Estatísticas e Análises, Mundo | 15 de dezembro de 2016

Espera por leitos hospitalares preocupa Inglaterra

Tempo de espera para internação aumentou muito nos últimos cinco anos
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Mais de um em cada 10 pacientes na Inglaterra enfrentam longos atrasos para conseguir um leito hospitalar após a admissão na emergência. Uma análise feita pela BBC de dados do Sistema Nacional de Saúde (National Health Service – NHS) mostrou que quase 475 mil pacientes esperaram por mais de quatro horas por um leito em uma ala de espera para internação no período de 2015/2016 – um aumento de quase cinco vezes em comparação a 2010/2011.

Assim como ocorre no Brasil, hospitais relataram o uso de salas laterais e de corredores para lidar com o número crescente de “grupos de espera” (trolley waits). As lideranças do NHS reconhecem problemas, culpando a “crescente demanda” no sistema. Mas, como salienta a reportagem da BBC, “os médicos dizem que os hospitais estão perigosamente superlotados, com três quartos (¾) das instituições relatando escassez de leitos”, muito devido ao atual e forte inverno no hemisfério norte (de dezembro a março).

Rotatividade alta prejudica segurança

A ocupação de leitos não deveria ultrapassar os 85% – para dar ao pessoal tempo para limpar camas, manter infecções baixas e assegurar que os pacientes que precisam de leitos possam ser acomodados rapidamente. Mas em 130 de 179 “hospitals trusts” (na Grã-Bretanha, são instituições que oferecem atendimento básico para o sistema público) relatam que taxas que excedem esse percentual.

Gestores hospitalares afirmam que o problema estava causando atrasos “profundamente preocupantes” para os pacientes. Eles são pessoas que já enfrentaram uma espera para serem atendidos no setor de emergência, mas cuja condição é considerada tão grave que precisam ser admitidos na internação (enfermarias). “Cerca de um em cada cinco pessoas que vão para a emergência se enquadram nesta categoria, que inclui idosos frágeis e pacientes cardíacos ou com problemas respiratórios e fraturas”.

Pacientes esperando mais de 4 horas por um leito hospitalar:

Outubro 2010 – setembro 2011: 97.559 pacientes

Outubro 2011 – setembro 2012: 119.645 pacientes

Outubro 2012 – setembro 2013: 176.876 pacientes

Outubro 2013 – setembro 2014: 194.577 pacientes

Outubro 2014 – setembro 2015: 339.168 pacientes

Outubro 2015 – setembro 2016: 473.453 pacientes

Fonte: NHS

Número de leitos do sistema público britânico e Europa:

Alemanha: 8,2 leitos para cada 1.000 pessoas

Áustria: 7,6 leitos para cada 1.000 pessoas

França: 6,2 leitos para cada 1.000 pessoas

Suíça: 4,6 leitos para cada 1.000 pessoas

Espanha: 3 leitos para cada 1.000 pessoas

Grã-Bretanha: 2,7 leitos para cada 1.000 pessoas

Suécia: 2,5 leitos para cada 1000 pessoas

Fonte: The Organization for Economic Co-operation and Development (OECD)

Em torno de 11% dos pacientes em emergência enfrentam cerca de quatro horas nos “grupos de espera”, cinco vezes mais do que em 2011, como mostram os números supracitados. A BBC analisou os números oficiais do NHS Inglaterra e constatou que 473.453 pacientes esperaram mais de quatro horas por uma cama, entre outubro de 2015 e setembro de 2016 – 11% dos 4,2 milhões de pacientes internados no total durante o período. Mais de 1.400 deles enfrentaram atrasos de mais de 12 horas.

“Os dados são muito acima das 97.559 pessoas no “grupo de espera” em 2010-2011 – embora o NHS ressalte que uma pequena fração do aumento pode ser atribuída a uma mudança na forma como as esperas foram medidas em dezembro de 2015. “Valores diretamente comparáveis não estão disponíveis para outras partes do Reino Unido, embora os dados sugiram que há uma pressão crescente sobre os leitos”. Enquanto os atrasos são conhecidos como “grupos de espera”, ou trolley waits, nem todos os pacientes se encontram em um. “Hospitais usam todos os tipos de áreas, incluindo salas laterais, assentos no departamento de emergência e salas minúsculas, dependendo do que está disponível”, critica a reportagem da BBC.

Falta de leitos

Siva Anandaciva, uma das lideranças da organização NHS Providers, que representa hospitais, disse que “esses números são profundamente preocupantes. Estamos caminhando para o inverno em um estado mais frágil do que temos visto nos últimos 10 anos ou mais”, alertou. “Mesmo as instituições historicamente de alto desempenho estão sendo desafiadas, o que mostra que este é um problema que afeta todas as partes da saúde”.

Esses pacientes, que aguardam em condições inadequadas por falta de leitos, “ainda estão sob os cuidados de médicos e enfermeiros, é claro, mas não é ideal para eles e nós sabemos que a superlotação gera piores resultados”, lamentou Siva Anandaciva.

Dr. Chris Moulton, vice-presidente do Royal College of Emergency Medicine, também tem as mesmas preocupações. “Os pacientes que estão atrasados como estes, ainda estão sendo monitorados pelos profissionais. Mas nós sabemos que a superlotação que estamos vendo é perigosa. Isso leva a resultados piores para os pacientes – maiores taxas de infecção, os pacientes acabam nas enfermarias erradas e, em geral, há uma experiência negativa”.

Dr. Moulton acredita que o problema é realmente a insuficiência  de leitos. Há pouco mais de 100 mil leitos gerais na Inglaterra – uma queda de 40 mil nos últimos 20 anos.

“Nós simplesmente não temos o suficiente. Se você nos comparar com outros países europeus que são realmente pequenos e as demandas no serviço de saúde, significa que estamos agora lutando para lidar com a situação”, acrescentou.

Um porta-voz do NHS disse que a “crescente demanda” estava colocando pressão sobre o sistema – o número de internações de emergência aumentou de mais de 500 mil há cinco anos, para 4,2 milhões. O comunicado também considera que os números eram uma espécie de “homenagem ao pessoal da linha de frente” do NHS, que foram capazes de lidar com tantos pacientes.

No Brasil, CFM alerta para a perda de leitos

De acordo com levantamento divulgado em maio pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), o Brasil perdeu 23.565 leitos na rede pública do Sistema Único de Saúde (SUS) entre 2010 e 2015, uma redução de 7% (335.482 para 311.917). Os dados foram extraídos do Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde do Brasil, do Ministério da Saúde.

As maiores reduções aconteceram, proporcionalmente, no Rio de Janeiro (22%), Sergipe (20,9%), Distrito Federal (16,7%), Paraíba (12,2%), Goiás (11,5%) e Acre (11,5%). Sete estados, porém, registraram aumento no número de leitos no período: Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Amapá, Tocantins, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. A oferta de leitos no Rio Grande do Sul passou de 21.008 em 2010, para 21.814 em 2015.

De acordo com a organização, as maiores perdas são em psiquiatria, obstetrícia, pediatria e cirurgia geral. A oferta de UTI também é apontada como aquém da necessidade. O CMF considera o quadro “alarmante”.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) não recomendam ou estabelecem taxas de número de leitos por habitante. Um relatório da OMS que considerava os períodos entre 2006 e 2012 apontava que o Brasil possuía 2,3 leitos hospitalares (públicos e privados) para cada grupo de 1.000 habitantes. A taxa era equivalente à média das Américas, mas inferior à média mundial (2,7) ou de países como a Argentina (4,7).

No final de outubro, o Ministério da Saúde publicou um esclarecimento, em relação à pesquisa do CFM. “A redução de leitos hospitalares e sua substituição pela atenção ambulatorial ou domiciliar é uma tendência mundial, particularmente em algumas áreas nas quais o avanço da medicina propiciou ou uma redução significativa do tempo de permanência hospitalar, como nas cirurgias realizadas por vídeo, ou que o tratamento seja realizado fora do ambiente hospitalar, em Hospitais-dia, ambulatórios ou em domicílio”.

No Brasil, uma parcela significativa da diminuição de leitos hospitalares se deu pela saída dos pacientes atendidos pela saúde mental dos chamados manicômios, onde muitos viviam como moradores por décadas. Ainda segundo o Ministério da Saúde, “soma-se a isso, a tecnologia que diminuiu o tempo de internação dos pacientes. Procedimentos que necessitavam de internação hoje são feitos em ambiente ambulatorial, como é o caso da vasectomia. Alia-se a esse processo, um grande número de hospitais de pequeno porte espalhados pelo Brasil, que deixaram de realizar internações e passaram a adotar procedimentos ambulatoriais, com objetivo de adequar a escala de produção e financiamento dessas estruturas, atendendo melhor as necessidades regionais”.

Desde a criação da Política de Saúde Mental no Sistema Único de Saúde, de 2001, “foram muitos os avanços na assistência aos brasileiros com transtornos mentais atendidos no SUS. Com a reorganização dos serviços diante do fim das internações em manicômios, houve uma redução de 17% do total de hospitais especializados em psiquiatria com habilitação pelo SUS para esse tipo de internação – em 2010 eram 215 e, em 2014, são 178. Nesse sentido, em 2010, o Brasil possuía 39.587 leitos psiquiátricos no SUS contra 32.290 em 2014. Em contrapartida, estão em atuação no país 2.129 CAPs (Centros de Atenção Psicossocial), 695 Residências Terapêuticas, 60 Unidades de Acolhimento, 119 consultórios de rua e mais 800 leitos em Hospitais Gerais para atendimento a essa população”.

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O Ministério da Saúde tem desenvolvido estratégias para o aumento de leitos em áreas fundamentais para assegurar a garantia da qualidade da atenção hospitalar. Foram criados, nos últimos três anos, 17.786 novos leitos hospitalares e extra hospitalares na rede pública de saúde. “São leitos em serviços de urgência e emergência, em UPA 24h, em UTI, leitos clínicos e obstétricos e na rede especializada de Saúde Mental. Somente a oferta de leitos de UTI no SUS cresceu 25% nos últimos três anos, passando de 15.509 para 19.394. Os leitos de UTI são os de maior complexidade, que exigem estrutura e esforço de profissionais, além de serem destinados a pacientes em casos graves”, diz o esclarecimento.

 

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