidência ou prevalência de doenças crônicas, essa conclusão precisará de novas pesquisas com o tempo. Porém, aumentando os fatores de risco, a tendência é essa, e é o que temos observado”.
Recado para a população: reduzir o consumo de álcool
O professor finalizou a entrevista alertando para o aumento significativo do consumo de álcool nos meses de pandemia. Ele recomenda: “para a população em geral, acredito que o mais importante é manter uma rotina de exercícios físicos, manter uma rotina regular de sono e ter um cuidado especial com o consumo de álcool, que tem aumentado muito na pandemia”.