Gestão e Qualidade | 14 de junho de 2016

CEO: ser um bom líder é muito mais do que ser amigável

Artigo discute a chamada “armadilha da simpatia”
Ser um bom líder é muito mais do que ser amigável

Um CEO (Chief Executive Officer, em inglês), costuma estar no topo organizacional de uma empresa, equiparado ao cargo de presidente. Quando o conselho de administração – responsável pelas deliberações mais importantes em relação à gestão do negócio – busca um profissional para preencher este cargo, a escolha do perfil do candidato é extremamente importante.

O artigo The Dangers of Hiring a Nice CEO, da Harvard Business Review (HBR), aborda o tema sob o ponto de vista de gestão das equipes. Escrito por Elena L. Botelho, Dina Wang e Kim Powell – especialistas em contratação de CEOs e executivos  -, o texto utiliza personagens hipotéticos para lançar insights sobre a questão.

“Um CEO experiente – vamos chamá-lo de “Gary” – orgulha-se em ser um líder colaborativo que investe em consenso e constrói relacionamentos. Gary se preocupa profundamente com seus empregados e está ansioso por entregar resultados. Quando foi contratado pela primeira vez um par de anos atrás, o conselho ficou profundamente impressionado com a atitude e os valores de Gary; sua confiança e sua abordagem colaborativa. Infelizmente, no momento em que nós conhecemos Gary, seus hábitos como um “CEO nice” (CEO gente boa, em tradução livre) estavam prestes a lhe custar o emprego. ”

Quando o CEO assumiu, “uma crescente lista de prioridades deixou a equipe sobrecarregada e com uma série de incêndios para apagar. Falta de um alinhamento funcional e clareza nas funções resultou em atitudes como apontar o dedo, comportamentos de autopreservação, e aversão ao risco. E vários profissionais, menos preparados, acabaram por atrasar a já tensa equipe de gestão. A empresa, sem surpresa, teve baixo desempenho”.

Ao analisar a situação, a causa principal ficou  clara: o CEO era demasiadamente “gente boa”. Enquanto suas intenções eram, à primeira vista, admiráveis, o seu estilo de liderança acabou prejudicando a equipe, seus investidores e ele próprio. “Em nossa experiência, elaborada a partir de aconselhamento e avaliação de mais de dois mil CEOs, o fictício profissional ‘legal’ está longe de ser exceção.” Os professores Steve Kaplan (Universidade de Chicago) e Morten Sorensen (Copenhagen Business School) analisaram mais de 2,6 mil avaliações de candidatos para os cargos de chefia e concluíram  que as normas amistosas/amigáveis frequentemente tinham muito peso em suas decisões de contratação. Para ser claro, o problema não é a bondade ou a empatia – os líderes podem ser carinhosos e eficazes. Também é verdade que chefes desagradáveis e ditatoriais ​​causam problemas. Há muita literatura sobre as diversas consequências negativas de ter um regime de ‘não fazer prisioneiros’ na instituição.

Ser um bom líder é muito mais do que ser amigável. Pesquisas de Kaplan e Sorensen, mostraram que os CEOs cujas capacidades estavam no poder de decisão e na condução orientada pela performance, superaram significativamente os CEOs que apostavam na construção de consensos.

O livro Power Score: Your Formula for Leadership Success (Escore de Poder: Sua Fórmula para a Liderança de Sucesso, em tradução livre, sem versão em português) escrito por Geoff Smart, Randy Street e Alan Foster, argumenta que o desempenho de uma equipe é impulsionado por três fatores principais:

– Prioridades

– Talento

– Relacionamentos

“Cada uma dessas dimensões leva um golpe quando CEOs (ou chefes em qualquer nível) se enquadram no que chamamos de ‘armadilha da simpatia’”.

Para explicar melhor, o artigo da revista especializada HBR dividiu o tema em tópicos:

1) Prioridades: ​​O CEO gente boa, muitas vezes exige suas equipes através de prioridades demasiadas, porque têm dificuldades para dizer ‘não’. Inicialmente, os membros da equipe podem desfrutar de uma sensação de inclusão, sendo ouvidos e valorizados, elevando o moral no curto prazo. Ao longo do tempo, no entanto, a produtividade e os resultados sofrem, como resultado de muitas mudanças de prioridades.

O artigo dá outro exemplo fictício de uma CEO – chamada desta vez de Christine – em uma empresa de médio porte de bens de consumo. “Querendo que sua equipe se sentisse valorizada, ela buscou consenso. Mesmo depois de uma decisão tomada, Christine estava disposta a revê-la a todo momento, sempre que alguém levantava uma preocupação, paralisando a equipe. Embora a equipe de Christine tivesse pessoas com performances individuais fortes, eles haviam se tornado ineficazes e desistido de perseguir a grande quantidade de prioridades. Além disso, como Christine não apontava prioridades claras e odiava decepcionar as pessoas, muitas vezes ela utilizava recursos de toda a empresa – guiada pelo senso de justiça e o desejo de proteger as pessoas em vez de conduzir rumo a melhores resultados”.

2) Talento: CEOs que buscam demasiadamente o consenso, permitem a manutenção de colaboradores que não conseguem entregar os resultados esperados. “Jonathan é um CEO que se orgulha de definir um patamar elevado e ser um defensor da qualificação dos talentos. Infelizmente, por causa de seu desejo de apoiar executivos que estão na empresa há muito tempo e são leais, ele tem tolerado a mediocridade de sua equipe por anos. Como resultado, enquanto a organização paga o preço por manter esses “talentos”, as decisões mais difíceis em relação a recursos humanos ficam sem solução, deixando bons profissionais frustrados. O preço dessa indecisão está se tornando cada vez mais evidente: a empresa está deslizando na participação de mercado e vários bons profissionais de gestão e liderança abandonam a empresa para se juntar a concorrentes.

3) Relacionamentos: Aversão a conflitos está entre as características do “CEO gente boa”, que muitas vezes interpreta mal o significado de “colaboração” (CEOs agradáveis ​​muitas vezes são atraídos por outros membros da equipe, que também sejam “pessoas legais”, agravando o problema). “Trabalhamos com um CEO, ‘Kevin’, que evitou expor seus colaboradores a uma avaliação dura por medo de ferir o moral dos membros de sua equipe e prejudicar o seu relacionamento com eles. No entanto, ao invés de conquistar as pessoas, o seu comportamento ao longo do tempo levou a uma perda de confiança. Como um subordinado direto disse: ‘não posso trabalhar assim. Eu nunca sei onde ele está e sua posição muda a cada momento. Ele elogia alguém em uma reunião e depois diz que essa pessoa, na verdade, não é boa. Isso faz você se perguntar o que é dito sobre você em portas fechadas”.

Kevin também prefere conversas entre duas pessoas, ao invés de reunir todos para colocar na mesa demandas e divergências. “Suas reuniões de liderança eram o equivalente empresarial de um abraço em grupo. A aversão para dar um feedback construtivo também impedia as pessoas de buscarem oportunidades para desenvolver e crescer na empresa, levando ao mau desempenho ao longo do tempo”.

Vale lembrar, contudo, que a solução não é se livrar de empatia e bondade, mas sim esclarecer prioridades, ser colaborativo, mas não baseado cegamente em consensos, oferecer feedback direto com coragem e de forma branda, e acolher a tensão saudável entre as partes interessadas.

4 passos para a transição

CEOs podem fazer a transição de ‘bom’ para ‘eficaz’ utilizando quatro passos. Segundo os especialistas, autores do artigo da HBR, são eles:

1) Conscientização: A maioria dos “CEOs legais” são tipicamente cientes dos seus comportamentos, incluindo a má priorização e a dificuldade em tratar dos temas difíceis. Mas eles raramente reconhecem o custo total dos seus comportamentos. “Assim, começamos compartilhando um feedback de 360 profissionais para mostrar aos nossos clientes que, embora a sua simpatia seja apreciada, quando levada ao extremo prejudica os resultados de negócios e moral da equipe. Considere o seguinte: quando foi a última vez que você “deixou ir” um profissional de resultados abaixo do esperado, e quanto tempo você trabalha com essa pessoa antes de demiti-la? Seis meses é um prazo adequado, mas um ano ou mais é muito. Quantas vezes você deu feedback crítico aos seus funcionários; e eles realmente mudaram depois? Você pode ter ‘amolecido o golpe’ a ponto de não surtir o efeito esperado.

Um software de pesquisa online gratuito (tipo surveymonkey ou google form) pode ser útil para obter um feedback de sua equipe sem expor as pessoas. Perguntas como: Acreditam que a empresa tem prioridades demasiadas? Que as decisões demoram muito tempo para acontecer, e são reanalisadas com muita frequência? O desempenho ruim ou medíocre está sendo tolerado demais?

2) Clareza: Os CEOs devem trabalhar para esclarecer os valores e as motivações subjacentes ao seu comportamento. Cada vez mais, os valores dos CEOs orientados pelo consenso mostram que eles querem ser considerados um bom líder, serem amados e querem que seus subordinados sejam bem-sucedidos. “É importante reconhecer que, na verdade, a maneira de ganhar respeito como um chefe é ajudando a sua equipe a conseguir grandes resultados. Isso pode e deve ser feito de forma gentil – mas também envolve outras habilidades”.

3) Desafio: Em relação a este tópico, o CEO deve refletir e avaliar plenamente as consequências intencionais e não intencionais de seu comportamento para examinar como os resultados alcançados estão alinhados com os seus valores. “Por exemplo, se você se preocupa em apoiar a equipe ao seu redor e criar uma boa experiência para ela, então o seu papel como CEO é ajudá-los a vencer como equipe. Suas ações, no entanto, contrariam esse objetivo. Nós também examinamos de perto exemplos de quando o CEO age de forma decisiva e o que leva a isso: o que os motivou a agir desta forma? Por que as barreiras normais para esse comportamento não foram notados? Como isso mudou e como isso pode ser analisado em termos de resultados e alinhamento com seus valores?”

4) Adaptação: É necessário que o CEO entenda a necessidade da mudança de mentalidade e que ser agradável por si só não é valioso e, em seguida, trabalhar em conjunto para elaborar um plano de desenvolvimento que crie oportunidades internas (on-the-job) para experimentar um sistema de prioridades, dando feedback construtivo, enfrentando situações de tensões, e outras características de um executivo eficiente. “Como qualquer bom treinador faz, nós acompanhamos e nos responsabilizamos; interrogamos; recolhemos opiniões e feedbacks; e reforçamos comportamentos eficazes”.

O artigo encerra frisando que não importa o cargo que se ocupa. “a um CEO, empresário, ou alguém que está gerindo uma equipe pela primeira vez, lançamos o desafio de determinar se você caiu na armadilha da simpatia através da avaliação por meio dessas perguntas e obtenha feedback dos colegas de confiança. Você pode achar que mudar o seu comportamento, sem alterar seus valores profundos, pode custar caro no desempenho dos negócios, bem como na satisfação do empregado com a sua liderança. A grande notícia para o ‘CEO gente boa’ é que, quando ele for capaz de reequilibrar a relação entre ser benquisto e gerar impacto, o seu talento natural se torna uma arma secreta”.

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Lei o artigo (em inglês) no site da HBR

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