Estatísticas e Análises, Mundo | 10 de setembro de 2020

Covid-19: Uso disseminado de máscara pode reduzir a gravidade da doença

Indícios foram apresentados em artigo no The New England Journal of Medicine
Covid-19 Uso disseminado de máscara pode reduzir a gravidade da doença

O uso disseminado de máscara pela população pode, além de proteger contra a contaminação de Covid-19, diminuir a gravidade da doença de quem se contaminar. Os indícios foram apresentados em um artigo publicado no jornal científico The New England Journal of Medicine (NEJM), assinado pelos médicos e cientistas Monica Gandhi e George W. Rutherford.

As recomendações para o uso de máscara como proteção contra o coronavírus se dão porque a transmissão ocorre pela expiração do infectado, por meio da fala e da respiração. Assim, o uso da máscara inicialmente foi compreendido como mecanismo de evitar a transmissão, que pode ocorrer até entre pessoas assintomáticas, para pessoas vulneráveis. A ideia de “eu uso a máscara e te protejo, você usa a máscara e me protege” ganhou força. Com os novos indícios, a máscara também pode representar uma proteção extra para a própria pessoa que usa, que pode adquirir a forma mais branda da doença.

De acordo com os autores, se essa hipótese for confirmada, o uso universal de máscaras poderia se tornar uma forma de “variolação” – técnica utilizada em séculos anteriores que consistia na inoculação de material retirado das pústulas de um enfermo para a pele de um indivíduo para que a enfermidade fosse adquirida de forma mais branda do que através do contágio natural.

Evidências anteriores relacionadas a outros vírus respiratórios indicam que o uso de máscara também pode proteger o usuário de se infectar, ao bloquear a entrada de partículas virais no nariz e na boca. Investigações epidemiológicas conduzidas em todo o mundo – especialmente em países asiáticos que se acostumaram ao uso disseminado de máscara durante a pandemia de SARS de 2003 – sugeriram que há uma forte relação entre uso de máscara e o controle da pandemia. Dados recentes de Boston demonstram que as infecções por SARS-CoV-2 (vírus que causa a Covid-19) diminuíram entre os profissionais de saúde depois que o uso universal de máscara foi implementado em hospitais municipais no final de março.

O SARS-CoV-2 tem a capacidade de causar ampla variedade de manifestações clínicas, que vão desde uma completa ausência de sintomas a pneumonia, síndrome da angústia respiratória aguda e morte. Dados virológicos e epidemiológicos recentes levaram à hipótese de que o uso de máscara também pode reduzir a gravidade da doença entre as pessoas que se infectam.

Teoria existe há anos

Essa possibilidade é consistente com uma teoria de longa data da patogênese viral, que afirma que a gravidade da doença é proporcional ao inóculo viral recebido. Desde 1938, os pesquisadores exploram, principalmente em modelos animais, o conceito da “dose letal” de um vírus. Com infecções virais nas quais as respostas imunes do hospedeiro desempenham um papel predominante na patogênese viral, como é o caso do SARS-CoV-2, altas doses de inóculo viral podem sobrecarregar e desregular as defesas imunes inatas, aumentando a gravidade da doença.


Se o inóculo viral é importante para determinar a gravidade da infecção por SARS-CoV-2, ganha força a ideia de que o uso de máscaras poderia reduzir o inóculo viral ao qual o usuário está exposto, diminuindo o impacto clínico da doença. Uma vez que as máscaras podem filtrar algumas gotículas contendo vírus (com capacidade de filtragem determinada pelo tipo de máscara), o uso pode reduzir o inóculo que uma pessoa exposta inala. Se essa teoria for confirmada, o uso disseminado de máscara pode contribuir para aumentar a proporção de infecções assintomáticas (mais brandas).


Maior proporção de casos assintomáticos em que ocorreu uso disseminado de máscara

A taxa típica de infecção assintomática com SARS-CoV-2 foi estimada em 40% pelo Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos EUA, em meados de julho, mas as taxas de infecção assintomática são relatadas como sendo superiores a 80% em ambientes com uso universal de máscara. Os países que incrementaram o uso de máscara por toda a população se saíram melhor em termos de gravidade e morte por Covid-19. Outro experimento feito com hamsters simulou o uso de máscaras nos animais e mostrou que, com o uso disseminado, os hamsters tinham menos probabilidade de se infectar e, se fossem infectados, eram assintomáticos ou tinham sintomas mais leves do que os hamsters sem máscara.

Em um surto em um navio de cruzeiro argentino fechado, por exemplo, onde os passageiros receberam máscaras cirúrgicas e a equipe máscaras N95, a taxa de infecção assintomática foi de 81% (em comparação com 20% em surtos anteriores de navios de cruzeiro sem uso de máscara). Em dois surtos recentes em fábricas de processamento de alimentos nos Estados Unidos, onde todos os trabalhadores receberam máscaras todos os dias e eram obrigados a usá-las, a proporção de infecções assintomáticas entre as mais de 500 pessoas que foram infectadas foi de 95%, com apenas 5% em cada surto apresentando sintomas leves a moderados.


“Para testar nossa hipótese de que o mascaramento populacional é uma dessas estratégias [de diminuição de gravidade], precisamos de mais estudos comparando a taxa de infecção assintomática em áreas com e sem mascaramento universal. Para testar a hipótese de variolação, precisaremos de mais estudos comparando a força e durabilidade da imunidade de células T específica para SARS-CoV-2 entre pessoas com infecção assintomática e aquelas com infecção sintomática, bem como uma demonstração da desaceleração natural da SARS -CoV-2 se espalhou em áreas com alta proporção de infecções assintomáticas”, dizem os autores do estudo.

“Em última análise, o combate à pandemia envolverá a redução das taxas de transmissão e da gravidade da doença. Evidências crescentes sugerem que o mascaramento facial em toda a população pode beneficiar ambos os componentes da resposta”, completam.


Com informações do NEJM. Edição do Setor Saúde.



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