5 Condições que Denunciam a Baixa Qualificação das Organizações de Saúde

Quando se conversa com profissionais de saúde sobre as organizações onde operam, usualmente contam dificuldades e maravilhas. As dificuldades quase sempre se concentram na falta de recursos financeiros; as maravilhas – exaltam o trabalho que realizam, não raro com um toque de heroísmo. Talvez pelo fato de a maior parte das organizações funcionar no limite dos recursos disponíveis para os serviços que oferecem, a explicação mais imediata incida na precariedade econômico-financeira. Todos supõem que suas atividades são desenvolvidas com o maior esmero possível, embora a realidade não confirme isso. Todos se lamuriam das limitações econômicas e parcela expressiva enaltece proezas pessoais ou de grupos.
Os indivíduos que atuam nas organizações de saúde, por piores que estas sejam, creem que o sentimento humanitário superará deficiências e falhas. Presumem que sabem gerir recursos institucionais. Não valorizam método e técnicas capazes de auxiliá-los no propósito de extrair o máximo dos recursos disponíveis (que sempre serão escassos diante das necessidades humanas). Conquanto haja um limite econômico-financeiro abaixo do qual se torna impossível prestar serviços qualificados e seguros, parece um ato desajuizado acreditar-se que tudo se resume à falta de dinheiro, e que método e técnicas gerenciais pouco ou nada contribuem para uma gestão consequente, produtiva e confiável.
Um estudo sistemático sobre “organizações de saúde que lutam para melhorar a qualidade” encontrou cinco domínios[1] que as caracterizam e, ao mesmo tempo, revelam o estágio rudimentar de segurança, qualificação e desempenho no qual se encontram.
Cultura organizacional fraca
Os colaboradores exibem baixo compromisso institucional, colaboram pouco, reclamam muito e apresentam baixa produtividade. Descumprem orientações e criam regras de acordo com suas experiências e vontades momentâneas.
Falta espírito de equipe, sendo comum os indivíduos se sentirem “desvalorizados”.
A estrutura hierárquica abriga lideranças discordantes (cada uma agindo por conta própria, sem levar em consideração a organização como um todo).
As chefias carecem de atribuições claramente definidas, e tanto quanto podem, eximem-se de assumir responsabilidades pelo que ordenam, sendo frequente explicarem que determinadas exigências são emanadas da diretoria e não delas.
A impressão geral é de um desalinhamento global das operações.
O amplo desarranjo organizacional extensivo ocasiona ansiedade e medo nos indivíduos. Por conseguinte, a conduta defensiva se expressa, de forma invasiva e paralisante, em cada canto dessas organizações.
Infraestrutura deficiente
As instalações são descuidadas e precárias.
Os equipamentos médico-hospitalares frequentemente apresentam defeitos e permanecem meses sem qualquer medida corretiva.
As redes elétrica e hidráulica se encontram no limite da funcionalidade, colocando em risco a segurança das operações assistenciais e gerenciais.
O sistema de informática, deficiente e sobrecarregado, periodicamente impede que os profissionais executem suas atividades.
Essas deficiências, por serem tangíveis, induzem os indivíduos a acreditarem que a correção desses componentes alterará o ambiente de instabilidade institucional.
Falta de uma missão e visão coesas
A missão institucional, quando existe, é imprecisa e amiúde conflita com outras missões (estabelecidas autonomamente pelos serviços, unidades e setores).
A visão, da mesma forma, inexiste ou não orienta objetivamente para o futuro.
Comumente os gestores das organizações em dificuldades, quiçá por se encontrarem intensamente pressionados pelas urgências diárias, não conseguem ver a importância de um propósito (razão de ser da instituição), uma visão (onde a instituição deseja chegar) e valores (elementos que dão consistência às crenças, e comportamentos desejáveis).
Choques sistêmicos
Elevada rotatividade das lideranças e funcionários. Isso gera descontinuidades, desvia a atenção das operações diárias e reforça o clima de instabilidade, dando a impressão que a qualquer momento ocorrerá o colapso institucional.
Pequenos atritos e escândalos individuais assumem a proporção de grandes problemas institucionais, os quais ocupam parte do precioso tempo das lideranças que necessitam estar focadas em questões institucionais relevantes.
A instabilidade é o alimento dos eventos disfuncionais que se retroalimentam e levam essas organizações para níveis cada vez mais precários de funcionamento.
Relações externas disfuncionais com outros hospitais, operadoras, fontes de financiamento, fornecedores e agentes de governo
A diretoria praticamente não se relaciona com outros hospitais e organizações de saúde.
Predomina a ideia de que as operadoras são agentes predadores.
A relação com os agentes públicos costuma ser conflituosa.
Atuação autônoma e independente do seu meio ambiente.
As organizações em dificuldades isolam-se e passam a viver um mundo à parte. A presença de um antagonismo[2] inconsequente em relação aos agentes externos, particularmente aos gestores públicos e grupos pagadores, contribui para o adensamento de múltiplas e sucessivas deficiências. Esse estado de coisas cria um cenário surreal em ambientes que precisam de atualização constante quanto aos meios de diagnóstico e tratamento.
O conhecimento dos domínios que caracterizam “organizações que lutam para melhorar a qualidade” representa um ponto de partida. Isso pode servir de orientação para gestores que almejam ir direto às questões cruciais, ganhando tempo e direcionando-as para um patamar superior de funcionamento.
[1] Vaughn VM, Saint S, Krein SL, et al. Characteristics of healthcare organisations struggling to improve quality: results from a systematic review of qualitative studies. BMJ Qual Saf, 2019;28:74–84. https://qualitysafety.bmj.com/content/28/1/74. Acessado em 26/jul/2019.
[2] Mannion, R; Davies, HTO; Marshall, MN. Cultural characteristics of “high” and “low” performing hospitals. Journal of Health Organization and Management. Vol. 19 No. 6, 2005, pp. 431-439.