Estatísticas e Análises | 18 de julho de 2025

Psicodélicos no tratamento de sequelas do AVC: um caminho para aliviar o SUS e o INSS

Em artigo, Lucas Cury (médico pós-graduado em Neurologia) destaca que estudos apontam que a psilocibina promove neurogênese com mais intensidade do que a própria cannabis.
Psicodélicos no tratamento de sequelas do AVC um caminho para aliviar o SUS e o INSS

O Acidente Vascular Cerebral (AVC) continua sendo uma das principais causas de morte no Brasil. Segundo o Portal da Transparência dos Cartórios de Registro Civil, apenas entre janeiro e abril de 2025, foram registradas mais de 18 mil mortes por AVC no país, o equivalente a uma morte a cada sete minutos. Esses números são alarmantes, mas escondem uma outra realidade ainda mais preocupante: os milhares de pacientes que sobrevivem, mas ficam com sequelas graves e incapacitantes, que enfrentam uma jornada longa e muitas vezes solitária.


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A reabilitação pós-AVC exige uma combinação de tratamentos que incluem fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional e, em muitos casos, o uso contínuo de medicamentos. No entanto, o acesso a esses serviços pelo Sistema Único de Saúde (SUS) é limitado, o que obriga muitos brasileiros a recorrer ao INSS, seja por meio de auxílio-doença, seja pela aposentadoria por invalidez.


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O impacto não é apenas individual, mas também econômico. A alta demanda por benefícios previdenciários gera uma pressão constante sobre o sistema público, tanto no SUS quanto no INSS, e afeta diretamente a produtividade nacional. Para agravar, há um dado que acende um alerta: o número de pessoas que sofrem AVC antes dos 50 anos está em crescimento no Brasil e no mundo. De acordo com a revista científica Stroke, 16% dos AVCs ocorrem nessa faixa etária, o que representa cerca de dois milhões de novos casos por ano globalmente. No Brasil, o Ministério da Saúde aponta um crescimento de quase 45% nesses casos nos últimos 16 anos.

Nesse cenário, cresce o interesse por terapias alternativas e complementares — especialmente aquelas com potencial de estimular a neuroplasticidade do cérebro. Entre elas, destaca-se o uso da psilocibina, substância psicodélica encontrada em alguns cogumelos e estudada mundialmente por seu efeito regenerativo em redes neurais afetadas.

Além da cannabis: como a psilocibina pode acelerar a reconexão cerebral

Estudos apontam que a psilocibina promove neurogênese com mais intensidade do que a própria cannabis. Em um caso recente, um paciente que sofreu um AVC no cerebelo e já havia esgotado as opções convencionais de tratamento apresentou significativa recuperação de movimentos após sessões de terapia assistida com psilocibina. O composto, que se transforma em psilocina no organismo, atua nos receptores de serotonina, modulando a percepção sensorial e, mais importante, facilitando a reconexão de áreas danificadas do cérebro — especialmente quando associada a terapias físicas ou cognitivas realizadas durante e após seu uso. Parte desse efeito acontece porque a psilocibina estimula a neurogênese: ela ativa receptores específicos no hipocampo, região ligada à memória e ao aprendizado, incentivando a formação de novos neurônios e o fortalecimento das conexões cerebrais. Assim, o cérebro não apenas se reorganiza, mas cria caminhos novos, ampliando sua capacidade de recuperação. Além disso, a substância reduz a hiperatividade da chamada rede neural padrão — uma espécie de piloto automático do cérebro, que armazena nossa autoimagem e a forma como interpretamos o mundo. Com o tempo, essa rede tende a se tornar dominante, como se abríssemos uma trilha mental e a repetíssemos todos os dias. Ao diminuir essa rigidez, a psilocibina permite a criação de novas rotas neurais, favorecendo a flexibilidade cognitiva e o desenvolvimento da neuroplasticidade.

Diferentemente da cannabis, que já é amplamente usada e regulamentada para fins medicinais, e do MDMA, ainda em estágio de proibição, a psilocibina encontra-se em um limbo regulatório no Brasil: não é autorizada como medicamento, mas é legalizada para uso religioso, como nos rituais com ayahuasca. Ainda assim, começa a ser aplicada em ambientes clínicos, sob protocolos de segurança, com acompanhamento médico e familiar.

É importante destacar que os estudos com psilocibina para reabilitação de sequelas neurológicas ainda estão nos estágios iniciais, com base em evidências observacionais e em pesquisas sobre seu uso em pacientes com depressão e síndromes demenciais. No entanto, os resultados já observados indicam um potencial promissor para a reabilitação neurológica — inclusive em casos como o AVC.

A jornada para regulamentação plena ainda é longa, mas inevitável. Assim como aconteceu com a cannabis, a ciência deve abrir caminho para a adoção da psilocibina como ferramenta terapêutica no Brasil. E quando isso acontecer, o maior beneficiado será o próprio país: pacientes poderão retornar à vida ativa com mais rapidez, desafogando o SUS, reduzindo a pressão sobre o INSS e colaborando para uma economia mais saudável e produtiva.

LUCAS CURY


Lucas Cury é médico pós-graduado em Neurologia.


 

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