AVC: primeira polipílula brasileira reduz pressão arterial em pacientes com risco baixo ou moderado da doença
"Os resultados foram muito significativos e, a longo prazo, a expectativa é de que possamos reduzir o risco não apenas de AVC, mas de declínio cognitivo" explica Sheila Martins, responsável técnica do projeto e chefe do Serviço de Neurologia e Neurocirurgia do Hospital Moinhos.A cada ano, 13,5 milhões de pessoas no mundo serão afetadas pelo acidente vascular cerebral (AVC). No Brasil, a condição é a principal causa de mortes, com mais de 100 mil óbitos por ano, além de levar à incapacidade de realizar atividades do dia a dia. Reduzir sequelas e mortalidade exige o atendimento rápido em um hospital capacitado, mas 90% dos casos podem ser prevenidos se houver intervenção em fatores de risco.
E o principal fator de risco, tanto para o AVC isquêmico quanto para o AVC hemorrágico — a forma mais grave, quando um vaso sanguíneo se rompe no cérebro —, é a pressão alta. O controle dessa condição, além da mudança de hábitos que contribuem para o AVC, foi o foco de um estudo do Hospital Moinhos de Vento, em parceria com o Ministério da Saúde, via Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS).
Os resultados da primeira etapa foram divulgados nesta quarta-feira (13) e mostram dados promissores. A pesquisa clínica PROMOTE é voltada a pessoas de baixo e médio risco de desenvolver AVC (que representam 80% dos casos de AVC), tendo iniciado na Unidade Básica de Saúde Santa Cecília, em 2021, e ampliada para oito distritos de saúde de Porto Alegre. Foram selecionados voluntários com idade entre 50 e 75 anos, pressão arterial um pouco elevada — entre 120 e 139mmHg — e um ou mais fatores de risco, como tabagismo, alimentação não saudável, inatividade física e excesso de peso.
Foram incluídos 421 participantes em uma fase inicial e randomizados para seguir no estudo 371 participantes, que receberam a polipílula, composta de princípios ativos para reduzir o colesterol e a pressão arterial, ou o placebo, além de intervenções para mudança do estilo de vida, por meio do aplicativo Riscômetro de AVC. Todos os participantes que receberam a polipílula — a primeira desenvolvida no Brasil – tiveram redução da pressão arterial em cerca de 13 mmHg na pressão sistólica (máxima) e 6 mmHg na diastólica (mínima). Comparado ao uso do placebo, houve uma diferença de 7mmHg entre os dois grupos, sendo já evidenciado em estudos clínicos anteriores a redução de 2mmHg da pressão arterial, reduzindo em 10% o risco de AVC.
“A polipílula foi muito bem tolerada. Os resultados foram muito significativos e, a longo prazo, a expectativa é de que possamos reduzir o risco não apenas de AVC, mas de declínio cognitivo, que leva à demência, que também foi um foco do estudo, além de desfechos secundários como infarto do coração e morte cardiovascular”, explica Sheila Martins (foto), responsável técnica do projeto e chefe do Serviço de Neurologia e Neurocirurgia do Hospital Moinhos.
O novo medicamento , que deve estar disponível para a população a partir de 2025, também trouxe uma redução do colesterol de 40 mg/dL .
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Riscômetro de AVC
Além da polipílula, os participantes do estudo usaram um aplicativo, o Riscômetro de AVC, para serem capazes de reconhecer seus próprios fatores de risco e saber como modificá-los. A pesquisa mostrou que o aplicativo ajudou 82,4% dos participantes a reconhecerem seus fatores de risco, enquanto 71,1% consideraram que ele contribuiu para mudar esses hábitos.
“O grupo com maior redução da pressão arterial foi o que utilizava a polipílula e mais o riscômetro. É um instrumento gratuito e importante para auxiliar as pessoas a se empoderarem e intervir em seus estilos de vida”, destaca Sheila Martins.
Após a conclusão dessa primeira etapa, o estudo será expandido para todo o Brasil, com a expectativa de contar com mais de 8.000 participantes acompanhados por três anos e para confirmar a redução dos casos de AVC e declínio cognitivo. Além da pesquisa, o projeto também está contribuindo para as unidades de saúde reorganizarem seu cuidado cardiovascular, implementando um programa de reconhecimento dos fatores de risco e tratamento daqueles indivíduos que já possuem indicação para tanto. Mais de 2.000 profissionais de 133 unidades da capital foram capacitados.
“Implementamos um programa para auxiliar na detecção desses sinais, com protocolos bem definidos para tratamento e monitoramento. Em um mês, o paciente retorna para ver se realmente melhorou com o uso do medicamento. Se não, já tem um plano para aumento de dose e para que, rapidamente, haja o diagnóstico, tratamento e controle, principalmente da pressão arterial”, detalha Sheila. Esse trabalho integra a iniciativa HEARTS, da Organização Mundial da Saúde e da Organização Pan-Americana de Saúde.