As consequências da alteração na jornada de trabalho
Os impactos que podem ocorrer com o aumento ou redução do tempo de serviço dos brasileirosA reforma trabalhista, que pretende propor, em alguns casos, o aumento da jornada de trabalho de 8 horas para até 12 horas diárias, com compensações, é um tema que tem gerado muitos debates no País. Atualmente a legislação brasileira prevê a jornada de 8 horas diárias, e até 2 horas extraordinárias por dia, alcançando até 44 horas semanais.
A jornada de trabalho, em suma, é o tempo que o empregado permanece, de forma habitual, à disposição do empregador, aguardando ou executando as tarefas pelas quais foi contratado.
A proposta de reforma trabalhista está em estudos pelo governo do presidente Michel Temer e, segundo informações, disporia que o máximo de horas trabalhadas por semana continuaria sendo o que é hoje, mas o empregado poderia prorrogar sua jornada de trabalho diária mais quatro horas, o que deverá ser considerado horas extras. Assim, estaria garantido que ninguém trabalhe mais do que as 44 horas por semana.
Em linhas gerais, a proposta é a seguinte: as convenções coletivas, firmadas entre os sindicatos de trabalhadores e os sindicatos patronais, é que devem determinar como as horas de trabalho devem ser distribuídas ao longo da semana. O governo vem enfatizando que ainda não tem uma proposta concreta e definitiva a respeito do tema, estando ouvindo instituições da sociedade para aprimorar a proposta.
O assunto é complexo. Enquanto empresários afirmam que a “flexibilização” poderá tornar o país mais competitivo, centrais sindicais defendem redução das horas trabalhadas para abertura de novos postos de trabalho.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) admitiu a validade da jornada diária de 12 horas para bombeiros civis, seguidas por 36 horas de descanso, totalizando 36 horas de trabalho semanais (leia aqui).
Na área da saúde, a categoria de enfermagem (que abrange três classes: Auxiliar de Enfermagem, Técnico de Enfermagem e Enfermeiro) reivindica a aprovação do Projeto de Lei 2295/2000, reduzindo a jornada de trabalho semanal para 30 horas. A categoria de enfermagem é uma das que se beneficiam do regime de 12X36 horas no período noturno, por força de convenções coletivas.
Como é no Brasil e no mundo
Como aponta um levantamento do jornal Nexo, a jornada de trabalho de 44 horas foi estabelecida no Brasil na Constituição de 1988 — até então, a jornada era de 48 horas semanais. O teto não inclui a possibilidade de fazer duas horas extras por dia, remuneradas com um adicional base de 50% sobre o valor da hora normal, mas que pode ser de até 100% como resultado de acordo firmado em convenções coletivas.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 41% dos países adotam a jornada de 40 horas semanais de trabalho, e 44% adotam carga acima de 40 horas semanais. Na América Latina, no Oriente Médio e na Ásia predominam jornadas semanais superiores a 42 horas. Na Europa e demais países desenvolvidos o mais comum é a jornada de 40 horas. A jornada máxima no Brasil é igual à de Uruguai e Venezuela, superior à de Equador, Indonésia e Rússia e inferior à do Reino Unido, Argentina, e Colômbia.
Carga horária por país (fonte: OIT)
Argentina – 48 horas por semana
Reino Unido – 48 horas por semana
Brasil – 44 horas por semana
México – média de 42 horas por semana
Rússia – média de 38 horas por semana
EUA – média de 38 horas por semana
França – 35 horas por semana
Regras de trabalho
Os países têm regras específicas para a definição da jornada. A diferença se dá em como, e quanto, os governos controlam o trabalho. Alguns fixam um número máximo de horas que podem ser cumpridas por semana, outros têm mais flexibilidade.
Nos EUA, por exemplo, a legislação é menos restritiva. Os empregados são pagos por hora trabalhada, e no acordo não é necessário que se estipule o número de horas. Assim, quando não há trabalho a fazer, há a possibilidade de o empregador deixar o empregado em casa (sem pagamento). Em contrapartida, os empregados podem trabalhar mais horas em períodos em que a demanda é mais alta, recebendo mais por isso.
O Brasil – como França, Reino Unido e outros países europeus – exerce um controle maior sobre o trabalho. Existem normas que impedem que se trabalhe acima do estipulado. Com mais controle, os governos geralmente cobram mais impostos sobre o trabalho e oferecem mais benefícios (pensões, aposentadorias e férias remuneradas).
Redução da Jornada
A proposta de reduzir a jornada de 44 para 40 horas semanais a jornada de trabalho, sem redução dos salários é defendida por Centrais sindicais e CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Segundo o estudo Tendências sobre o Tempo de Trabalho no Século XXI, a alteração de 44 para 40 horas teria como impacto a elevação de 2% no custo total de produção. A campanha que defende a redução afirma que seria possível aumentar o número de empregos reduzindo a jornada. Isso porque se as pessoas trabalharem menos horas, será necessário contratar mais funcionários para entregar a mesma produção.
Na mesma linha, um artigo do economista brasileiro Pedro Fernando Nery publicado no site do Instituto Braudel, citou uma pesquisa realizada em 2012 pela Universidade de Wisconsin (EUA), que mostrou que a redução de jornada em países europeus teve efeito positivo sobre aumento do emprego. Esta posição, contudo, gera controvérsias entre os estudiosos.
Vale ressaltar que a redução da jornada deve elevar o custo de horas de trabalho para se entregar a mesma produção. A empresa pode tentar reduzir esse custo usando mais máquinas, reduzindo o número de empregados ou aumentando as horas extras dos funcionários.
No Brasil, a maioria dos analistas avalia que o impacto seria negativo em termos de competitividade do país frente a concorrentes internacionais, prejudicando a capacidade de o país vender produtos e serviços para outros países.
O jornal Nexo lembra ainda de um estudo, feito pelo Boston Consulting Group, apontando que o custo da mão de obra no Brasil praticamente triplicou de 2004 a 2014, em dólar, enquanto a produtividade cresceu 12%, o que tornou o país menos competitivo no mundo. (veja o estudo original, em inglês). “Reduzir a jornada poderia aumentar ainda mais esse custo”.
Flexibilização da jornada
A “flexibilização” pode se referir ao aumento da jornada diária para até 12 horas, como declarou recentemente o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, mas também pode ser a alteração da jornada semanal, permitindo que sindicatos e empregadores cheguem a acordos coletivos sobre a jornada que tenham mais força do que o determinado pela lei trabalhista. A Confederação Nacional da Indústria e a Confederação Nacional do Comércio, por exemplo, são instituições que defendem essas mudanças na jornada de trabalho.
Para a CNI, as negociações coletivas entre trabalhadores e empresários traria “benefícios mútuos, para trabalhadores e empresas, além de maior produtividade, coesão e crescimento econômico e social”. O aumento da jornada pode reduzir gastos da produção brasileira, tornando o país mais competitivo internacionalmente.
A jornada mais longa (como as 12 horas) também reduziria o número de processos trabalhistas em setores da economia que hoje já exercem esse horário de trabalho, como na área da saúde.
Contrárias à flexibilização, centrais sindicais consideram que o aumento da jornada vai contra uma tendência histórica de redução de horas trabalhadas e também significará a perda de direitos dos trabalhadores.
Além disso, os trabalhadores teriam menor acesso a lazer, convívio familiar e educação, considerando que já há o gasto de tempo (não contabilizado na jornada) com o deslocamento até o trabalho e no horário de almoço. Um apanhado de fatores que geraria impacto negativo na saúde e qualidade de vida.
A OIT recomenda a adoção da jornada para 40 horas semanais, seguindo a tendência que há na Europa, onde alguns países estabeleceram jornadas máximas de 36 ou 38 horas, embora atualmente questionadas, como na França, onde vigora a jornada de 35 horas semanais.
Os programas de proteção ao emprego, no qual empresas, sindicatos e governos definem esquemas para reduzir a jornada em troca da manutenção dos postos de trabalho durante períodos de recessão, poderia ser uma solução. Como diz o economista Pedro Nery, essa proposta considera as particularidades de cada setor, é menos custosa, já que a reposição das perdas salariais é assumida em parte pelo governo, e pode resultar em aumento da produtividade, pois envolve cursos de qualificação do trabalhador.
“Programas como PPE [Programa de Proteção ao Emprego] proliferaram nos últimos anos com apoio entusiasmado da OIT, inspirados no sucesso do alemão Kurzarbeit”. Esse tipo de iniciativa, salienta o jornal Nexo, é útil somente em períodos de recessão, para evitar demissões, e não para estimular um maior nível de emprego em época de crescimento da economia.
* Informações de jornal Nexo, com edição portal Setor Saúde.