Gestão, Qualidade Assistencial, Segurança do Paciente | 14 de março de 2019

A Ciência e a Arte de Liderar e Gerenciar Médicos (Parte 3/3)

A Ciência e a Arte de Liderar e Gerenciar Médicos Parte 3 de 3

Na terceira parte deste artigo é conveniente referir que o título mais adequado seja “A Ciência e a Arte de Liderar Médicos e Gerenciar a Atividade Médico-Assistencial”. Isso porque liderança tem a ver com pessoas (influenciar, desenvolver, treinar, orientar, aconselhar, inspirar), enquanto gestão tem a ver com coisas (sistemas, processos, procedimentos, controles, estrutura, programas, orçamentos, contratos, projetos)[1]. São, portanto, duas competências distintas que, bem praticadas, agregam irrefutável valor organizacional.

A literatura especializada é confusa sobre os dois conceitos. São utilizados em vários textos como sinônimo. Não há consenso sobre os mesmos. Na prática observa-se que os profissionais se movem entre atividades de gestão e liderança, o que demonstra processos inter-relacionados[2]. Ao mesmo tempo indica que pertencem a um amplo espectro de complementaridade e comportamentos dependentes[3]. Seja como for, pode-se afirmar o seguinte: lidera-se pessoas e gerencia-se coisas. Ou dito de outra forma, liderança concretiza transformações, mudanças (melhorias), enquanto gestão (com instrumentos que facilitam o planejamento, execução, verificação e atuação) facilita a abordagem da complexidade[4].

Prática Médica, Liderança e Gestão

A natureza da prática médica intrinsecamente leva os médicos a desempenharem atividades de liderança e gestão, as quais são razoavelmente executadas enquanto o ambiente da assistência é menos intricado. Adicionalmente ocorre o efeito “cascata” – médicos mais novos aprendem a liderar e gerir observando a atuação dos colegas mais experientes e dos preceptores que, via de regra, não tiveram adestramento básico sobre o assunto. Assim, perpetua-se um círculo vicioso de liderança e gestão precárias no âmbito assistencial. Isso só não adquire maior exposição porque as limitações administrativas, como são mais acentuadas, dominam o cenário institucional. Essa mistura de ineficiências gera e preserva ambientes atrasados e refratários à atualização e inovação.

Médicos e Atuação em Organizações de Saúde

Cada vez mais os médicos trabalham em organizações e convivem com o desenvolvimento tecnológico acelerado e reformas complexas na regulação, remuneração e na maneira de prestar assistência. Além disso, os cuidados de saúde estão alinhando-se com valores que almejam serviços e cuidados seguros, eficientes, eficazes, prestados em tempo e capazes de proporcionar experiências positivas aos pacientes/clientes. Isso pressupõe maior capacidade de liderança e gestão, a qual se adquire reunindo treinamento formal e vivência prática.

Liderança

Quando se considera liderança como a capacidade de mobilizar e inspirar pessoas para um determinado propósito, verifica-se que as organizações de saúde carecem de médicos que executem essa função, sendo mais frequente eles desenvolverem ações em benefício próprio, uma vez que foram treinados para atuarem de forma individual e autônoma. Consequentemente, não colocam essa capacidade a serviço das atividades institucionais. Na atualidade isso enfraquece as organizações de saúde e eles próprios.

As pessoas interpretam o termo “liderança” de muitas maneiras, porém a mais comum é a do líder individual, poderoso e carismático que possui seguidores que o acompanham em qualquer circunstância. Modernamente, contudo, considera-se que a liderança deve ser entendida como uma capacidade a ser utilizada por todos em diferentes graus e níveis. Isso ajusta-se às organizações de saúde que são locais onde se executam tarefas complexas e interdependentes[5].

Gestão

Entendendo-se gestão como a capacidade de lidar com recursos com vistas a resultados positivos, existem dois âmbitos fundamentais nas organizações de saúde: atividades médico-assistenciais e atividades administrativas. Para ambas é necessário um método de atuação a fim de dar racionalidade e força às ações que precisam ser executadas. No caso particular dos médicos, é necessário que conheçam e saibam aplicar um método que os auxiliem a lidar com questões associadas às atividades médico-assistenciais: agendamento de consultas, exames, aplicações e procedimentos cirúrgicos, registro dos cuidados prestados, gerenciamento de reclamação dos pacientes/clientes, manejo de situações de conflito entre médicos e entre estes e os demais colaboradores, formas de cobrança, acordos e relacionamentos com organizações de saúde, fontes pagadoras, fornecedores e assim por diante.

Os médicos são treinados em conhecimento e prática de suas especialidades, porém recebem escasso ou nenhum treinamento sobre como gerenciar ações que caracteristicamente, pelo grau de complexidade envolvido, exigem domínio gerencial. Um treinamento básico na metodologia PDCA e no domínio de algumas ferramentas auxiliares de gestão se mostrarão úteis para a atuação gerencial eficaz dos médicos, seja em situações especificamente assistenciais, seja no cumprimento de atividades formais de gestão no âmbito das organizações de saúde.

Capacitação em Liderança e Gestão

Recentemente o Conselho de Treinamento Médico da Associação Holandesa de Especialistas Médicos destacou que as habilidades de liderança, em todas as suas formas, são essenciais para a efetiva atuação dos médicos[6].

O programa de capacitação em liderança e gestão da Associação Holandesa de Médicos Especialistas, baseado em quatro competências essenciais (Quadro 3), é um exemplo estruturado de como proporcionar treinamento formal para médicos, a fim de que melhorem o desempenho e contribuam para o desenvolvimento das organizações em que atuam.

Quadro 3: Competências básicas para todos os médicos, inclusive residentes. 

Competência

Objetivo

Conteúdo

Competência 1

 

Contribuir para a melhoria da prestação dos cuidados de saúde em equipes, organizações e sistemas.

 

– Reuniões.

– Organização do hospital e assistência à saúde.

– Inovação e criatividade.

– Segurança do paciente.

Competência 2

 

Lidar com a gestão dos recursos relacionados aos cuidados de saúde.

– Finanças.

– Gestão da mudança.

– Eficiência.

Competência 3

 

Demonstrar liderança na prática profissional.

 

– Liderança pessoal.

– Negociação (para alcançar acordo conjunto).

– Gestão de incidentes e conflitos.

– Supervisão e colaboração.

Competência 4

 

Gerenciar o planejamento de carreira, finanças e a saúde.

– Gestão do tempo.

– Desenvolvimento de uma visão pessoal

– Prática e vida pessoal.

 

Diante da força de transformação disruptiva da tecnologia da informação, será difícil, senão impossível, as organizações de saúde sem profissionais de saúde, em particular médicos, com habilidades de liderança e gestão, dar sentido racional aos desafios que surgem na prestação da assistência à saúde orientada pelas necessidades e desejos dos pacientes/clientes.

[1] Terina, Allen. What Is the difference between management and leadership? Oct 9, 2018. https://www.forbes.com/sites/terinaallen/2018/10/09/what-is-the-difference-between-management-and-leadership/#8f9f73f74d6b. Acessado em 02/fev/2019.
[2]Blumenthal, Daniel M; Bernard, Ken; Bohnen, Jordan, Bohmer, Richard. Addressing the Leadership Gap in Medicine: Residents’ Need for Systematic Leadership Development Training. Academic Medicine, 2012, v. 87, nº 4: 513-522, April.
[3]Collins DB, Holton EF. The effectiveness of managerial leadership development programs: A meta-analysis of studies from 1982 to 2001. Hum Resour Dev Q. 2004, v. 15:217–248.
[4]Kotter J. What leaders really do. Harv Bus Rev, 2001, 85–91, December.
[5] NHS Leadership Academy. Healthcare Leadership Model: The nine dimensions of leadership behavior. NHS, 2011.
[6]Medical Leadership in Postgraduate Medical Education. Dutch Association of Medical Specialists, November 2016.

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