Gestão e Qualidade | 10 de setembro de 2013

Médicos Patologistas discutem possível paralisação

Responsáveis pelo diagnóstico de doenças como o câncer sofrem com o desequilíbrio dos valores pagos por planos de saúde
Médicos Patologistas discutem possível paralisação em virtude do desequilíbrio dos valores pagos por planos de saúde

Por não ter contato direto com o paciente – já que desempenha sua atividade em laboratórios e não consultórios -, grande parte da população não tem conhecimento sobre como trabalha e o que exatamente faz um médico patologista. Desse modo, nem imagina as condições de trabalho e as dificuldades que estes profissionais enfrentam atualmente.

Requisitado para analisar fragmentos de células e tecidos sempre que há suspeita da presença de uma doença, o médico patologista precisa pensar também em como lidar com custos de pessoal, a baixa valorização e remuneração desfavorável – estes os principais motivos para o fechamento de laboratórios de patologia.

 Um trabalho “artesanal”

A administradora do laboratório Medicina-Digital de Porto Alegre, Nara Kruel Pütten, define como são realizados os serviços, considerados como “artesanais” e de extrema complexidade no meio médico: “Os procedimentos realizados nos serviços de patologia e citopatologia, ao contrário dos laboratórios de análises clínicas, caracterizam-se pela utilização intensiva de corpo técnico qualificado, uma vez que é mínimo o emprego de equipamentos na definição diagnóstica. Cada procedimento requer o preparo individualizado dos vários espécimes, bem como a análise criteriosa das lâminas, uma a uma, pelo patologista, no intuito de chegar à conclusão do diagnóstico, elemento vital para a tomada de decisões pelo médico que solicitou o exame. Tratam-se, portanto, de atos médicos complexos e exclusivos, não automatizados, que exigem qualificação profissional e resultam do exercício de atividade intelectual e científica para sua realização”, completa. Esta característica intrínseca da atividade revela um dos principais problemas enfrentados pelos médicos que atuam como empreendedores de seus negócios: os custos com pessoal.

 Custos com pessoal

Enquanto os laboratórios de análises clínicas, por exemplo, podem trabalhar com a negociação de valores levando em conta o ganho em escala, os laboratórios de patologia dependem de processos muito mais trabalhosos, em grande parte, por não usarem equipamentos, o que impossibilita a adoção do ganho em escala.

“Um aumento significativo na quantidade de exames a serem realizados dá origem à necessidade de incremento de pessoas envolvidas no processo, não havendo, portanto, ganhos de escala, característicos de laboratórios automatizados. Esta peculiaridade faz com que os dispêndios com pessoal representem o item de custo de maior representatividade para este segmento, sendo imediatamente seguido pelos altos custos de insumos, tais como nitrato de prata, cloreto de ouro, anticorpos importados, etc”, explica Nara Pütten.

 Valorização e baixa remuneração

Para Nara Pütten, além do trabalho ser pouco reconhecido, a “defasagem entre os custos e a remuneração dos exames atinge um nível alarmante, trazendo sérias dificuldades ao gerenciamento dos laboratórios, pressionados também pelas crescentes exigências vinculadas à legislação.” A pedido do Portal Setor Saúde, Nara indicou alguns exames que estão com remuneração bastante defasada:

– O valor pago por grande parte dos convênios para um exame citopatológico (preventivo de câncer do colo de útero) é de R$ 18,90. Segundo a tabela CBHPM 2012 (Classificação Brasileira de Hierarquizada de Procedimentos Médicos) elaborada pela Associação Médica Brasileira (AMB), referendada como “ética” pelo Conselho Regional de Medicina, e que serve como base para a remuneração dos procedimentos médicos, o valor adequado a ser pago pelo exame seria de R$ 40,48 – representando mais do que o dobro do valor remunerado atualmente;

– Já um procedimento diagnóstico transoperatório, em que o patologista participa, por solicitação do médico-assistente, da cirurgia de seu paciente, realizando diagnósticos durante o ato cirúrgico, de forma a definir a extensão e o nível de comprometimento da lesão, chega a ser remunerado, por determinados convênios a R$ 59,40, nunca ultrapassando o valor de R$ 180,00, ou seja, 81% abaixo da tabela CBHPM.

Alguns médicos estão fazendo verdadeira “ação social” para atender clientes de alguns planos de saúde conforme descreve Nara Pütten. O cálculo, segundo ela, é simples: “o patologista abandona a volumosa atividade diagnóstica em seu laboratório para deslocar-se ao hospital onde vai ser realizada a cirurgia, com seus equipamentos, assumindo os custos do deslocamento, estacionamento, bem como a responsabilidade derivada de sua conclusão diagnóstica (determinante para o paciente), despende, pelo menos, duas horas de trabalho e tem sua remuneração bruta abaixo de R$60,00”.

Ainda segundo Nara Pütten, “para dimensionar o crescimento dos custos, deve-se destacar que, no período de 2003 a 2012, o IGPM cresceu 87,09% e os dissídios coletivos da categoria profissional em saúde (que impacta os custos de pessoal) atingiram 96,62%. No entanto, o valor pago pelos planos de saúde e SUS variou entre 0% e 45%.’’

Paralisação e descredenciamentos

Clientes de importantes planos de saúde podem ser surpreendidos com a diminuição no número de laboratórios credenciados para exames de anatomia-patológica e citopatologia nos próximos dias. É o que garante a coordenadora do grupo de Anatomia Patológica da Federação dos Hospitais do RS (FEHOSUL), Tamara Mattos, médica formada pela UFRGS, com especialização em Administração Hospitalar e Negócios em Saúde pelo IAHCS.

Tamara Mattos é proprietária do laboratório KCM de Porto Alegre e diz que a situação vem piorando a cada ano. Segundo Tamara, “a enorme defasagem existente entre o que as operadoras nos pagam e o aumento constante de custos de insumos e de pessoal – que também é desproporcional em relação aos aumentos que cobram dos usuários -, tem tornado praticamente inviável a nossa atividade, e impedido o acompanhamento de avanços técnicos.”

Atualmente, exames críticos para a definição de estratégias terapêuticas em certos tipos de câncer (entre eles, alguns subtipos de câncer de mama) têm de ser encaminhados a São Paulo e aguardar longa espera pelo resultado, tempo este precioso em se tratando de neoplasias malignas.

Tanto Nara Pütten como Tamara Mattos entendem que pacientes não podem ser penalizados com uma paralisação, e que este não é o objetivo. “Uma paralisação dos anatomopatologistas traria graves consequências ao atendimento da população – motivo pelo qual estamos unidos no nosso movimento, que busca atualização nos padrões de remuneração e valorização da especialidade”, pondera Tamara Mattos. Nara completa dizendo que “estamos negociando e tentando de tudo para que ocorram poucos descredenciamentos e que a paralisação não seja necessária”.

 

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