Gestão e Qualidade, Política | 17 de janeiro de 2013

Especialistas analisam internação compulsória no Brasil

Diminuição de leitos psiquiátricos reduz oportunidades de tratamento
Especialistas analisam internação compulsória

A preocupação de especialistas do setor saúde com os desafios da saúde mental e a desassistência enfrentada pelos pacientes que necessitam de tratamento fica cada vez mais exposta para o debate com a sociedade. Nesta semana, o presidente do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo (Sindhosp), Yussif Ali Mere Jr., publicou um artigo no jornal O Estado de S. Paulo expondo a preocupação da entidade com a atual política na área de saúde mental adotada pelo Ministério da Saúde e que, na opinião do presidente, deixa a população completamente desassistida.

“Não podemos aceitar, enquanto sociedade civil organizada, que a população fique sem assistência. E que os hospitais especializados sejam sufocados pelo Ministério da Saúde, por causa de uma política irresponsável de pagamentos irrisórios, obrigando essas instituições a fechar as portas”, diz o artigo.

Intitulado “Para onde irão os pacientes?”, o artigo indaga sobre o destino de pacientes após a assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta firmado entre os Ministérios Públicos Federal, Estadual e prefeituras de três cidades do interior de São Paulo, que prevê o fechamento de mais 2,7 mil leitos psiquiátricos nos próximos três anos, em São Paulo.

A internação compulsória dos viciados em drogas é outro tema abordado pelo presidente do Sindhosp. Para ele, com o crescente aumento do número de pessoas usuárias de drogas, em especial o crack, o tema tornou-se um grave problema de saúde pública. No início deste ano, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, anunciou que o Estado começará a praticar a internação compulsória para casos de viciados em crack. A decisão deve começar a entrar em funcionamento a partir da próxima semana.

No início de janeiro, o deputado federal do Rio Grande do Sul, Osmar Terra (PMDB), publicou um artigo na Zero Hora tratando também da questão da internação compulsória para os usuários de drogas. Autor de um projeto de lei (PL) que trata do tema, o parlamentar gaúcho relatou em seu texto que, apesar das opiniões que rotulam o PL de autoritário, fascista, higienista, entre outros, “é importante estabelecer vínculo com a realidade do dia a dia. Para quem se preocupa com o crescimento epidêmico do número de dependentes químicos, é crucial saber o que pode ou não melhorar isso. Para tanto é vital ter informações baseadas em evidencias científicas. A pergunta-chave é: o dependente, intoxicado pela droga, tem ou não capacidade de discernir o que é mais benéfico para si, ou para sua saúde? Estou convicto de que não tem. As evidências mostram que as drogas afetam e modificam de forma quase irreversível redes cerebrais específicas que controlam o prazer, a motivação e os impulsos”, afirma o ex-secretário da saúde do Estado, no artigo.

Na opinião de Terra, mesmo sendo uma doença incurável, quanto mais cedo o paciente iniciar o tratamento, maior é a chance de prolongar o período de abstinência do usuário.

O presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), Paulo de Argollo Mendes, também havia publicado artigo nas páginas de Zero Hora em outubro do ano passado, logo após o anúncio pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, da decisão de adotar a internação compulsória para dependentes de crack.

Para Argollo, “o prefeito (do Rio de Janeiro) está atento ao clamor dos familiares e da população que assistem aos dramas e nada podem fazer, até porque não há um remédio milagroso. Assumir a responsabilidade para si e oferecer hospitais e outras unidades para tratamento destes pacientes, garantindo médicos e demais profissionais (que saberão como conduzir os cuidados caso a caso) são obrigações dos gestores públicos da saúde em todas as esferas”, concluiu o médico em sua manifestação.

Leia o artigo do presidente do Sindhosp, Yussif Ali Mere Jr. na íntegra:

PARA ONDE IRÃO OS PACIENTES?

No final de 2012, o Sindicato dos Hospitais do Estado de São Paulo (SINDHOSP) fez um alerta público sobre fechamento de mais de 600 leitos psiquiátricos no Estado de São Paulo, consequência da extinção de dois hospitais especializados na região de Sorocaba. A medida segue uma linha de raciocínio, uma ideologia, na qual os hospitais não são mais necessários à rede de atenção à saúde mental do país. Semanas após o alerta, outro baque veio à tona: as prefeituras de Sorocaba, Salto de Pirapora e Piedade assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta com os Ministérios Públicos Federal e Estadual, comprometendo-se a transferir 2.700 pacientes, hoje internados, para comunidades terapêuticas e centros de atenção psicossocial num período máximo de três anos.
Enquanto isso, na capital paulista, o governador Geraldo Alckmin anunciou, nos primeiros dias de 2013, que o poder público investirá na internação compulsória de viciados em crack. Segundo o governo, esses pacientes serão encaminhados ao Cratod – Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas, serviço inaugurado na região da Nova Luz justamente para tentar atender às necessidades daqueles que habitam as cracolândias da região central da cidade.

O problema das drogas, no entanto, não acaba nos limites da Grande São Paulo. Em especial o do crack, que ganha novos adeptos a cada ano, e já se constitui uma questão de saúde pública. Pesquisa da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), amplamente divulgada em 2010, revelou que 98% de 3.950 cidades brasileiras já enfrentam problema com o crack. O trabalho da CNM não se encerrou na pesquisa, e ganhou continuidade com o lançamento de um Observatório do Crack, que revelou recentemente outro dado preocupante: 9% dos municípios paulistas registraram, em seus serviços de saúde, mais atendimentos relacionados ao crack do que ao álcool. Em 47% das cidades, o crack também já é o primeiro motivo de atendimento entre as drogas ilícitas.

Estima-se que, no Brasil, dois milhões de pessoas sejam usuárias de crack. Este número pode estar negligenciado, segundo especialistas. Além desta grave epidemia, vivemos uma crescente demanda por atendimentos em saúde mental, que deve se agravar até 2020, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). A depressão, por exemplo, chegará a ocupar a segunda posição entre as doenças mais recorrentes no mundo. Hoje, ela afeta 340 milhões de pessoas e é responsável por 900 mil suicídios/ano. Não à toa, uma das principais campanhas deflagradas pelo órgão em 2012 foi “Investir em Saúde Mental”. Segundo a OMS, faltam recursos financeiros e profissionais capacitados, principalmente em países de baixa e média renda.

Caso do Brasil, que investe apenas 2% de seu recurso federal reservado à Saúde para a assistência em saúde mental. Nosso país também ignora terminantemente as recomendações da OMS, de se manter 1 leito psiquiátrico para cada mil habitantes. Em São Paulo, o maior polo de saúde do país, temos pouco mais de 13 mil leitos de internação para o tratamento de doentes mentais. Isso equivale a uma relação de 0,23 leito por mil habitantes. A média nacional é ainda pior: são 35 mil leitos, ou 0,18 para cada grupo de mil habitantes.

Os números preocupam porque revelam um cenário sucateado, cuja rede de atenção simplesmente inexiste. É a chamada desassistência, que deixa na mão aqueles que precisam de internação, e também aqueles que necessitam de acompanhamento psicológico e social para seguir seu caminho. Afinal, os centros de atenção psicossocial (CAPS), propagados como serviço de primeira ordem na hierarquia da política do Ministério da Saúde, ainda são insuficientes para atender a demanda de indivíduos que precisam de uma continuidade no tratamento. Aliás, a rede de atenção à saúde mental deve contemplar todas as fases do tratamento, incluindo o hospital especializado, os CAPs, residências terapêuticas e outras formas de atendimento extra-hospitalar.

Sem entrar no mérito da polêmica da internação compulsória, e partindo do princípio de que haverá vaga para todos os viciados em crack, pergunto-me para onde serão encaminhadas as pessoas após o período de internação e desintoxicação? Sabe-se, por exemplo, que mesmo sob acompanhamento médico e psicossocial, um usuário de crack reincide na droga em 70% dos casos.

Embora tenhamos todos a convicção de que o modelo dos manicômios tenha ficado para trás, não podemos aceitar, enquanto representantes da sociedade civil organizada, que a população fique sem assistência. E que os hospitais especializados sejam sufocados pelo Ministério da Saúde, através de uma política irresponsável que pratica pagamentos irrisórios, obrigando as instituições a fecharem as portas. Só para se ter uma ideia, o SUS reembolsa uma diária hospitalar em saúde mental a partir de R$ 35, incluindo cinco refeições, atendimento médico, de enfermagem, medicamentos, terapia ocupacional e tudo o que envolve a especialidade. Essa prática fez com que, de 2001 para cá, 84 mil leitos psiquiátricos fossem fechados no país.

Afinal, para onde irão os viciados em tratamento? Para onde seguirão os 2.700 pacientes internados em hospitais psiquiátricos na região de Sorocaba? Para onde irão os esquizofrênicos graves, os que estão em surto psicótico, os que correm risco de suicídio? Os hospitais psiquiátricos podem e devem existir, como um braço de assistência para os casos graves, que necessitam de internação e cuidados especiais. É preciso acabar com a inquisição propalada pelos movimentos antimanicomiais, que contaminaram as esferas de governo. É preciso focar nossos esforços, acima de tudo, na prevenção e na educação da sociedade sobre como lidar com os nossos pacientes, muitos deles ignorados pelas famílias e marginalizados aos nossos olhos anestesiados pela suposta normalidade.

Yussif Ali Mere Jr, médico e presidente do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo (SINDHOSP)

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