Acreditação | 9 de maio de 2023

Evolução do Estilo Brasileiro de Acreditação de Serviços de Saúde

Evolução do Estilo Brasileiro de Acreditação de Serviços de Saúde

A acreditação, classicamente, é um mecanismo de melhoria contínua (1). Entretanto, não é rara a suposição, por parte de alguns grupos, de que ela “quer substituir” a habilidade e o julgamento profissionais, algo que não se associa, de forma alguma, com o método de avaliação. O escopo, de fato, é gerar um ambiente em que gestores e equipes de saúde se sintam em condições de trabalhar de forma eficiente e segura. Isso deve se refletir explicitamente nos padrões e requisitos, assim como no processo para obter a acreditação (2). Ou seja, o cumprimento dos padrões e requisitos municia as organizações de saúde com estruturas e processos que permitam uma gestão consistente e uma assistência segura e qualificada. Cabe destacar, contudo, que a acreditação não é garantia absoluta de isenção de falhas e incidentes, assim como de qualificação impecável.

Uma revisão atual sobre os efeitos da acreditação nas organizações de saúde mostrou que quase tudo é inconclusivo (3). Ela teria efeito “nulo” sobre o acesso e a satisfação dos clientes/pacientes, supostamente promoveria menor rotatividade de colaboradores, aperfeiçoaria o trabalho em equipe e a produtividade. Repercutiria na elevação do desempenho organizacional na medida em que influencia no desenvolvimento de processos, na gestão e na cultura da segurança do paciente. A acreditação seria apenas um instantâneo da garantia da qualidade. Suplementarmente, persiste o ceticismo dos profissionais de saúde, na medida em que entendem que a acreditação visa reduzir custos e não aprimorar a assistência.

No Brasil se discute abundantemente sobre a qualidade dos serviços de saúde, mas pouco se faz de concreto. Em geral, as organizações de saúde, em particular os hospitais, reagem mal às exigências para introduzir processos e procedimentos explícitos que melhorem a qualidade (administrativa e assistencial) (4). Há uma crença de que são altamente qualificados e que apenas lhes falta mais recursos. Por um lado, predomina o voluntarismo quanto aos controles externos, cumprimento débil de normas regulatórias e escassez de mecanismos que imponham responsabilização (5). Por outro, há um fascínio por reformas e ampliações estruturais, assim como por novos serviços e equipamentos.

Metodologia da Acreditação 

Embora a acreditação exista há pouco mais de 70 anos no mundo, e no Brasil já alcance 24 anos, as atitudes em relação a ela continuam ambíguas aqui e no mundo. Enquanto alguns afirmam que ela apoia e contribui para a melhoria da qualidade, outros discordam e até criticam pejorativamente o método. A maior reclamação se encontra no aumento de registros que é a única forma de dar evidência aos cuidados oferecidos. Dizer que essa cobrança absorve recursos, que deveriam ser direcionados para os pacientes, é uma argumentação ardilosa que se situa no limite da desfaçatez. Não existe melhoria consistente sem dados e informações. Assim, é um ato obrigatório historiar as ações realizadas, mensurá-las, identificar falhas e lacunas e implementar imediatamente planos corretivos e de melhoria.

Situação Atual no Brasil 

De um total de 6.424 hospitais no Brasil (6), pouco mais de 7% são acreditados (7). Trata-se de um percentual inexpressivo. Se a adoção do método de acreditação se mantiver nesse ritmo, serão necessários cerca de 48 anos para alcançar a referência de 21% de hospitais acreditados, ou seja, sair das atuais 450 unidades hospitalares para cerca de 1.350.  O ritmo da adoção desse método de qualificação das organizações de saúde é lento por várias razões, dentre as quais se destacam o desinteresse dos gestores, a priorização de outros aspectos institucionais e a insuficiência de recursos.

Como a acreditação sempre demanda investimento, as organizações com economia balanceada são as que procuram essa qualificação. Adicionalmente, a carga de exigência de recursos será maior para as organizações menores e mais antigas, o que aponta que esse método seja economicamente insustentável para grande parte das organizações de saúde no país. Isso destaca o papel relevante que, tanto o governo quanto as operadoras de saúde, podem exercer no sentido de incentivar a busca da acreditação.

Acreditação: Voluntária ou Compulsória? 

Tradicionalmente a acreditação tem sido um programa voluntário (8). É uma decisão espontânea dos gestores das organizações de saúde. A prática tem mostrado que a acreditação tem se associado mais às questões de concorrência e marketing, do que ao impacto na qualidade dos cuidados de saúde.

Há, todavia, uma tendência mundial crescente para que seja obrigatória (9). Neste caso, pode, por si só, conduzir a algumas mudanças, mas também encerra o risco de vir acompanhada de uma implementação superficial ou de apenas cumprir uma exigência. A observação pertinente é que a obrigatoriedade deve ser cuidadosamente concebida e razoavelmente alcançável para evitar o prejuízo dos objetivos mais amplos do sistema de saúde.

Seja voluntária ou obrigatória, a acreditação produz impacto melhor se forem atendidas três condições:

I) Os padrões e requisitos devem ser bem compreendidos e alinhados aos objetivos institucionais;


II) As equipes dirigentes e de cuidados precisam estar convencidas sobre a necessidade de um mecanismo que avalie a segurança e a qualidade dos serviços prestados;


III) As autoavaliações devem se tornar uma rotina em que as falhas e lacunas identificadas resultam na imediata elaboração de planos corretivos e de melhoria.

A maioria dos dirigentes de organizações de saúde se encontra no estágio inicial do entendimento de como a acreditação deve ser compreendida. Rotineiramente consideram que ela é um elemento adicional de reconhecimento externo da qualidade, mas não incluem essa atividade como parte essencial da gestão do negócio. Com isso se beneficiam apenas da parte externa do efeito da acreditação e não utilizam o benefício interno de fortalecimento e aprimoramento da administração e assistência.

Fazer a escolha de se submeter aos padrões e requisitos da acreditação deve significar “mudar para melhor”. Melhorar exige mais conhecimento, mais esforço, mais determinação e mais disposição para evoluir. Infelizmente, é comum os dirigentes comentarem, quando suas organizações são acreditadas, que aquele acontecimento representa apenas a confirmação do que “já sabiam”. Essa é uma visão míope. Se a acreditação não surpreende nas exigências que faz, então não está cumprindo com a função de ser um agente que impulsiona a melhoria dos serviços e o desempenho das organizações de saúde para um patamar mais elevado.

Referências

1. Quinto Neto, A. Estética da Acreditação. Porto Alegre: IACHS Editora, 2016, 127 p.


2. Nicklin, W; Engel, C; Stewart, J. Accreditation 2030.  International Journal for Quality in Health Care, 2020, 00(00), 1–5.


3. Lewis, K; Hinchcliff, R. Hospital accreditation: an umbrella review. Lewis, K; Hinchcliff, R. Hospital accreditation: an umbrella review. https://academic.oup.com/intqhc/article/35/1/mzad007/7026009 by guest on 19 April 2023.


4. La Forgia, G; Couttolenc, B. Desempenho hospitalar no Brasil: em busca da excelência. São Paulo: Editora Singular, 2009.


5. Ibidem.


6. Ministério da Saúde (BR). CNES – estabelecimentos por tipo – Brasil. 2022. http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?cnes/cnv/estabbr.def.


7. ANAHP. Desafios de qualidade em saúde no Brasil: os elementos fundamentais para medir a qualidade das instituições hospitalares. Associação Nacional de Hospitais Privados, 2022. https://www.anahp.com.br/pdf/manual-desafios-qualidade-em-saude-no-brasil.pdf.


8. Nicklin, W; Engel, C; Stewart, J. Accreditation 2030.  International Journal for Quality in Health Care, 2020, 00(00), 1–5.


9. Ibidem.

 

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