Estudos com jogadores de futebol americano confirmam danos cerebrais graves
Perda de memória e tendências suicidas entre ex-jogadores preocupam cientistasVários estudos têm, desde a década passada, criado grande preocupação nos fãs e envolvidos com o futebol americano. São estudos que demonstram que o esporte pode ser potencialmente perigoso para os atletas, e inclusive, para as crianças que o praticam.
Um jogador profissional da National Football League (NFL) – entidade que comanda o esporte nos EUA – sofre entre 1.000 e 1.500 colisões com outros jogadores ou piso a cada temporada. Algumas podem exercer forças sobre o corpo de 20G ou mais – o equivalente de ser atropelado por um carro a 55 km/h.
Recente pesquisa de uma equipe de especialistas da Johns Hopkins (EUA) reuniu evidências do dano cerebral acumulado em ex-jogadores do futebol americano da NFL. Os resultados do estudo foram publicados na edição de fevereiro da revista Neurobiology of Disease.
O esporte – cujo jogo que decide o campeão da temporada, o Super Bowl, ocorreu no último dia 1º de fevereiro – pode estar ligado a déficit de memória. Ex-atletas têm dificuldade para recordar especificamente das décadas vividas após pararem de jogar.
O livro e documentário americano chamado “League of Denials”, expõe casos e estudos que vão muito mais longe a partir de descobertas de um médico chamado Bennet Omalu. Dr. Omalu foi quem fez a autópsia do ex-jogador da equipe Pittsburgh Steelers, Mike Webster, morto em 2002, identificando o primeiro caso de doença degenerativa decorrente da prática do esporte.
“Eu vi mudanças que não deveriam estar no cérebro de um homem de 50 anos de idade, e que não deveria estar em um cérebro que parecia normal” disse o médico no documentário.
Já a pesquisadora Ann McKee, reconhecida neuropatologista, também descobriu a doença em dezenas de ex-jogadores. E assim, como Bennet Omalu, luta para alertar NFL, jogadores e sociedade sobre o perigo de esportes que envolvem repetidas batidas na cabeça, como boxe, o próprio futebol americano, rugby e até mesmo nosso futebol.
Outra pesquisa, divulgada em setembro de 2014, identificou que de 79 ex-jogadores já mortos – e que tiveram os cérebros estudados -, 76 apresentavam doença degenerativa típica dos jogadores de futebol americano, ou seja, 96% de incidência. Para Ann Mckee, “quanto maior o nível que você joga e por quanto mais (tempo) você pratica futebol americano, maior será o seu risco.”
NFL tentou acobertar
Durante anos a NFL tentou esconder ou desmentir várias pesquisas médicas que indicavam evidências de uma doença chamada ETC, ou encefalopatia traumática crônica. Vários ex-jogadores cometeram suicídio depois de sofrer problemas emocionais e de memória.
Nos últimos três anos, segundo informações de um banco de dados chamado “Concussion Watch“, que reúne informações da NFL, sites das equipes e de um instituto de análises e estatísticas sobre os jogadores, o Football Outsiders, 446 casos de concussão ou ferimento na cabeça foram notificados.
Embora os sintomas possam aparecer durante a vida de um paciente, um diagnóstico definitivo só pode ser feito após a morte, quando os médicos têm a oportunidade de examinar o cérebro e procurar sinais indicadores da doença. Em exames post-mortem, a presença em abundância de uma proteína chamada tau no cérebro é um sinal de ETC.
Pelo menos 50 jogadores aposentados da NFL foram diagnosticados com ETC até hoje, mas provavelmente centenas estão vivendo com esta condição, alertam os especialistas. Os sintomas aparecem através de uma série de problemas – dores de cabeça, dificuldade de concentração, disfunção erétil, depressão, aumento da raiva e agressão, redução do controle de impulso, e, eventualmente, demência grave – o que muitas vezes aparecem anos após a aposentadoria de um jogador.
Durante anos, a NFL tentou encobrir evidências sobre os perigos do esporte. O Comitê da Liga, formado por médicos e especialistas, divulgou uma série de estudos sobre a saúde dos jogadores, porém, com resultados inconsistentes frente a estudos de outros neurologistas como Bennet Omalu e Ann McKee. Os médicos da NFL defendiam que não havia nenhum problema um jogador retornar ao jogo após uma concussão, e que as lesões sofridas e repetidas dos jogadores não influenciavam a saúde dos jogadores a longo prazo.
Diante da pressão do congresso americano, da mídia, dos jogadores, e da sociedade em geral – mães começaram a retirar seus filhos de centros de treinamento – e com a iminente possibilidade de uma longa e onerosa batalha judicial, que poderia diminuir os lucros de um esporte que gera, somente com o jogo final, lucros que beiram 1 bilhão de reais; a NFL mudou de posição.
Em 2009, a Entidade acertou um acordo financeiro com as viúvas e famílias de ex-jogadores que tiveram as suas condições de saúde atingidas, comprovadamente, em função das lesões cerebrais repetidas ao longo dos anos. Além disto, fechou parcerias com institutos de pesquisa, investiu em equipamentos mais modernos de segurança para os jogadores e fez mudanças nas regras para reduzir o número de contusões sofridas por jogadores, determinando a adoção de novos protocolos para garantir que os jogadores que sofrem uma concussão num jogo, fiquem mais tempo longe de atuação, reduzindo o risco de uma segunda concussão num intervalo pequeno de tempo. Além disto, investiu cerca de U$ 30 milhões de dólares em programas de educação, prevenção e proteção para crianças e jovens que praticam o esporte nas escolas e universidades dos EUA.
Mas muitos cientistas ainda estão céticos quanto a eficácia destas ações. A notícia mais perturbadora é a evidência de que até mesmos os choques leves que rotineiramente acontecem – que não apresentam sintomas imediatos e são geralmente classificados como sub-concussão – podem levar a ETC. Este poderia ser um grande problema, porque rotineiramente os jogadores de futebol (especialmente aqueles com função ofensiva e atacantes) experimentam esses tipos de golpes ao longo de um jogo. Ou seja, se a ETC é tão comum como alguns cientistas acreditam, a NFL poderia ter uma epidemia em suas mãos, conforme resumiu matéria do site americano Vox, publicada em fevereiro.