Gestão e Qualidade | 20 de janeiro de 2021

“É muito segura”, afirma infectologista Fabiano Ramos, que liderou estudos da CoronaVac no RS

Confira a entrevista exclusiva realizada com o líder da equipe do Hospital São Lucas da PUC-RS 
“É muito segura” afirma infectologista Fabiano Ramos que liderou estudos da CoronaVac no RS

Esperança com a chegada das vacinas contra a Covid-19 e gratidão aos mais de mil voluntários que participaram dos estudos com a CoronaVac no Hospital São Lucas da PUC-RS. São os sentimentos pujantes do infectologista Fabiano Ramos, chefe do Serviço de Infectologia do São Lucas, instituição que liderou os estudos no Rio Grande do Sul da CoronaVac, imunizante desenvolvido no Brasil pelo Instituto Butantan em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac Biotech. A instituição hospitalar foi pioneira ao iniciar os testes com a vacina no Estado em agosto – posteriormente, a Universidade Federal de Pelotas também iniciou testes com o imunizante. O estudo conduzido pelo São Lucas contou com 1.335 voluntários.

Em entrevista ao Setor Saúde, Ramos reforça os dados divulgados, de que a CoronaVac se mostrou muito segura, mas aponta a importância do prosseguimento, de no mínimo um ano, dos estudos. “Vamos avaliar a eficácia da vacina em médio e longo prazo, como os voluntários vão se comportar em termos de apresentar ou não a doença, e como a imunogenicidade da vacina vai se comportar ao longo do tempo, porque uma das perguntas que todos querem saber é se vamos precisar de uma outra dose e em quanto tempo”, disse.

O infectologista falou ainda sobre a cerimônia realizada pelo governo do RS sem o convite para o São Lucas; a segurança e eficácia da CoronaVac; a perspectiva de quanto tempo será necessário para a vacinação mudar o curso da pandemia e os danos causados pela politização ao Brasil. Confira a entrevista completa.

CoronaVac traz esperança

“A expectativa é muito grande em relação à vacinação da população brasileira com a CoronaVac. Todo o esforço coletivo, que desde julho conta com 16 centros de pesquisa no Brasil, o que envolveu aproximadamente 700 profissionais trabalhando diretamente com os estudos, e ver os resultados que foram obtidos, e ver a vacina chegando como uma esperança para a população é muito gratificante. Para todos que trabalham com pesquisa, que atendem pacientes na linha de frente e estão vivenciando tanto o sofrimento das pessoas doentes e dos seus familiares, ver a vacina que trabalhamos agora com uma expectativa grande para todo mundo é muito gratificante”.

Os testes no São Lucas da PUC-RS

De acordo com Ramos, 1.335 voluntários participaram dos testes no São Lucas. Iniciado em agosto, os testes contaram inicialmente com voluntários de 18 e 59 anos – no dia 22 de setembro, foi autorizada a inclusão de profissionais da área da saúde com 60 anos ou mais. Até o momento, a CoronaVac não foi testada em menores de 18 anos e gestantes.

Vacina segura

De acordo com o chefe do serviço de Infectologia, a observação no São Lucas é muito compatível com os dados apresentados nacionalmente (os dados exclusivos de cada instituição não foram divulgados).

“Nós vimos uma vacina muito segura, com poucos efeitos colaterais, o que se comprovou nos dados gerais apresentados, onde o principal efeito colateral registrado é dor no local da vacina, o que é bastante comum. Nenhum efeito adverso grave foi observado”, diz.

As próximas observações do estudo

“No desenvolvimento das vacinas, passamos a ter conhecimento sobre elas com o passar do tempo. A proposta da CoronaVac é de acompanhamento de pelo menos um ano, em que vamos avaliar a eficácia da vacina em médio e longo prazo, como os voluntários vão se comportar em termos de apresentar ou não a doença, e como a imunogenicidade da vacina vai se comportar ao longo do tempo, porque uma das perguntas que todos querem saber é se vamos precisar de uma outra dose e em quanto tempo. Acompanhando os voluntários, vamos entender como a imunidade vai se comportar, e se novas doses adicionais precisarão ser feitas com o tempo”, explica.

Cerimônia de vacinação no RS

O Governo do RS iniciou, na segunda-feira (18), a vacinação no Rio Grande do Sul. Cinco pessoas participaram da solenidade que deu início à imunização no RS, no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Pelo fato de o São Lucas ter liderado os estudos no estado, a escolha de outra instituição para sediar o ato surpreendeu. Porém, Ramos minimizou a situação, afirmando não ter visto problema de o início da vacinação ter ocorrido no Clínicas.

“Foi uma opção do Governo do RS em aplicar as primeiras doses [no Clínicas]. Não sei o porquê dessa opção, ficamos à disposição, mas não nos sentimos frustrados de não ter sido feito aqui. Claro, gostaríamos que também fosse feito aqui, mas temos certeza do trabalho bem feito que foi realizado, com todo o esforço que foi feito para o início da vacinação. Foi uma opção do Governo, temos de respeitar, e não vejo problema nenhum em ter sido feito no Hospital de Clínicas. Sem dúvida, teremos outras oportunidades”, afirma.

Fabiano Ramos infectologista

Estudos que ainda precisam ser conduzidos

Ramos salienta que a CoronaVac é uma vacina de vírus inativado, que se comporta de modo semelhante à vacina da influenza. Por isso, ele acredita que seja segura para todas as faixas etárias. Porém, ressalta que estudos precisam ser conduzidos com populações que ainda não foram testadas (menores de 18 anos e gestantes) para confirmar a segurança da vacina nessas populações (que não serão vacinadas inicialmente).

“Já há estudos previstos com crianças, gestantes e idosos. Os idosos estão sendo contemplados nos estudos que estamos conduzindo, porém tem sido difícil de incluir idosos que estão trabalhando atendendo casos de Covid, pois essa população está sendo afastada da linha de frente [por precaução com a saúde deste grupo]. Por isso, o número de voluntários idosos ainda não se encerrou em todo o Brasil, porque essa população, nesse momento, está sendo preservada da linha de frente”, diz.

Segurança em idosos

Apesar da dificuldade em contar com voluntários que são profissionais de saúde com mais de 60 anos trabalhando na linha de frente, o infectologista explica que o estudo global contou com a participação de idosos, igualmente apresentando segurança.

“Vacinas de vírus inativado não é para causar nenhuma doença e é uma vacina bastante segura, já mostrada na população adulta e em idosos que foram testados nas fases 1 e 2. Temos estudos de segurança, com quase 700 participantes, acredito que com mais de 400 idosos nos grupos iniciais. Os estudos de segurança já foram realizados, inclusive com os idosos que foram incluídos nos estudos, apresentando muita segurança também para essa população”, explica.

Agradecimento aos voluntários

“No nosso estudo, conseguimos incluir 1.335 voluntários, num único centro de pesquisa, e gosto sempre de reforçar o meu agradecimento a todos os voluntários que participaram, e que continuem participando, porque o estudo segue tendo um acompanhamento de um ano”, ressalta.

“É muito possível que só possamos avaliar os efeitos da vacina na população depois de 3 a 4 meses”

Para o infectologista, é difícil projetar quando a vacinação terá sido grande o suficiente para surtir efeitos em queda de hospitalizações e mortalidade. Ele reforça que é necessário no mínimo 2 meses para observar os efeitos da imunização com a CoronaVac, feita em duas doses.

“Para observarmos resultados, vamos depender da capacidade de produção e de vacinação. É importante lembrar que as vacinas são em duas doses. As duas doses são aplicadas ao longo de 28 dias, e a produção de anticorpos ocorre de 2 a 4 semanas. Vamos ter aproximadamente 2 meses para que a vacina seja a possibilidade de início de mudança da proteção da população. É muito possível que só possamos avaliar os efeitos da vacina na população depois de 3 a 4 meses de um número substancial de pessoas vacinadas. Não tem como pensar que antes de 3 ou 4 meses vamos ter alguma evidência da atividade das vacinas na população, e isso vai depender muito da capacidade de vacinação”, explica.

“Gostaria que, em 6 meses, possamos observar uma redução significativa no número de casos e no comportamento da doença”

Questionado sobre a possibilidade de estabelecer uma perspectiva de quanto tempo será necessário para a vacinação mudar o curso da pandemia, Ramos se mostra cauteloso, ponderando que “são várias variáveis que se interferem”, como a chegada das vacinas, a adesão da população e o comportamento epidemiológico da doença nos próximos meses. Porém, ele aponta que, em seis meses, gostaria de observar um comportamento de redução de casos de Covid-19.

“Eu gostaria que, em 6 meses, possamos observar uma redução significativa no número de casos e no comportamento da doença. Se ocorrer uma diminuição de casos moderados e graves, que precisam de hospitalização, isso já vai ser um grande ganho da utilização das vacinas”, aponta.

Vacina foi submetida ao cenário de maior estresse possível

Ramos reforça que, em relação à segurança da CoronaVac, “não temos muitas dúvidas em relação ao que os estudos mostraram. É muito segura, e não esperamos nenhuma mudança agora que teremos um número substancialmente maior de pessoas vacinadas”.

Quanto à eficácia, o infectologista frisa que essa vacina foi colocada à prova num cenário de maior estresse possível, que foi a utilização da população da área da saúde, que atende pacientes com Covid-19 e que estão expostas a uma alta carga viral. “A vacina protegeu pelo menos 50% das pessoas de adquirir a doença. E quando avaliamos que, mesmo os que pegaram o vírus, 78% foram casos leves e 100% dos vacinados não precisaram de internação, reduzindo a nossa capacidade de atendimento, e isso é um ganho enorme”, destaca.

Vírus seguirá circulando por muito tempo

“Claro que as pessoas esperam que as vacinas sejam 100% eficazes, eliminem a doença. Então, essa é uma expectativa que a população tinha, mas, em nenhum momento, as vacinas que foram testadas se propuseram a eliminar por completo a doença. Até pelas características do vírus, que deverá ficar circulando entre nós por muito tempo. Avaliando as condições em que a vacina foi testada e os resultados, é uma vacina com excelentes resultados”, avalia.

Politização tem causado danos ao Brasil

O infectologista avalia que a politização tomou conta não apenas das discussões da vacina, mas da pandemia de modo geral, e lamentou a falta de uma “condução única” no país. Ele lamenta que algumas decisões foram baseadas em argumentos não científicos.

“Acredito que a politização tenha sido em torno de toda a condução da pandemia, e isso tem causado danos ao Brasil. Tanto nas medidas de prevenção, como uso de máscara, distanciamento, higienização de mãos, tratamentos e, agora, a vacina. Essa condução deveria ser única, mas temos visto isso ser polarizado, e estamos observando em muitas situações argumentos não científicos para justificar determinadas ações. Com o passar do tempo, está se mostrando que as evidências científicas estão sobressaindo sobre os achismos, e determinados grupos estão com posições que não estão se sustentando”, finaliza.

 



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