Três Requisitos para Alcançar a Confiabilidade Quase Perfeita nas Organizações de Saúde
Muitos hospitais originaram-se de iniciativas comunitárias, onde a determinação de um grupo abnegado e a solidariedade da população compuseram a matéria-prima para a concretização dos mesmos. Por conta disso, a criação baseada na fraternidade continuou a ser gerida com princípios rudimentares de gestão, predominantemente sustentada pela dedicação e altruísmo de alguns, ao mesmo tempo em que a assistência à saúde foi-se tornando cada vez mais complexa. Portanto, o descompasso entre a gestão intuitiva e o aumento da complexidade do setor plasmou um estado de crise onde dirigentes, desarmados das habilidades e conhecimentos necessários para a execução de uma administração qualificada, não conseguem sair da armadilha cultivada ao longo dos anos.
O contexto geral dos hospitais, clínicas especializadas e outros serviços de saúde requer uma gestão mais precisa, e isso pressupõe a implantação e o desenvolvimento de três ações interdependentes e essenciais: 1) estrutura de liderança qualificada centrada no cliente; 2) cultura organizacional centrada na segurança; 3) aplicação dos fundamentos da qualidade na gestão em saúde.
1) Estrutura de liderança qualificada centrada no cliente
Nenhuma organização consegue desenvolver-se apenas com uma liderança, embora seja necessário existir alguém que represente o todo institucional. Assim, é imprescindível uma estrutura de liderança – e não apenas o principal dirigente – que inspire, com base na missão e visão, os colaboradores, no sentido de atenderem as necessidades e expectativas dos pacientes/clientes.
Sair do estado de crise pressupõe mudar uma forma ineficiente e ineficaz de gestão, por outra que forneça uma direção clara, uma forma de atuar com base na cultura da qualidade e segurança, tomando decisões assentadas em um conjunto de valores e um código de ética de entendimento comum. Muitos querem gerir organizações de saúde, mas poucos têm talento e competência técnica para atender às necessidades assistenciais, gerenciar operações e encontrar soluções inovadoras e eficazes para os complexos desafios que cotidianamente surgem nos negócios da saúde
2) Cultura organizacional centrada na segurança
Na maioria das organizações de saúde predomina um clima de temor implícito. Os funcionários, tanto da área assistencial quanto administrativa e de apoio, evitam relatar situações não seguras quando ainda poderiam ser facilmente corrigidas, porque receiam retaliações. A informação negada, consequentemente, impede a realização de melhorias e consente que o problema se agrave ou até sobrevenha o dano ao paciente.
A cultura da segurança, postulam alguns autores, compõe-se de três imperativos que se reforçam mutuamente: confiar, relatar e melhorar. É provável que parte do sentido de “urgência” predominante nas organizações de saúde decorra das deficiências contidas nesse ciclo de três etapas aparentemente simples, mas de difícil execução.
A confiança é necessária para que haja um fluxo contínuo de informações sobre possíveis perigos ou condições não seguras, ou seja, ela leva à cooperação. Os profissionais, da linha de frente e da base organizacional, sentindo-se seguros e não ameaçados, informarão com regularidade situações potencialmente não seguras, procedimentos que funcionam com baixo grau de segurança ou simples mudanças no ambiente que possam contribuir para falhas nos sistemas de segurança, sem que isso caracterize uma acusação aos colegas. Esses comunicados tipicamente revelarão problemas nos estágios iniciais antes que criem riscos maiores. Quando esses comunicados oportunizam ações de melhoria e essas ações são informadas, a confiança revigora-se e, dessa forma, fortalece-se a cultura da segurança.
3) Aplicação dos fundamentos da qualidade da gestão em saúde
Os limitados recursos constituem uma peculiar justificativa para não implantar programas de qualidade. Os gestores, contudo, precisam ponderar que a adoção dos fundamentos da qualidade produzirá padrões, estabelecerá metas, o que dará maior visibilidades às ações (boas e ruins), e facilitará o gerenciamento das atividades assistenciais, administrativas e de apoio, com redução de desperdício e impacto sobre a economia global da instituição.
É surpreendente o grau de amadorismo gerencial existente na maior parte das organizações de saúde. Há um predomínio do voluntarismo e a ideia que tudo se resolve com “dedicação e amor” – dois elementos relevantes, porém insuficientes para solucionar os complexos problemas do cotidiano organizacional. Esse estágio incipiente de gestão deve ser superado com a utilização do conhecimento advindo da ciência da melhoria contínua. Precisa-se, portanto, de gestores com domínio nesses conceitos, capazes de ver além da rotina e de motivar todos a alcançar metas desafiadoras, criando um ciclo virtuoso de bons resultados, funcionários entusiasmados e um ambiente de mútua confiança e respeito.
Infelizmente a maioria das organizações de saúde encontra-se longe do nível de competência que todos gostariam. Os pacientes/clientes esperam que os gestores se esmerem na elevação da confiabilidade institucional, aprimorem a cultura da segurança e apliquem sistematicamente os métodos e ferramentas de melhoria contínua de processos, porquanto considera-se, na atualidade, que esses três requisitos sejam a melhor esperança para aproximar-se da quase perfeição na entrega dos cuidados de saúde.